segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cinco anos sem Mario Benedetti

Por Ana Flávia Marx, no blog Retrato sem retoque:

As datas viram marcos quando nos faz lembrar de algo ou alguém importante e que nos faz falta. É esse o caso deste 17 de maio: cinco anos sem o ‘escritor cordial’, o uruguaio Mario Benedetti.

Benedetti nasceu em 1920 em Paso de los Toros. Aos dois anos mudou com os pais para Tacuarembó, onde começou a estudar alemão na Deutsche e que, mais tarde, fez com que Mario fosse o primeiro tradutor do Kafka no Uruguai. Na sua juventude publicou ainda sete livros sem vender ao menos um exemplar.

Mario foi um jornalista de outro tempo, mas podia adaptar-se muito bem na situação atual dos jornalistas, pelo menos os brasileiros. Foi vendedor, funcionário público, contador, locutor, tradutor, taquígrafo por muitos anos, mas sempre foi também jornalista e escritor. Nunca deixou de escrever e as suas outras profissões serviram de cenário para os seus romances.

A academia também chamava a sua atenção. Dirigiu o Centro de Investigações Literárias, da Casa das Américas e o Departamento de Literatura Hisponoamericana da Faculdade de Humanidades de Montevideo, deixando o cargo somente em 1973, devido a ditadura militar.

A repressão o expulsou de seu país natal, mas o fez um cidadão latino americano e socialista. Por causa da repressão, foi para Argentina, Peru, Cuba e Espanha. Voltou para o seu país somente em 1985, quando a democracia já se reestabelecia.

Da vida escura, escondida, dura e cruel da repressão, resolveu defender a alegria como trincheira, bandeira, princípio, destino, certeza e direito. (Ver o poema Em defesa da alegria)

Benedetti foi um escritor pleno. Teceu poesias, contos, novelas, ensaios, críticas literárias, peças de humor - com o pseudônimo de Damodes - e até canções, presentes no disco Canciones del Más Acá, de 1988.

As suas personagens revelam as mil facetas e a complexidade da alma humana, desnudando a dialética que movimenta a vida, em que é capaz de mudar até mesmo as circunstâncias mais estabelecidas.

A sua experiência política também serviu como enredo para os seus livros que, às vezes sutil, outras nem tanto, se preocupou com a ideologia, com os valores e com a moral. É essa cena de “Primavera num espelho partido”, em que, em plena ditadura, a personagem aguarda o seu companheiro sair da prisão, mas se apaixona por um amigo dele, que fazia parte da resistência à ditadura junto com seu marido.


A Trégua: amor, nacionalismo e consciência de classe
As mudanças e surpresas que a vida impõem estão em suas obras como o ritmo nas músicas. O escritor de A Trégua, obra que conta o romance entre Avellaneda e o Martín Santomé, funcionário público, viúvo e com 50 anos, que se apaixona pela jovem de 24 anos que muda a sua vida e lhe mostra o amor como um dos elementos emblemáticos da vida.

“ O amor breve ou longo, espontâneo ou minuciosamente construído, é de qualquer modo um apogeu nas relações humanas”, descreveu na apresentação de um dos seus 80 livros.

Com A Trégua, uma das obras mais importantes da literatura latino-americana, revelou a simplicidade, leveza e liberdade existente no amor:

“O plano traçado é a absoluta liberdade. Conhecer-nos e ver o que acontece, deixar que o tempo corra e reavaliar. Não há travas. Não há compromissos. Ela é esplêndida”, escreve Martín em seu diário enquanto esperava a resposta de Avellaneda.

É também nessa grande obra que dois conceitos evidenciam as ideias de nacionalismo e de classe do autor. Santomé está sentado num banco e vê um "operário municipal" cortando grama. Observa o trabalho, compara com o seu, pensa em ser garçom de café e conclui: "Esse que passa ( o de sobretudo comprido, orelha de abano, passo capenga e raivoso), esse é meu semelhante. Ainda ignora que eu existo, mas um dia me verá de frente, de perfil ou de costas, e terá a sensação de que entre nós existe algo secreto, recôndito laço que nos une, que nos dá força para nos entendermos. [...]. Mas não importa; seja como for, é meu semelhante".

Dentro desse mesmo momento de reflexão, demonstra grande pertencimento ao seu país, a sua nação e conclui: "Creio que nesse momento afirmou-se em mim uma convicção: eu sou deste lugar, desta cidade. [...]Cada um é de um só lugar na terra e ali deve pagar sua cota. Eu sou daqui. Aqui pago a minha cota".

Foi também obra de Benedetti traduzir tática e estratégia, dois conceitos que originaram dos planos exatos e da guerra, para a subjetividade da paixão:

“[…]Minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível
Minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti […]”

O poema Tática e Estratégia faz parte da reunião de outras diversas poesias em “O amor, as mulheres e a vida”, que se contrapõe ao título do livro de Arthur Schopenhauer , “O amor, as mulheres e a morte” e expressa a opinião de Mario de que as mulheres estão mais próximas da vida do que da morte e que só o amor é capaz de enfrentar a vida finita.

É justamente nessa antologia que Benedetti concentra os dois temas - amor e morte- no poema Última noção de Laura, que explica o final de A Trégua, ou melhor, dar a saída do escritor ao romance intenso e verdadeiro de Avellaneda e Santomé. Desta vez, é a jovem que fala de seu amor:

“[…] você é claro não sabe
já que nunca lhe disse
nem mesmo
naquelas noites em que você me descobre
com as suas mãos incrédulas e livres
você não sabe como dou valor
à sua simples coragem de querer-me”

As obras de Mario Benedetti são universais, são ficções que são articuladas com embates e desenlaces reais, o que faz com que muitos se identifiquem com suas histórias e as tornem como suas. Um dos seus últimos poemas, resumi a experiência de vida:

[…] temos uma desordem na alma
mas vale a pena sustentá-la
com as mãos / os olhos / a memória
tentemos pelo menos nos enganar
como se o bom amor
fosse a vida […] (Resumo)

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