Do blog Diário do Centro do Mundo:
Mais de três anos depois de ter sido preso por conta do maior vazamento de documentos secretos na história dos EUA, o soldado Bradley Manning começa a ser julgado hoje.
Entre as acusações está a de “ajuda ao inimigo” – a qual pode fazê-lo ser condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Ele se declarou culpado de várias acusações menores, que podem trazer uma sentença de até 20 anos. A palavra agora está com a corte marcial.
Quando o WikiLeaks começou a publicar os material, em 2010, o governo dos Estados Unidos disse que as informações comprometiam a diplomacia americana e colocavam vidas em risco.
Manning teve acesso aos documentos como analista de inteligência do exército americano no Iraque. Os papéis vazados fizeram a fama do Wikileaks e de seu editor, o australiano Julian Assange.
Ao juiz militar que preside o caso, Manning disse que queria provocar um debate público sobre a política externa e militar dos EUA.
Manning se alistou no Exército em 2007. Ele foi preso em Bagdá, em maio de 2010, depois que um hacker a quem tinha falado sobre o vazamento o denunciou para o FBI.
Manning foi levado de volta para os Estados Unidos, onde permaneceu preso até agora. O Diário publica, abaixo, um artigo escrito por Daniel Ellsberg.
Em 1973, Ellsberg vazou para o New York Times os célebres “Papéis do Pentágono”, documentos que mostravam os horrores praticados pelos Estados Unidos no Vietnã.
Ellsberg foi processado pelo governo Nixon, mas acabou absolvido, e seu vazamento ajudou a terminar a guerra.
O texto de Ellsberg:
Dias atrás, a Fundação da Liberdade de Imprensa, organização que fundei e de cujo conselho faço parte, publicou um áudio do discurso de Bradley Manning num tribunal militar em que ele dá suas razões e motivações por trás do vazamento de mais de 700 000 documentos do governo para o WikiLeaks.
Quem fez esta gravação, e eu não sei quem é a pessoa, prestou ao público americano um grande serviço. É a primeira vez que os americanos podem ouvir Bradley Manning, com sua própria voz, explicar o que fez e por quê.
Depois de ouvir esta gravação e da leitura de seu depoimento, fiquei convencido de que Bradley Manning é a personificação do whistleblower – aquele que expõe coisas secretas de interesse público.
Manning enfrenta algumas das mesmas acusações que enfrentei 42 anos atrás, quando vazei os Papéis do Pentágono para o New York Times e outros jornais.
A única diferença é que eu era um civil, e por isso pude ficar fora da cadeia sob fiança enquanto o julgamento estava acontecendo, e assim tive a oportunidade de falar com a mídia o tempo todo.
Assumi a responsabilidade do que eu tinha feito no dia da minha prisão, e pude explicar por que fizera o vazamento.
Mas, por conta de decisões do juiz no caso de Manning, o público quase não ouviu nada dele. Transcrições oficiais do processo não foram liberadas para o público.
Agora espero que o povo americano possa ver Manning sob uma luz diferente. Em 1971, fui capaz de dar o meu lado da história, e é com muito atraso que Manning pode fazer o mesmo.
Manning, ao assumir como eu a responsabilidade pelo vazamento e descrever em detalhes como agiu, deixou claro que Julian Assange e Wikileaks não tiveram nada a ver com sua decisão de vazar. O WikiLeaks não lhe deu nada além do que um jornal faria normalmente.
Agora, não há realmente desculpa para que a justiça americana prossiga na perseguição a Julian Assange por suspeita de conspiração para cometer espionagem.
Se a justiça não vai indiciar o New York Times, e não há base constitucional para isso, também não existe motivo para investigar ou indiciar Assange ou o WikiLeaks.
Acusar Assange de “conspiração para cometer espionagem” seria, como já foi dito, o equivalente a acusá-lo de “conspiração para cometer jornalismo”.
Manning foi movido pelas mesmas razões que me governaram há 42 anos. Ambos ficamos horrorizados ao ver informações mentirosas circularem, ao mesmo tempo que atividades criminosas eram escondidas do público.
Ambos sentimos que a sociedade precisava de informações reais, e deveria ter tido isso anos atrás. Por isso, ambos vazamos documentos secretos sobre guerras sangrentas e sem propósito.
Um eventual comportamento criminoso, perigoso e enganoso do governo só pode ser alterado se o Congresso e o público forem informados dele.
Quando o governo encobre informações que exponham tal conduta, a única maneira de trazê-la para o público é quebrar normas de sigilo.
Alguns dos documentos mais importantes que vazaram por Manning revelaram tortura pelo governo iraquiano do qual os EUA tinham ciência. De acordo com o tratado internacional sobre a tortura, os EUA deveriam ter exigido investigações.
Na verdade, os papéis da guerra do Iraque mostram centenas de casos de tortura, e em todos eles os soldados receberam ordem ilegal para não investigar.
Em sua declaração ao tribunal, Manning fala sobre um incidente em que pessoas para ele inocentes estavam sendo entregues aos iraquianos para possivelmente ser torturadas. Ele foi ao seu superior e recebeu a ordem de esquecer o assunto.
Bradley Manning, ao agir como agiu, foi o único soldado que realmente obedeceu ao tratado internacional sobre tortura, e, por extensão, à Constituição.
Manning se confessou culpado de dez acusações de violar regras militares (poucas das quais, se é que alguma, seria crime civil) e enfrenta o risco de 20 anos de prisão.
No entanto, os promotores ainda insistem com a acusação absurda de “ajuda ao inimigo”, e por isso pedem prisão perpétua.
Nixon poderia ter trazido essa acusação contra mim também. Eu estava revelando irregularidades cometidas por nosso governo publicamente, e a informação poderia ter sido lida por nossos inimigos no Vietnã.
É claro que nunca tive essa intenção e Manning também não. Nós dois vazamos informações para provocar uma discussão sobre a força militar nacional e o sigilo governamental. Dizer que o fizemos para ajudar o inimigo é um absurdo.
Pelo terceiro ano consecutivo, Manning foi nomeado para o Nobel da Paz. Por seu papel na Primavera Árabe e na aceleração do fim da Guerra do Iraque, tenho para mim que ninguém é mais merecedor que ele do Nobel da Paz.
Manning é um herói cujo exemplo deveria inspirar outros.
Entre as acusações está a de “ajuda ao inimigo” – a qual pode fazê-lo ser condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Ele se declarou culpado de várias acusações menores, que podem trazer uma sentença de até 20 anos. A palavra agora está com a corte marcial.
Quando o WikiLeaks começou a publicar os material, em 2010, o governo dos Estados Unidos disse que as informações comprometiam a diplomacia americana e colocavam vidas em risco.
Manning teve acesso aos documentos como analista de inteligência do exército americano no Iraque. Os papéis vazados fizeram a fama do Wikileaks e de seu editor, o australiano Julian Assange.
Ao juiz militar que preside o caso, Manning disse que queria provocar um debate público sobre a política externa e militar dos EUA.
Manning se alistou no Exército em 2007. Ele foi preso em Bagdá, em maio de 2010, depois que um hacker a quem tinha falado sobre o vazamento o denunciou para o FBI.
Manning foi levado de volta para os Estados Unidos, onde permaneceu preso até agora. O Diário publica, abaixo, um artigo escrito por Daniel Ellsberg.
Em 1973, Ellsberg vazou para o New York Times os célebres “Papéis do Pentágono”, documentos que mostravam os horrores praticados pelos Estados Unidos no Vietnã.
Ellsberg foi processado pelo governo Nixon, mas acabou absolvido, e seu vazamento ajudou a terminar a guerra.
O texto de Ellsberg:
Dias atrás, a Fundação da Liberdade de Imprensa, organização que fundei e de cujo conselho faço parte, publicou um áudio do discurso de Bradley Manning num tribunal militar em que ele dá suas razões e motivações por trás do vazamento de mais de 700 000 documentos do governo para o WikiLeaks.
Quem fez esta gravação, e eu não sei quem é a pessoa, prestou ao público americano um grande serviço. É a primeira vez que os americanos podem ouvir Bradley Manning, com sua própria voz, explicar o que fez e por quê.
Depois de ouvir esta gravação e da leitura de seu depoimento, fiquei convencido de que Bradley Manning é a personificação do whistleblower – aquele que expõe coisas secretas de interesse público.
Manning enfrenta algumas das mesmas acusações que enfrentei 42 anos atrás, quando vazei os Papéis do Pentágono para o New York Times e outros jornais.
A única diferença é que eu era um civil, e por isso pude ficar fora da cadeia sob fiança enquanto o julgamento estava acontecendo, e assim tive a oportunidade de falar com a mídia o tempo todo.
Assumi a responsabilidade do que eu tinha feito no dia da minha prisão, e pude explicar por que fizera o vazamento.
Mas, por conta de decisões do juiz no caso de Manning, o público quase não ouviu nada dele. Transcrições oficiais do processo não foram liberadas para o público.
Agora espero que o povo americano possa ver Manning sob uma luz diferente. Em 1971, fui capaz de dar o meu lado da história, e é com muito atraso que Manning pode fazer o mesmo.
Manning, ao assumir como eu a responsabilidade pelo vazamento e descrever em detalhes como agiu, deixou claro que Julian Assange e Wikileaks não tiveram nada a ver com sua decisão de vazar. O WikiLeaks não lhe deu nada além do que um jornal faria normalmente.
Agora, não há realmente desculpa para que a justiça americana prossiga na perseguição a Julian Assange por suspeita de conspiração para cometer espionagem.
Se a justiça não vai indiciar o New York Times, e não há base constitucional para isso, também não existe motivo para investigar ou indiciar Assange ou o WikiLeaks.
Acusar Assange de “conspiração para cometer espionagem” seria, como já foi dito, o equivalente a acusá-lo de “conspiração para cometer jornalismo”.
Manning foi movido pelas mesmas razões que me governaram há 42 anos. Ambos ficamos horrorizados ao ver informações mentirosas circularem, ao mesmo tempo que atividades criminosas eram escondidas do público.
Ambos sentimos que a sociedade precisava de informações reais, e deveria ter tido isso anos atrás. Por isso, ambos vazamos documentos secretos sobre guerras sangrentas e sem propósito.
Um eventual comportamento criminoso, perigoso e enganoso do governo só pode ser alterado se o Congresso e o público forem informados dele.
Quando o governo encobre informações que exponham tal conduta, a única maneira de trazê-la para o público é quebrar normas de sigilo.
Alguns dos documentos mais importantes que vazaram por Manning revelaram tortura pelo governo iraquiano do qual os EUA tinham ciência. De acordo com o tratado internacional sobre a tortura, os EUA deveriam ter exigido investigações.
Na verdade, os papéis da guerra do Iraque mostram centenas de casos de tortura, e em todos eles os soldados receberam ordem ilegal para não investigar.
Em sua declaração ao tribunal, Manning fala sobre um incidente em que pessoas para ele inocentes estavam sendo entregues aos iraquianos para possivelmente ser torturadas. Ele foi ao seu superior e recebeu a ordem de esquecer o assunto.
Bradley Manning, ao agir como agiu, foi o único soldado que realmente obedeceu ao tratado internacional sobre tortura, e, por extensão, à Constituição.
Manning se confessou culpado de dez acusações de violar regras militares (poucas das quais, se é que alguma, seria crime civil) e enfrenta o risco de 20 anos de prisão.
No entanto, os promotores ainda insistem com a acusação absurda de “ajuda ao inimigo”, e por isso pedem prisão perpétua.
Nixon poderia ter trazido essa acusação contra mim também. Eu estava revelando irregularidades cometidas por nosso governo publicamente, e a informação poderia ter sido lida por nossos inimigos no Vietnã.
É claro que nunca tive essa intenção e Manning também não. Nós dois vazamos informações para provocar uma discussão sobre a força militar nacional e o sigilo governamental. Dizer que o fizemos para ajudar o inimigo é um absurdo.
Pelo terceiro ano consecutivo, Manning foi nomeado para o Nobel da Paz. Por seu papel na Primavera Árabe e na aceleração do fim da Guerra do Iraque, tenho para mim que ninguém é mais merecedor que ele do Nobel da Paz.
Manning é um herói cujo exemplo deveria inspirar outros.
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