Por Lino Bocchini, na revista CartaCapital:
Sheherazade é um alvo menor. A moça é uma mera testa-de-ferro, uma boneca de ventríloquo. A verdadeira voz dos discursos diários pregando o ódio, a violência, o preconceito e a intolerância é a de Silvio Santos. Foi ele quem decidiu trazer a jornalista da TV Tambaú, afiliada de sua emissora na Paraíba, para o palanque nacional do Jornal do SBT. É o empresário quem a mantém intocada e lhe protege para que siga discursando no horário dito nobre. É Silvio quem a segura para que, ao noticiar a polêmica em torno de suas declarações, ela possa zombar de nossa cara e bravatear que não abrirá mão de seu “direito de liberdade de expressão”.
E tem mais. Sob o comando ou conivência de Silvio, outras vozes semelhantes ganham força nas afiliadas do SBT. É o caso, por exemplo, de Paulo Martins. Comentarista do Jornal da Massa, veiculado toda noite pela afiliada do SBT do Paraná, Martins passeia pelos mesmos temas de sua colega Sheherazade, como por exemplo o rolezinho:
“Aposentaram a cinta, essa é a geração mãozinha na cabeça. Ninguém tem direito de se organizar em bando e tumultuar uma propriedade privada, atrapalhar a vida de quem é responsável e honrado, tem compromissos e não tem tempo pra perder com rolezinho”.
O jornal da Massa faz parte da programação da Rede Massa, o maior grupo de comunicação do Paraná. O conglomerado é de propriedade de Carlos Massa, o Ratinho, que tem seu programa na grade nacional do SBT.
Em seus comentários diários Martins já afirmou, por exemplo, que os presidentes do Brasil, do Equador, da Argentina e da Venezuela formam “a gangue do Foro de São Paulo”. Ao ver que seu parceiro de bancada assustou-se com a palavra “gangue”, emendou: “Os caras são parceiros das Farc, você quer que eu chame eles do quê?”. Há coerência com a forma que ele refere-se à atual administração federal: “a ditadura Dilma Roussef”.
Em Santa Catarina, o SBT de Silvio Santos mantém um outro apresentador-comentarista que cerra fileiras com Sheherazade e Martins. É Luiz Carlos Prates, que todo dia fala o que bem entende na bancada do SBT Meio Dia, levado ao ar pela afiliada catarinense do SBT, propriedade do Sistema Catarinense de Comunicação.
Prates tem 50 anos de carreira e é figura conhecida no estado. Passou por diversas emissoras antes de instalar-se no SBT e tem uma longa lista de frases, digamos, de destaque. É o tipo de comentarista que, ao falar do trânsito em Florianópolis, lamenta que “hoje em dia qualquer miserável tem um carro”. Ou, ao analisar o drama das meninas que têm sua intimidade escancarada em fotos ou vídeos na internet, diz que “só uma débil mental se expõe promiscuamente desse jeito”.
E o governo com isso?
Por mais antipatia de uma parcela da população que uma revista Veja ou um jornal O Estado de S. Paulo possam despertar, faz parte do jogo democrático a sua existência. São negócios como outro qualquer e, por mais que incomodem, têm todo o direito de existir e publicar o que bem entenderem, dentro dos limites da Constituição.
No caso de uma rádio ou televisão, contudo, a história é outra. Eles operam por meio de outorgas concedidas pelo Ministério das Comunicações com o aval do Congresso. E aí há regras. Afinal, é uma autorização de uso de um bem público, não é uma mera iniciativa privada, como querem nos fazer crer.
Pela legislação em vigor, é o Ministério das Comunicações o órgão responsável por fiscalizar o conteúdo veiculado pelas emissoras e responsabilizá-las se houver violação da lei. No caso de Sheherazade, por exemplo, há uma lista de violações. Foram desrespeitados os direitos humanos assegurados pela Constituição Federal, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e há violação explícita do Código Brasileiro de Telecomunicações, que determina que o serviço de radiodifusão não pode ser usado para humilhar pessoas e expô-las a condições degradantes, "nem que seus fins sejam jornalísticos".
Ou seja, está tudo muito explícito. É só o Ministério das Comunicações, comandado por Paulo Bernardo, começar a agir e multar as empresas. Só não o faz porque não quer.
É importante sublinhar também que Carlos Massa ou o proprietário de qualquer outra emissora brasileira tem o mesmo direito de usufruir daquele espaço do que qualquer universidade, ONG, empresa ou pessoa física. São eles os donos unicamente por acordos políticos.
E é no mínimo questionável o uso de tais concessões para enriquecer bispos de igrejas suspeitas, faturar bilhões a cada ano com a venda de publicidade ou colocar no ar comentaristas como Sheherazade, Martins e Prates, que diariamente desrespeitam as leis, deseducam e pregam a violência e o preconceito para milhões de brasileiros.
Só o governo, por meio do Ministério das Comunicações, pode mudar isso. E só a sociedade civil organizada pode pressionar o governo e o Congresso para que isso aconteça.
Continuemos criticando Sheherazade, ela merece. Até gosta. A apresentadora estava se deliciando ao noticiar a polêmica em torno do seu nome na noite de quinta-feira 6. O sorrisinho constante era o retrato da confiança de quem está sendo não apenas protegida pelo patrão, mas também sendo beneficiada pela omissão de quem poderia fazer algo em Brasília. Ela e Silvio estão rindo da sua cara.
* Colaborou Bia Barbosa, do Intervozes.
Sheherazade é um alvo menor. A moça é uma mera testa-de-ferro, uma boneca de ventríloquo. A verdadeira voz dos discursos diários pregando o ódio, a violência, o preconceito e a intolerância é a de Silvio Santos. Foi ele quem decidiu trazer a jornalista da TV Tambaú, afiliada de sua emissora na Paraíba, para o palanque nacional do Jornal do SBT. É o empresário quem a mantém intocada e lhe protege para que siga discursando no horário dito nobre. É Silvio quem a segura para que, ao noticiar a polêmica em torno de suas declarações, ela possa zombar de nossa cara e bravatear que não abrirá mão de seu “direito de liberdade de expressão”.
E tem mais. Sob o comando ou conivência de Silvio, outras vozes semelhantes ganham força nas afiliadas do SBT. É o caso, por exemplo, de Paulo Martins. Comentarista do Jornal da Massa, veiculado toda noite pela afiliada do SBT do Paraná, Martins passeia pelos mesmos temas de sua colega Sheherazade, como por exemplo o rolezinho:
“Aposentaram a cinta, essa é a geração mãozinha na cabeça. Ninguém tem direito de se organizar em bando e tumultuar uma propriedade privada, atrapalhar a vida de quem é responsável e honrado, tem compromissos e não tem tempo pra perder com rolezinho”.
O jornal da Massa faz parte da programação da Rede Massa, o maior grupo de comunicação do Paraná. O conglomerado é de propriedade de Carlos Massa, o Ratinho, que tem seu programa na grade nacional do SBT.
Em seus comentários diários Martins já afirmou, por exemplo, que os presidentes do Brasil, do Equador, da Argentina e da Venezuela formam “a gangue do Foro de São Paulo”. Ao ver que seu parceiro de bancada assustou-se com a palavra “gangue”, emendou: “Os caras são parceiros das Farc, você quer que eu chame eles do quê?”. Há coerência com a forma que ele refere-se à atual administração federal: “a ditadura Dilma Roussef”.
Em Santa Catarina, o SBT de Silvio Santos mantém um outro apresentador-comentarista que cerra fileiras com Sheherazade e Martins. É Luiz Carlos Prates, que todo dia fala o que bem entende na bancada do SBT Meio Dia, levado ao ar pela afiliada catarinense do SBT, propriedade do Sistema Catarinense de Comunicação.
Prates tem 50 anos de carreira e é figura conhecida no estado. Passou por diversas emissoras antes de instalar-se no SBT e tem uma longa lista de frases, digamos, de destaque. É o tipo de comentarista que, ao falar do trânsito em Florianópolis, lamenta que “hoje em dia qualquer miserável tem um carro”. Ou, ao analisar o drama das meninas que têm sua intimidade escancarada em fotos ou vídeos na internet, diz que “só uma débil mental se expõe promiscuamente desse jeito”.
E o governo com isso?
Por mais antipatia de uma parcela da população que uma revista Veja ou um jornal O Estado de S. Paulo possam despertar, faz parte do jogo democrático a sua existência. São negócios como outro qualquer e, por mais que incomodem, têm todo o direito de existir e publicar o que bem entenderem, dentro dos limites da Constituição.
No caso de uma rádio ou televisão, contudo, a história é outra. Eles operam por meio de outorgas concedidas pelo Ministério das Comunicações com o aval do Congresso. E aí há regras. Afinal, é uma autorização de uso de um bem público, não é uma mera iniciativa privada, como querem nos fazer crer.
Pela legislação em vigor, é o Ministério das Comunicações o órgão responsável por fiscalizar o conteúdo veiculado pelas emissoras e responsabilizá-las se houver violação da lei. No caso de Sheherazade, por exemplo, há uma lista de violações. Foram desrespeitados os direitos humanos assegurados pela Constituição Federal, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e há violação explícita do Código Brasileiro de Telecomunicações, que determina que o serviço de radiodifusão não pode ser usado para humilhar pessoas e expô-las a condições degradantes, "nem que seus fins sejam jornalísticos".
Ou seja, está tudo muito explícito. É só o Ministério das Comunicações, comandado por Paulo Bernardo, começar a agir e multar as empresas. Só não o faz porque não quer.
É importante sublinhar também que Carlos Massa ou o proprietário de qualquer outra emissora brasileira tem o mesmo direito de usufruir daquele espaço do que qualquer universidade, ONG, empresa ou pessoa física. São eles os donos unicamente por acordos políticos.
E é no mínimo questionável o uso de tais concessões para enriquecer bispos de igrejas suspeitas, faturar bilhões a cada ano com a venda de publicidade ou colocar no ar comentaristas como Sheherazade, Martins e Prates, que diariamente desrespeitam as leis, deseducam e pregam a violência e o preconceito para milhões de brasileiros.
Só o governo, por meio do Ministério das Comunicações, pode mudar isso. E só a sociedade civil organizada pode pressionar o governo e o Congresso para que isso aconteça.
Continuemos criticando Sheherazade, ela merece. Até gosta. A apresentadora estava se deliciando ao noticiar a polêmica em torno do seu nome na noite de quinta-feira 6. O sorrisinho constante era o retrato da confiança de quem está sendo não apenas protegida pelo patrão, mas também sendo beneficiada pela omissão de quem poderia fazer algo em Brasília. Ela e Silvio estão rindo da sua cara.
* Colaborou Bia Barbosa, do Intervozes.
1 comentários:
Não sei se o Ministério da Comunicação pode aplicar punição, mas o Ministério Público (que é o fiscal das leis) pode, ou melhor, deve (tem o dever de ofício ) de mover ação contra esses abusos. Aliás o Ministério Público é o guardião da infância e da juventude. Até agora não vi nenhuma ação dele nesse caso.
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