Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A uma semana do pontapé inicial, a Copa do Mundo domina o noticiário e vai deixando nas laterais do campo midiático os assuntos que geralmente fazem as manchetes, como a política e a economia.
É certo que na última década a questão partidária tem transtornado de tal maneira a imprensa que todos os dias de todos os anos parecem véspera de eleição, mas já se pode perceber que, mesmo nos debates sobre a sucessão presidencial, os candidatos e seus apoiadores evitam se contrapor ao clima de festa que começa a tomar as ruas.
O noticiário específico sobre a seleção brasileira de futebol vem em pacotes prontos, porque os jornalistas só têm acesso ao protagonista liberado a cada dia pela assessoria de comunicação da CBF para a entrevista oficial. O que tem ajudado a imprensa é o fato de que o tema futebol avança rapidamente sobre a agenda nacional, o que obriga praticamente todo mundo a participar da conversação.
A presidente da República entra em campo em uma sucessão de entrevistas para afirmar que torceu pela equipe auriverde mesmo em 1970, quando estava presa pela ditadura militar, e que faria ainda menos sentido desejar o fracasso do time nacional em tempos democráticos. Ela aproveitou para ridicularizar a manchete do Estado de S.Paulo na semana passada (ver aqui), onde se dizia que o coletivo chamado Black Bloc iria contar com apoio da facção criminosa PCC para organizar protestos violentos durante a Copa.
Com essa manobra, ela obriga seus concorrentes a entrar no coro, o que produz um cenário interessante: ninguém pode ficar indiferente, pois isso poderia ser considerado um crime de lesa-pátria; ao mesmo tempo, todos sabem que Dilma seria a grande perdedora em caso de um fracasso do nosso time de futebol.
Temos, então, o contexto histórico em que um fator externo à política pode definir o resultado das eleições presidenciais: uma vitória do Brasil, num torneio sem grandes contratempos, daria ao Partido dos Trabalhadores o maior de todos os cabos eleitorais: um país em êxtase, após os muitos meses de greves, conflitos e pessimismo na imprensa.
A Igreja entra em campo
Se até mesmo o mais ferrenho oposicionista se vê obrigado a envergar as cores do selecionado nacional, que instituição poderia se contrapor à animação da torcida? Ganha um doce de padaria quem se lembrar da Santa Madre Igreja. Pois não é que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil resolve entrar também nos debates sobre a Copa?
Uma nota publicada pelo Estado de S. Paulo quinta-feira (5/6) descreve o panfleto no qual a entidade representativa da igreja católica expõe sua visão do jogo. O texto, em português, inglês e espanhol, foi publicado no site da instituição (ver aqui) e está sendo distribuído em paróquias da capital paulista, sob o título “Copa do Mundo, Dignidade, Paz”. Diz basicamente que o principal legado da Copa no Brasil não seria medido...
“... pelos valores que injetará na economia local ou pelos lucros que proporcionará aos seus patrocinadores. Seu êxito estará na garantia de segurança para todos sem o uso da violência, no respeito ao direito às pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual, sobretudo de pessoas vulneráveis e combatam eficazmente o racismo e a violência”.
Nada mais absolutamente correto, do ponto de vista moral e político. Apenas é conveniente observar que o mundo do esporte não se conduz pela racionalidade, mas pela paixão.
Ao dar “cartão vermelho” para alguns aspectos da Copa do Mundo, a CNBB acaba reforçando exatamente as justificativas controversas que têm movido os Black Bloc. Por exemplo, ao se referir a uma “apropriação do esporte por entidades privadas e grandes corporações, a quem os governos vem delegando responsabilidades públicas”, o documento esquece que eventos como a Copa e as Olimpíadas só existem porque são organizados por entidades privadas como a Fifa e patrocinados por empresas.
Quando se refere a uma suposta “inversão de prioridades para com o dinheiro público que deveria servir, prioritariamente, para a saúde, educação, saneamento básico, transporte e segurança”, a entidade religiosa repete argumentos dos ativistas da violência, baseados numa visão equivocada do sistema orçamentário.
Como diria São Bernardo de Claraval, “o inferno está repleto de boas vontades ou desejos”.
É certo que na última década a questão partidária tem transtornado de tal maneira a imprensa que todos os dias de todos os anos parecem véspera de eleição, mas já se pode perceber que, mesmo nos debates sobre a sucessão presidencial, os candidatos e seus apoiadores evitam se contrapor ao clima de festa que começa a tomar as ruas.
O noticiário específico sobre a seleção brasileira de futebol vem em pacotes prontos, porque os jornalistas só têm acesso ao protagonista liberado a cada dia pela assessoria de comunicação da CBF para a entrevista oficial. O que tem ajudado a imprensa é o fato de que o tema futebol avança rapidamente sobre a agenda nacional, o que obriga praticamente todo mundo a participar da conversação.
A presidente da República entra em campo em uma sucessão de entrevistas para afirmar que torceu pela equipe auriverde mesmo em 1970, quando estava presa pela ditadura militar, e que faria ainda menos sentido desejar o fracasso do time nacional em tempos democráticos. Ela aproveitou para ridicularizar a manchete do Estado de S.Paulo na semana passada (ver aqui), onde se dizia que o coletivo chamado Black Bloc iria contar com apoio da facção criminosa PCC para organizar protestos violentos durante a Copa.
Com essa manobra, ela obriga seus concorrentes a entrar no coro, o que produz um cenário interessante: ninguém pode ficar indiferente, pois isso poderia ser considerado um crime de lesa-pátria; ao mesmo tempo, todos sabem que Dilma seria a grande perdedora em caso de um fracasso do nosso time de futebol.
Temos, então, o contexto histórico em que um fator externo à política pode definir o resultado das eleições presidenciais: uma vitória do Brasil, num torneio sem grandes contratempos, daria ao Partido dos Trabalhadores o maior de todos os cabos eleitorais: um país em êxtase, após os muitos meses de greves, conflitos e pessimismo na imprensa.
A Igreja entra em campo
Se até mesmo o mais ferrenho oposicionista se vê obrigado a envergar as cores do selecionado nacional, que instituição poderia se contrapor à animação da torcida? Ganha um doce de padaria quem se lembrar da Santa Madre Igreja. Pois não é que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil resolve entrar também nos debates sobre a Copa?
Uma nota publicada pelo Estado de S. Paulo quinta-feira (5/6) descreve o panfleto no qual a entidade representativa da igreja católica expõe sua visão do jogo. O texto, em português, inglês e espanhol, foi publicado no site da instituição (ver aqui) e está sendo distribuído em paróquias da capital paulista, sob o título “Copa do Mundo, Dignidade, Paz”. Diz basicamente que o principal legado da Copa no Brasil não seria medido...
“... pelos valores que injetará na economia local ou pelos lucros que proporcionará aos seus patrocinadores. Seu êxito estará na garantia de segurança para todos sem o uso da violência, no respeito ao direito às pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual, sobretudo de pessoas vulneráveis e combatam eficazmente o racismo e a violência”.
Nada mais absolutamente correto, do ponto de vista moral e político. Apenas é conveniente observar que o mundo do esporte não se conduz pela racionalidade, mas pela paixão.
Ao dar “cartão vermelho” para alguns aspectos da Copa do Mundo, a CNBB acaba reforçando exatamente as justificativas controversas que têm movido os Black Bloc. Por exemplo, ao se referir a uma “apropriação do esporte por entidades privadas e grandes corporações, a quem os governos vem delegando responsabilidades públicas”, o documento esquece que eventos como a Copa e as Olimpíadas só existem porque são organizados por entidades privadas como a Fifa e patrocinados por empresas.
Quando se refere a uma suposta “inversão de prioridades para com o dinheiro público que deveria servir, prioritariamente, para a saúde, educação, saneamento básico, transporte e segurança”, a entidade religiosa repete argumentos dos ativistas da violência, baseados numa visão equivocada do sistema orçamentário.
Como diria São Bernardo de Claraval, “o inferno está repleto de boas vontades ou desejos”.
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