Moyano e Barrionuevo. Foto: http://www.pagina12.com.ar/ |
Quem estava na Argentina na quinta-feira dia 10 de abril, e muito especialmente em Buenos Aires, haverá de ter concluído: a greve geral convocada pelos dirigentes sindicais Hugo Moyano, de uma das CGTs (Central Geral dos Trabalhadores), seu parceiro Luis Barrionuevo, e também Pablo Micheli, da CTA (Central Argentina dos Trabalhadores), apoiados por um punhado de grupos e partidos de extrema-esquerda, foi um êxito absoluto. E essa conclusão tem lá suas razões: a capital parou. Boa parte da Argentina também.
A tempo: a Argentina é, depois de Cuba, o segundo país mais sindicalizado da América Latina. Os sindicatos são poderosíssimos, movem montanhas de dinheiro, e muitas vezes funcionam como verdadeiras máfias. Tamanha é a força do sindicalismo, que existem duas (às vezes, três) Centrais Gerais dos Trabalhadores.
Seu apoio aos governos oscila conforme os ventos e as marés de interesses mais – ou menos – atendidos. Hugo Moyano era, até três anos, aliado incondicional do kirchnerismo. Luis Barrionuevo, ao menos nesse aspecto, é mais coerente: sempre chantageou tudo que é governo, desde que chegou ao poder. É o líder absoluto dos sindicatos que reúnem hotéis, bares e restaurantes. Moyano tem mais poder: controla tudo que é transporte. Terrestre, aéreo, o que for.
Segundo Moyano, que no final da tarde da quinta deu entrevistas coletivas com ares de vitorioso num golpe de Estado, a adesão total foi de 98% dos trabalhadores. Não havia ônibus, metrô, pouquíssimos táxis rodavam pelas ruas (não havia nenhum posto de gasolina aberto). Não havia caminhão para coletar lixo, nem para transportar combustível. Nem para abastecer os caixas eletrônicos. Ou os super-mercados. Comercio, escolas, escritórios – tudo parado. Tudo, ou quase tudo, vazio.
Parou o porto, parou o aeroporto metropolitano, e no aeroporto internacional, Ezeiza, pouquíssimos vôos vindos do exterior pousaram na pista. Quem conseguiu desembarcar foi-se embora de vãos abanando: não havia que retirasse as bagagens dos aviões. Poucos restaurantes, bares e cafés, nesta cidade de restaurantes e cafés, abriram.
Visto assim do alto, o cenário parece não deixar dúvidas: a enorme, imensa maioria da população está irremediavelmente contra Cristina Fernández de Kirchner. Faltando ano e meio para o fim de seu segundo mandato, impedida, constitucionalmente, de disputar um terceiro, ela se transformou numa sombra do passado, rejeitada pelos argentinos. A oposição já ganhou. A disputa se restringirá aos candidatos deles.
E aí está: visto assim do alto, o cenário é esse. Visto assim de dentro, é outro, e bem outro.
Para começo de conversa, Moyano e Barrionuevo são velhos conhecidos dos argentinos. Todos sabem de seu poder de chantagem, e por mais que se esteja contra o governo, se saberá sempre com que tipo de mafioso se está lidando.
Além disso, sem ter como sair de casa, sem se locomover, como ir trabalhar? Aliás, como se não bastasse a suspensão total e absoluta de transporte público, Buenos Aires foi cercada por piquetes que cortaram quase todas as vias de ligação entre interior, subúrbio, periferia e zona urbana. Mesmo quem quis ir trabalhar de carro não conseguiu.
Uma pesquisa realizada no dia seguinte mostra que a verdadeira adesão à greve da dupla Moyano-Barrionuevo mostra que, dos entrevistados, 20% não foram trabalhar por medo de incidentes e choques com os grevistas; 51%, por não terem como chegar ao trabalho. Somente 25% dos entrevistados disseram ter apoiado totalmente a greve.
Os grandes meios de comunicação, dentro e fora da Argentina, ressaltaram a versão dos dirigentes do movimento. Ou seja: para eles, ao protestar contra a inflação, a perda de poder aquisitivo dos salários, a falta de segurança e um sem-fim de razões, os argentinos fizeram uma das maiores greves em décadas da história do país. Assim, pode-se concluir que o governo de Cristina Kirchner está absolutamente desacreditado, e vive um ocaso melancólico.
Se as coisas fossem simples do jeito que a televisão e os dois grandes jornais do país, o La Nación e muito especialmente o Clarín contam, e que a imprensa brasileira repete alegremente, tudo seria fácil de entender.
Acontece que o cenário argentino é bem mais amplo e complexo. De concreto, a indiscutível paralisação deixou Moyano e Barrionuevo numa posição complicada: já que não havia nenhuma plataforma palpável de reivindicações, o que eles queriam? E mais: o que farão agora?
A reação inicial do governo foi tão clara como desconcertante: não negou a dimensão da paralisação, mas insistiu em ressaltar que tudo se deveu à falta de transporte. Um locaute ajudado por piquetes que isolaram Buenos Aires: assim o governo viu a greve. E só.
Num balanço sensato, o resultado é o seguinte: Hugo Moyano e Luis Barrionuevo (convém anotar esses nomes) sabem que já não existe a mais mínima possibilidade de diálogo com o governo e com os kirchneristas. Sabem também que não havia nada a reivindicar. Sabem, como todo mundo, que há, sim, mal-estar e tensão em Buenos Aires e, embora em menor medida, no interior do país.
Misturar alhos e bugalhos enquanto paralisavam a capital foi a moldura perfeita para abrigar suas verdadeiras intenções.
Seu recado foi dado, mas não a Cristina e ao governo: ao futuro presidente, seja ele (ou ela) quem for.
Com a dupla, não se brinca. Ou suas demandas são aceitas, ou quem ocupar a Casa Rosada terá dor de cabeça.
Há quem chame isso de chantagem e jogo sujo. Os dois chamam de justas reivindicações. O pior é que há quem, nos meios de comunicação, acredite nessa dupla bizarra – e poderosa.
A Argentina, definitivamente, vive um cenário bem mais complexo. E que merece atenção.
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