quinta-feira, 17 de abril de 2014

Quebra de sigilo telefônico no Planalto

Por Patrícia Faermann, no Jornal GGN:

Informações divergentes e mal explicadas transitam entre os órgãos da Justiça sobre o pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para a quebra de sigilo telefônico no complexo penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, e no Palácio do Planalto.

O pedido feito pela promotora de Justiça de Execuções Penais, Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa, envolve a interceptação de 5 operadoras de celular durante um período de 16 dias de todas as chamadas enviadas e recebidas nessas duas localizações. O caso foi admitido pelo juiz Bruno André Silva Ribeiro e levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Teoricamente, para o caminho traçado ter coesão, o juiz deveria ocupar a Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal. Entretanto, ao contatar o Tribunal de Justiça, chegamos à informação: "não tenho nada aqui registrado no TJDF sobre a Ação Cautelar [3599] ou a solicitação do Ministério Público sobre o uso do telefone celular. O que eu tenho é a carga do processo da AP 470”.

Ou seja, o sistema interno não indica que o processo de quebra de sigilo telefônico tenha passado pelo tribunal. Fato que se reconfirma na consulta eletrônica do site do TJDF. Nele, há ofícios como a determinação de diligências sobre as investigações, o agendamento da videoconferência com José Dirceu para testemunhar a respeito, e todas as demais decisões, solicitações e comunicados do juiz Bruno André Silva Ribeiro quanto à execução da pena de Dirceu. Contudo, não há registro sobre a Ação Cautelar.




Como já abordado, para encaminhar o pedido ao STF, o juiz deveria ocupar a Vara de Execuções Penais. Mas há outra evidência também sem explicação: Ribeiro está desde o dia 2 de abril na 3ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal. E a ação foi protocolada na Suprema Corte no mesmo dia 2 de abril.



De acordo com o escritor e promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Thales Tácito Cerqueira, no artigo “Interceptação Telefônica”, os requisitos para a quebra do sigilo traçados em lei são:

“1) Ordem judicial emanada por Juiz, Competente, (juiz da ação penal principal) +;
A interceptação telefônica não pode ser ordenada pelo Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia de ofício, mas pelo juiz e o juiz competente para o Processo Penal a que se visa a diligência.
2) escuta telefônica realizada por serviços técnicos especializados das concessionárias de serviço público (artigo 7° da lei) +;
3) motivação”

Neste caso da Ação Cautelar 3599, por se tratar de uma denúncia de infração relativa à execução da pena de José Dirceu, e tendo a Ação Penal 470 em trânsito em julgado, ou seja, concluída sem possibilidades de recursos, caberia ao juiz da Vara de Execuções Penais acatar ao processo do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Ainda que não se tenha acesso ao inteiro teor da Ação Cautelar, é possível concluir a necessária mediação do juízo da VEP.

Tal percurso é confirmado pelo advogado de Dirceu, Jose Luis Mendes de Oliveira Lima, que em entrevista ao Jornal GGN e na petição contra a ação da promotora (já divulgada aqui), informou que Bruno André Silva Ribeiro foi o mediador do processo.



Além de a Vara de Execuções Penais não arquivar em seu sistema a passagem da Ação Cautelar, o advogado de Dirceu lembra que quando Ribeiro levou a denúncia ao Supremo Tribunal Federal, o juiz já se declarava suspeito para dar continuidade ao acompanhamento das execuções dos condenados pela Ação Penal 470.

“O Ministério Público faz o requerimento e o juiz Bruno encaminha para o Supremo. Nossa petição é muito clara, quando ele manda para lá, ele não podia ter mandado porque estava suspenso pelo Tribunal”, disse Oliveira Lima. A decisão foi emitida em ofício no dia 25 de março deste ano.



Bruno André Silva Ribeiro não poderia, portanto, dar seguimento ao pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para quebra de sigilo telefônico.

Agravo à Lei

Ainda existem outras normas da Lei de interceptação telefônica (Lei 9.296, de 24 de julho de 1996) que não foram asseguradas pela promotora de Justiça Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa.

Segundo a Lei, no art. 2°, parágrafo único, “em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada”.

A promotora de Justiça não respeitou o artigo da lei, ao omitir no pedido de quebra de sigilo telefônico onde as coordenadas geográficas mencionadas se situavam. Sob a Latitude - 15°47'56.86'' e Longitude - 47°51'38.67'', Márcia Milhomens não as localizou como “Palácio do Planalto”, apenas indicou que intencionava confrontar “as ligações realizadas pelos aparelhos de telefonia móvel que se encontravam no presídio e pelos aparelhos de telefonia celular que se encontravam no Estado da Bahia, no mesmo período de tempo, isto é, na primeira quinzena de janeiro de 2014”.

“O absurdo da pretendida quebra de sigilo telefônico revela o quão indiscriminada, genérica e abusiva é a medida pleiteada pelo MP/DF, sem considerar, ainda, a sua absoluta falta de justa causa, uma vez que possui como base enfática somente uma note de jornal que já foi cabalmente investigada em procedimento que contou com a participação do Poder Judiciário e Ministério Público”, afirmou a defesa na petição contrária à Ação Cautelar.

Planalto manifesta-se

Diante de tais irregularidades, e por se tratar o pedido de uma investigação designada á sede do governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com uma reclamação disciplinar na Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público contra Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa, ontem (15).

A informação divulgada pela Folha de S.Paulo é de que a AGU considerou o pedido algo “inédito e heterodoxo, (...) sem maiores justificativas, explicações e pormenorização”. A Advocacia-Geral teria considerado, ainda, que a atitude não parecia estar dentro do "estreito linde da legalidade".

Por fim, a entidade que se representa como defesa de Dilma Rousseff solicitou que sejam adotadas medidas para tornar "insubsistente o pedido de quebra de sigilo telefônico".

A Advocacia-Geral da União confirmou ao Jornal GGN que entrou com a ação, mas que não era possível “fornecer a peça da AGU, pois a reclamação disciplinar é sigilosa”.

Ação especial

Ao contatar o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, as informações mal explicadas permaneceram. Em tom uniforme a todos os veículos de comunicação, a assessoria de imprensa avisou que nenhuma promotora falaria sobre o assunto e que enviaria uma nota oficial – a que segue:

“O MPDFT informa que, independentemente de onde caiam as coordenadas do pedido do Órgão, o foco é averiguar se José Dirceu cometeu ou não falta disciplinar grave com o uso do celular.

As pessoas que, eventualmente, tenham falado com ele não cometeram nenhuma infração. Mas ele, supostamente, sim. Além disso, como o inquérito que investigava a denúncia do uso de celular foi sumariamente arquivado, em 5 dias, o MP precisou aprofundar as investigações”.

Entretanto, ao perguntar se seria comum uma denúncia do Ministério Público estadual ser encaminhada diretamente à Suprema Corte, a assessora respondeu: “se fosse qualquer outro processo, que sempre correu aqui no DF, iria para a Vara de Execuções Penais do DF. Mas esse, como estou te falando, tem particularidades. Porque ele tem a parte penal lá [STF], e a parte execuções aqui [VEP do TJDFT]. Se fosse qualquer outro, teria um caminho mais óbvio. Só que esse é diferente”.

Com o objetivo de entender o motivo de não existir registros de encaminhamento da denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Território para a Vara de Execuções Penais, foi indagado se a promotora Márcia poderia enviar a solicitação diretamente ao STF.

“É possível que esse caminho tenha sido direto. Porque esse caso é especial, não é? Então, é uma possibilidade que realmente tenha saído. E alguma coisa que eu vi na movimentação lá, do STF, é que tinha nome da Procuradora-Geral daqui, então eu acredito que é possível que tenha acontecido, embora eu não tenha como te confirmar isso”, respondeu.

Posicionamento do MPF

Depois da realização das investigações por inquérito disciplinar, e concluindo que não há provas de que Dirceu teria usado o celular, no dia 21 de março, Bruno Ribeiro determinou que o ministro-relator (Joaquim Barbosa) fornecesse seu parecer quanto às “questões disciplinares de natureza grave” e que se encaminhassem “as cópias necessárias à exata compreensão da controvérsia” referentes ao pedido de trabalho externo.




O Procurador-Geral da República Rodrigo Janot manifestou-se, a pedido de Barbosa, na última segunda-feira (14), dando parecer favorável ao trabalho externo e concordando com o pedido de arquivamento da apuração disciplinar.

A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal afirmou que para Janot se manifestar sobre o caso da quebra de sigilo telefônico da promotora, o Supremo Tribunal Federal precisa fazer a solicitação, o que ocorreu agora há pouco.

Entre a desinformação e a falta dela, a quebra de sigilo telefônico ainda transcorre no Supremo Tribunal Federal, sem arquivamento pelo presidente da Corte Joaquim Barbosa, criando esforços judiciais para manter o réu sem direito a trabalho externo.

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