Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Marina Silva tem o porte de uma dama inglesa dos tempos vitorianos, saída de uma página de Henry James ou de John Galsworthy. Assim sempre me pareceu colher na voz, nos gestos, no passo, um toque aristocrático absolutamente natural, a contrariar a origem pobre, para não dizer plebeia. Coisas da vida que a mim não surpreendem.
As preocupações de Marina Silva não têm mais o esmaecido parentesco com aquelas de uma dama inglesa da era vitoriana, nem se fale dos ideais das dondocas nativas. Um notabilíssimo do PT certo dia me disse: “Grande companheira”. Outro que estava presente acrescentou: “Deus me livre se chegasse à Presidência”. E poderia chegar?
As pesquisas exibem as boas cotações de Marina Silva e há algum tempo animam a mídia, certa de que no páreo do pleito presidencial ela atrapalharia bastante a candidatura da presidenta Dilma. Os barões midiáticos, com admirável afinação, fundaram e lideram o verdadeiro partido de oposição, pronto a aprovar uma composição em condições de se arvorar a pedra no caminho de qualquer candidato petista.
Marina Silva não dispunha de documentos em dia para encantar a mídia. Passou por uma experiência ministerial no primeiro governo petista e era tida como esquerdista voltada em excesso para os problemas do meio ambiente. Na qualidade de possível candidata à Presidência, deu a volta por cima na visão dos porta-vozes da casa-grande, concordes em esquecer seu pé na senzala e valorizar suas qualidades morais.
A aliança recém-selada da ex-ministra de Lula com Eduardo Campos tem suas contradições e gera incógnitas, a começar pelo papel que o PSB reservaria a uma solerte advogada da religião evangélica e ardente defensora do equilíbrio ecológico. São assuntos para a reportagem de capa desta edição. De minha parte, limito-me a perguntar aos meus atentos botões: Eduardo Campos sabe avaliar os riscos precipitados nas circunstâncias pelo inevitável apoio que uma chapa Eduardo-Marina, ou vice-versa, receberia de jornalões e quejandos?
Governador de Pernambuco, Campos mostrou bom serviço, reelegeu-se com folga e ganhou dimensão nacional, a ponto de surgir como pretendente à Presidência, embora nas pesquisas consiga por ora porcentagens bastante modestas. A linhagem familiar o beneficia e o entendimento entre socialistas e petistas que vingou até anteontem parecia de todo impecável.
Ouço um murmúrio, aproximo o ouvido. Os botões sussurram um nome inesperado: José Serra, José Serra... Estou perplexo. Eles escalam decibéis, afirmam no tom de Hercule Poirot quando desvenda as razões de um crime e aponta o responsável: “Foi o apoio da mídia que empurrou Serra para a direita”. Sou forçado a concordar. Sublinho, entretanto: apoio buscado ardorosamente por ele próprio e que não lhe foi regateado com a certeza do retorno. Tal havia de ser, concluo, a postura que o agradava ao cabo de uma longa carreira política percorrida em boa parte sobre trilhos diferentes.
Estranhas situações vividas no país da casa-grande e da senzala, onde as ideologias tiveram significado para poucos, pouquíssimos, enquanto valia para os demais a busca do poder pelo poder. Exemplares, no pós-ditadura, os tucanos liderados por Fernando Henrique Cardoso. Para se afastar de Ulysses Guimarães, ele inventou uma nova legenda, a contar, inclusive, com a boa-fé de um ou outro companheiro. Enfim, candidato à Presidência, Antonio Carlos Magalhães apressou-se a avisar com o sorriso na ponta dos lábios: “FHC não é tão de esquerda assim...”
De fato, o príncipe dos sociólogos comandou um governo de direita, com a devida subserviência às vontades americanas e aos ditames neoliberais. Em 2002, às vésperas da campanha eleitoral, ouvi de Serra que ele faria um governo muito mais à esquerda daquele de Lula. Palavras. Como isso se daria? Seria capaz de contrariar os jornalões que o queriam presidente? De confrontar-se com Octavio Frias, o velho, ou com o doutor Roberto?
Aí se amoita o risco para o contubérnio celebrado no PSB de Eduardo Campos e Marina Silva, descambar inexoravelmente para o conservadorismo da casa-grande antes ainda de atingir a meta desejada. E sem chance de chegar lá. É o jogo político inesgotável, herdado do comércio. A regra soletra: do ut des, dou para que você dê.
Marina Silva tem o porte de uma dama inglesa dos tempos vitorianos, saída de uma página de Henry James ou de John Galsworthy. Assim sempre me pareceu colher na voz, nos gestos, no passo, um toque aristocrático absolutamente natural, a contrariar a origem pobre, para não dizer plebeia. Coisas da vida que a mim não surpreendem.
As preocupações de Marina Silva não têm mais o esmaecido parentesco com aquelas de uma dama inglesa da era vitoriana, nem se fale dos ideais das dondocas nativas. Um notabilíssimo do PT certo dia me disse: “Grande companheira”. Outro que estava presente acrescentou: “Deus me livre se chegasse à Presidência”. E poderia chegar?
As pesquisas exibem as boas cotações de Marina Silva e há algum tempo animam a mídia, certa de que no páreo do pleito presidencial ela atrapalharia bastante a candidatura da presidenta Dilma. Os barões midiáticos, com admirável afinação, fundaram e lideram o verdadeiro partido de oposição, pronto a aprovar uma composição em condições de se arvorar a pedra no caminho de qualquer candidato petista.
Marina Silva não dispunha de documentos em dia para encantar a mídia. Passou por uma experiência ministerial no primeiro governo petista e era tida como esquerdista voltada em excesso para os problemas do meio ambiente. Na qualidade de possível candidata à Presidência, deu a volta por cima na visão dos porta-vozes da casa-grande, concordes em esquecer seu pé na senzala e valorizar suas qualidades morais.
A aliança recém-selada da ex-ministra de Lula com Eduardo Campos tem suas contradições e gera incógnitas, a começar pelo papel que o PSB reservaria a uma solerte advogada da religião evangélica e ardente defensora do equilíbrio ecológico. São assuntos para a reportagem de capa desta edição. De minha parte, limito-me a perguntar aos meus atentos botões: Eduardo Campos sabe avaliar os riscos precipitados nas circunstâncias pelo inevitável apoio que uma chapa Eduardo-Marina, ou vice-versa, receberia de jornalões e quejandos?
Governador de Pernambuco, Campos mostrou bom serviço, reelegeu-se com folga e ganhou dimensão nacional, a ponto de surgir como pretendente à Presidência, embora nas pesquisas consiga por ora porcentagens bastante modestas. A linhagem familiar o beneficia e o entendimento entre socialistas e petistas que vingou até anteontem parecia de todo impecável.
Ouço um murmúrio, aproximo o ouvido. Os botões sussurram um nome inesperado: José Serra, José Serra... Estou perplexo. Eles escalam decibéis, afirmam no tom de Hercule Poirot quando desvenda as razões de um crime e aponta o responsável: “Foi o apoio da mídia que empurrou Serra para a direita”. Sou forçado a concordar. Sublinho, entretanto: apoio buscado ardorosamente por ele próprio e que não lhe foi regateado com a certeza do retorno. Tal havia de ser, concluo, a postura que o agradava ao cabo de uma longa carreira política percorrida em boa parte sobre trilhos diferentes.
Estranhas situações vividas no país da casa-grande e da senzala, onde as ideologias tiveram significado para poucos, pouquíssimos, enquanto valia para os demais a busca do poder pelo poder. Exemplares, no pós-ditadura, os tucanos liderados por Fernando Henrique Cardoso. Para se afastar de Ulysses Guimarães, ele inventou uma nova legenda, a contar, inclusive, com a boa-fé de um ou outro companheiro. Enfim, candidato à Presidência, Antonio Carlos Magalhães apressou-se a avisar com o sorriso na ponta dos lábios: “FHC não é tão de esquerda assim...”
De fato, o príncipe dos sociólogos comandou um governo de direita, com a devida subserviência às vontades americanas e aos ditames neoliberais. Em 2002, às vésperas da campanha eleitoral, ouvi de Serra que ele faria um governo muito mais à esquerda daquele de Lula. Palavras. Como isso se daria? Seria capaz de contrariar os jornalões que o queriam presidente? De confrontar-se com Octavio Frias, o velho, ou com o doutor Roberto?
Aí se amoita o risco para o contubérnio celebrado no PSB de Eduardo Campos e Marina Silva, descambar inexoravelmente para o conservadorismo da casa-grande antes ainda de atingir a meta desejada. E sem chance de chegar lá. É o jogo político inesgotável, herdado do comércio. A regra soletra: do ut des, dou para que você dê.
0 comentários:
Postar um comentário