Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
O jornal O Globo traz, na edição de segunda-feira (3/1), uma página com duas reportagens sobre o tema político mais abrangente deste início de século: a submissão das ideologias à lógica da economia.
Essencialmente, é disso que falam duas reportagens que abrem a seção “Mundo” do jornal carioca. Um dos textos trata das mudanças no governo da França depois que o presidente François Hollande deu uma guinada na direção do credo liberal. O outro se refere ao governo da Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel faz o movimento contrário.
As duas análises registram a coincidência dos acontecimentos, que apontam para a criação de um campo comum que poderá reaproximar os dois países, colocados em posições antagônicas nos debates sobre o futuro da Europa em crise. De um lado, Hollande sustentava a bandeira socialista da precedência do bem-estar social sobre o mercado; de outro, Merkel guardava o bunker do liberalismo com sua política de austeridade.
Ao se declarar socialdemocrata e anunciar medidas controversas como o corte de despesas públicas e concessão de vantagens fiscais a empresas, o presidente francês se aproxima da líder alemã, que dá uma guinada “à esquerda”, ao criar um salário mínimo nacional e reduzir a idade para aposentadoria.
Uma França mais pragmática, do ponto de vista do mercado, e uma Alemanha mais sensível aos problemas sociais, criam um processo a ser observado no contexto mais amplo do que a possibilidade de os dois países virem a compor, finalmente, um núcleo duro para a consolidação do ideal europeu da ação comum. Esse movimento convergente se torna especialmente emblemático diante do que acontece na borda leste da Europa, onde ucranianos colocam suas vidas em risco ao enfrentar o frio extremo e a violência da polícia e de milicianos a serviço da Rússia.
Porém há um significado ainda mais interessante a ser observado, e que não se apresenta nos palácios dos governantes, mas nas ruas. Trata-se do protagonismo da sociedade, que apresentou suas credenciais há cinco anos, no movimento de ocupação de espaços públicos que começou em Wall Street, Nova York.
Governantes têm que tomar decisões com um olho no poder que move as finanças, mas já não podem descuidar daquilo que se passa nas ruas.
O rei está nu
O problema, para o jornalismo, é que um dos lados dessa moeda tem seu poder efetivo amplificado pelo poder simbólico que exerce sobre a própria imprensa. Estamos nos referindo ao poder econômico institucionalizado, representado pelos 1% dos seres humanos mais ricos, que detêm 40% de todo o patrimônio contabilizável do planeta, enquanto a metade mais pobre da população mundial possui apenas 1% dos bens.
Essa perversidade só se sustenta porque os privilegiados vivem protegidos na bolha do poder simbólico, aquele poder que se sustenta em sua própria mística, e que desaparece quando desvelado. Como no conto de Hans Christian Andersen, o poder político representado por personagens como François Hollande e Angela Merkel vive hipnotizado pela roupa nova do rei, enquanto os manifestantes que transferem suas vidas para as ruas geladas de Kiev e outros locais escolhidos para seus protestos já se deram conta de que o rei está nu.
Declarações colhidas entre manifestantes mostram que eles estão fazendo uma escolha pragmática entre a democracia em crise na Europa e as boas perspectivas econômicas sob a ditadura dissimulada da Rússia. Esse é o ponto central para onde evoluiu a crise detonada em setembro de 2008, quando se revelou a farsa do mercado autorregulado.
Estamos no meio da década que será predominantemente gasta com o conserto dos estragos produzidos pelo descontrole do capital financeiro. A imprensa, de maneira hegemônica, segue mantendo a fantasia do deus-mercado, por um motivo tão simples quanto espantoso: a mídia tradicional também se sustenta no poder simbólico da mediação, ou seja, ela somente se justifica moralmente porque a sociedade acredita que os sistemas informativos são objetivos, ou, pelo menos, buscam o ideal da objetividade.
Mas, como todo poder simbólico, o poder da imprensa deve ser questionado: quem assegura que suas escolhas têm como objetivo realmente informar?
Por mais que esbravejem os pitbulls das colunas de jornais e revistas, as ruas revelam que o rei está nu. E, olhando bem de perto, não é grande coisa.
O jornal O Globo traz, na edição de segunda-feira (3/1), uma página com duas reportagens sobre o tema político mais abrangente deste início de século: a submissão das ideologias à lógica da economia.
Essencialmente, é disso que falam duas reportagens que abrem a seção “Mundo” do jornal carioca. Um dos textos trata das mudanças no governo da França depois que o presidente François Hollande deu uma guinada na direção do credo liberal. O outro se refere ao governo da Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel faz o movimento contrário.
As duas análises registram a coincidência dos acontecimentos, que apontam para a criação de um campo comum que poderá reaproximar os dois países, colocados em posições antagônicas nos debates sobre o futuro da Europa em crise. De um lado, Hollande sustentava a bandeira socialista da precedência do bem-estar social sobre o mercado; de outro, Merkel guardava o bunker do liberalismo com sua política de austeridade.
Ao se declarar socialdemocrata e anunciar medidas controversas como o corte de despesas públicas e concessão de vantagens fiscais a empresas, o presidente francês se aproxima da líder alemã, que dá uma guinada “à esquerda”, ao criar um salário mínimo nacional e reduzir a idade para aposentadoria.
Uma França mais pragmática, do ponto de vista do mercado, e uma Alemanha mais sensível aos problemas sociais, criam um processo a ser observado no contexto mais amplo do que a possibilidade de os dois países virem a compor, finalmente, um núcleo duro para a consolidação do ideal europeu da ação comum. Esse movimento convergente se torna especialmente emblemático diante do que acontece na borda leste da Europa, onde ucranianos colocam suas vidas em risco ao enfrentar o frio extremo e a violência da polícia e de milicianos a serviço da Rússia.
Porém há um significado ainda mais interessante a ser observado, e que não se apresenta nos palácios dos governantes, mas nas ruas. Trata-se do protagonismo da sociedade, que apresentou suas credenciais há cinco anos, no movimento de ocupação de espaços públicos que começou em Wall Street, Nova York.
Governantes têm que tomar decisões com um olho no poder que move as finanças, mas já não podem descuidar daquilo que se passa nas ruas.
O rei está nu
O problema, para o jornalismo, é que um dos lados dessa moeda tem seu poder efetivo amplificado pelo poder simbólico que exerce sobre a própria imprensa. Estamos nos referindo ao poder econômico institucionalizado, representado pelos 1% dos seres humanos mais ricos, que detêm 40% de todo o patrimônio contabilizável do planeta, enquanto a metade mais pobre da população mundial possui apenas 1% dos bens.
Essa perversidade só se sustenta porque os privilegiados vivem protegidos na bolha do poder simbólico, aquele poder que se sustenta em sua própria mística, e que desaparece quando desvelado. Como no conto de Hans Christian Andersen, o poder político representado por personagens como François Hollande e Angela Merkel vive hipnotizado pela roupa nova do rei, enquanto os manifestantes que transferem suas vidas para as ruas geladas de Kiev e outros locais escolhidos para seus protestos já se deram conta de que o rei está nu.
Declarações colhidas entre manifestantes mostram que eles estão fazendo uma escolha pragmática entre a democracia em crise na Europa e as boas perspectivas econômicas sob a ditadura dissimulada da Rússia. Esse é o ponto central para onde evoluiu a crise detonada em setembro de 2008, quando se revelou a farsa do mercado autorregulado.
Estamos no meio da década que será predominantemente gasta com o conserto dos estragos produzidos pelo descontrole do capital financeiro. A imprensa, de maneira hegemônica, segue mantendo a fantasia do deus-mercado, por um motivo tão simples quanto espantoso: a mídia tradicional também se sustenta no poder simbólico da mediação, ou seja, ela somente se justifica moralmente porque a sociedade acredita que os sistemas informativos são objetivos, ou, pelo menos, buscam o ideal da objetividade.
Mas, como todo poder simbólico, o poder da imprensa deve ser questionado: quem assegura que suas escolhas têm como objetivo realmente informar?
Por mais que esbravejem os pitbulls das colunas de jornais e revistas, as ruas revelam que o rei está nu. E, olhando bem de perto, não é grande coisa.
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