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O esforço da direita, venezuelana e continental, para criar um impasse ante a posse do presidente Hugo Chávez para o mandato presidencial para o qual foi reeleito em outubro passado, é ilustrativo do caráter fundamentalmente reacionário das pugnas mantidas pelos conservadores e sua mídia golpista a respeito de questões para as quais tentam dar um caráter constitucional.
As disputas jurídicas, e constitucionais, em torno de questões do exercício do poder, são embates de caráter político. Poder-se-ia dizer que se trata da luta de classes, com toga e punhos de renda.
A polêmica, na Venezuela, se dá em torno da presença – improvável – de Hugo Chávez perante a Assembleia Nacional no dia 10 de janeiro, para ser empossado formalmente na presidência da República para um novo mandato.
Presença improvável, pois o líder da revolução bolivariana está internado, num hospital em Havana, convalescendo de uma cirurgia para a remoção de um câncer. Circunstância trágica na qual a direita venezuelana vislumbrou a chance de tentar voltar ao poder depois de ter sido derrotada nas urnas em outubro de 2012.
Há um golpe em andamento, assegura um analista do Partido Comunista da Venezuela, em artigo publicado no jornal Tribuna Popular. “Causa náuseas” a campanha da “canalha golpista” contra a revolução bolivariana e a dignidade do povo venezuelano, diz o artigo, que identifica, entre os atores deste golpe. os mesmos que, em 2002, tentaram derrubar o presidente Chávez, e que agora estão reunidos na chamada Mesa da Unidade Democrática, principal partido da oposição direitista na Venezuela. E apoiados, como em 2002, pela CIA e o Departamento de Estado, tentam – ante a doença de Chávez – conduzir a Venezuela ao “infausto cenário de abril de 2002”. Tentam dividir a esquerda, semeando “o ódio e a cisão no seio das Forças Armadas e no Comando Nacional da Revolução”. Mas não conseguirão, afirma-se. “Não se equivoquem, cachorros do Pentágono.”
Esta convicção tem fundamento na disposição que inúmeros cidadãos manifestam na Venezuela de defender a revolução. Há um sentimento geral de que o processo bolivariano, dirigido por Chávez, reflete solidamente a vontade popular. Construímos “uma alternativa revolucionária que já faz parte do nosso dia a dia e isso ninguém vai mudar”, diz uma militante. Outro, um estudante de medicina, assegura que “tudo agora depende de nós”, que vamos dar “continuidade à nossa revolução, mesmo sem Chávez”. Convicção semelhante à de outro jovem que garante: “Nós somos a revolução”. O prestígio do vice-presidente e substituto indicado por Chávez, Nicolás Maduro, fica nítido na afirmação de uma militante: “Maduro também é revolução”.
A direita, como de costume, tenta ganhar no tapetão. Insiste na obrigatoriedade da presença de Chávez no ato de posse perante a Assembleia Nacional. Vê em sua ausência a chance de convocar novas eleições, uma espécie de segundo turno do pleito perdido por ela em outubro. Sua urgência em que a presidência seja assumida pelo presidente da Assembleia Nacional (Parlamento), Diosdato Cabello, faz parte do cálculo segundo o qual as condições eleitorais dos conservadores podem melhorar com a ausência do comandante na disputa, e com o nome de seu herdeiro, Nicolás Maduro, em uma cédula eleitoral.
A Constituição venezuelana, aprovada em 1999, sem o apoio da direita, é clara quanto à posse do mandatário. Ela define a data (10 de janeiro), exige o comparecimento do empossado e define as condições para justificar sua eventual ausência. Diz, sobretudo, em seu artigo 231, que a presença é exigida na posse do eleito, mas não se refere ao que ocorre em caso de reeleição, situação em que o juramento constitucional já foi feito no primeiro dia do mandato constitucional. Estabelece também que, “se, por qualquer motivo”, o “presidente da República não puder tomar posse na Assembleia Nacional” na data estabelecida, “o fará no Supremo Tribunal de Justiça”, mas não fixa data ou local para isso.
Se a direita distorce o texto constitucional de acordo com suas conveniências, magistrados venezuelanos interpretam esse texto de forma mais positiva e seguem o que está escrito e foi aprovado pelo referendo constitucional de 1999. Assim, a procuradora-geral da República Bolivariana da Venezuela, Cília Flores, não vê como indispensável a presença de Hugo Chávez perante a Assembleia Nacional em 10 de janeiro porque ele é um presidente reeleito, e não um candidato eleito, o que faz, na sua opinião, toda a diferença em relação ao que determina o artigo 231 da Constituição.
A oposição busca apoio popular para desferir um golpe, e o deputado Julio Borges, coordenador nacional do partido Primera Justicia (do candidato presidencial derrotado em outubro, Henrique Capriles), foi à televisão neste domingo (6) para pregar a rebelião pela posse, nesta quinta-feira, do presidente da Assembleia, Diosdato Cabello, caso o presidente reeleito Hugo Chávez não possa fazê-lo. Mas a decisão formal a este respeito cabe à Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (Suprema Corte).
Neste sentido, tem razão o vice-presidente Nicolás Maduro que, em entrevista à televisão venezuelana, disse que a Constituição “vem sendo cumprida de maneira impecável”, servindo “para lançar as bases econômicas, sociais, políticas, culturais, éticas, da Pátria nova que estamos construindo.” Constituição que, lembrou, já serviu “para enfrentar golpes de Estado, dissipá-los, derrotá-los, para enfrentar conspirações”.
Neste momento de “interpretações e interpretadores”, disse Maduro, o “espírito da Constituição” está vivo. O espírito do “constituinte originário, que é o povo venezuelano, tem seu máximo defensor no próprio povo”, que deve como nunca conhecer a Carta Magna, “aplicá-la e defendê-la, defendê-la com argumentos, com ideias, com razões; defendê-la com verdade” e também “com força nas ruas”.
Maduro denunciou a “ofensiva (nacional e internacional) contra o povo venezuelano” e vê nas interpretações que pululam a respeito do texto constitucional, a tentativa da direita de embasar nele “suas aspirações políticas de desestabilizar o país” e reverter e destruir a revolução bolivariana. Contra esta tentativa golpista, ele defende o respeito à Constituição que, pensa, “fala por si só”.
Maduro tem razão. A disputa, revestida de alegações constitucionais, é a luta pelo poder na Venezuela; é o esforço da direita para desestabilizar o governo e forçar um novo pleito onde, sonha, teria maiores chances do que nas eleições de outubro e novembro (governadores) de 2012. A direita usa a máscara constitucional para disfarçar a luta de classes e seu objetivo de retorno a uma ordem conservadora da qual os venezuelanos se afastam com rapidez. Neste sentido, o 10 de janeiro poderá adquirir uma dimensão semelhante ao 11 de abril, quando o golpe da direita foi derrotado há uma década.
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