Por J. Carlos de Assis, no Jornal GGN:
Então teremos uma Presidenta da República que vai governar com os melhores! Desde que Péricles criou a democracia na Grécia clássica jamais aconteceu algo semelhante no mundo: um presidente que, em lugar de governar com os piores, ou com os mais ou menos, governará rigorosamente com os melhores. Tinha esperança de não morrer sem ver isso. A nova política de Marina Silva é a garantia de que os justos e os “melhores” por fim herdarão a Terra de Santa Cruz.
O PSB, agora de Marina, é um partido pequeno, e a Rede Solidariedade é um projeto de partido, não um partido. Sua representação parlamentar será modesta. Portanto, para aprovar projetos na Câmara e no Senado, Marina terá de confiar exclusivamente no seu charme. Pelo que ela diz, não será difícil. Ela governará com os melhores de todos os partidos, tirando alguns melhores daqui, outros dali. Será a primeira maioria na história republicana formada não por partidos políticos, mas pelos melhores políticos apartados dos velhos vícios partidários.
Claro, haverá pressões de grupos de interesse, lobbies, categorias profissionais, classes, estamentos para forçar o Governo a atender múltiplas demandas específicas nesse país de 200 milhões de habitantes e 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Marina não tem qualquer dúvida de que será possível satisfazer a todo mundo. Ela tratará de envolver em seu projeto de Governo os melhores da sociedade civil: os melhores sindicalistas, os melhores líderes rurais, os melhores trabalhadores sem terra, os melhores banqueiros, os melhores construtores, talvez os melhores especuladores, os melhores sonegadores de impostos, e assim por diante.
Minha dúvida é como Marina escolherá os melhores. Talvez use um melhorômetro. Achar os melhores no meio do estamento dominante brasileiro – ela não diz assim, diz elites – exige olhos de lince. Imaginem-na no Planalto com uma longa fila diante de si, com o dedo em riste, a escolher um melhor para um lado, outro para outro, ou ainda um outro sendo rejeitado. Ou talvez melhores sejam todos aqueles que estão mais próximos de sua campanha com alguma forma de contribuição positiva, seja em dinheiro, seja em capacidade de formulação neoliberal.
Desde que o velho Marx, mais de um século atrás, descobriu a luta de classes como motor da história, não se vive num grande país tamanha negação da dialética marxista. Não se trata mais, ao nível teórico, dos processos de tese, antítese e síntese; no pragmatismo de Marina, é tese, antítese e os melhores. Estamos, pois, na perspectiva do verdadeiro fim da História. Depois de Marina, a Nação, que já esteve sob ditaduras e posteriormente numa democracia dos piores, estará definitivamente pacificada, sob estrito controle dos melhores.
A candidata, em sua fé religiosa, trata a dialética política como receita de cozinha: junta ingredientes diferentes, bate no liquidificador ideológico e tira disso um delicioso pudim. É o que vem à cabeça quando afirma que governará com os melhores do PSDB e os melhores do PT. No debate da Bandeirantes, ela citou nominalmente Serra, do PSDB, como possível ingrediente desse pudim. Não sei se combinou previamente com Serra e muito menos se tem alguma sinalização do PT. Sua pretensão, contudo, é infinita.
Dizer que vai escolher dentre os partidos os melhores para fazer seu governo é um acinte à organização partidária. Ela é péssima, eu concordo, mas é preciso mudar a lei para formar alianças por cima dos partidos. A infidelidade partidária, nos termos da lei atual, é castigada com a perda do mandato. Se quiser governar, Marina terá que encontrar seus “melhores” na direção dos partidos e estabelecer acordos com eles na base de trocas. É o que Collor fez. É o que Lula e Dilma fizeram. Propalar que vai escapar disso é uma empulhação da opinião pública, uma retórica de platitudes que só engana aos tolos e os desavisados. Ou, na melhor das hipóteses, Marina não sabe o que diz.
Lembro-me de Regina Duarte dizendo na televisão, na véspera da eleição que consagrou Lula em 2002, que tinha medo. Era um excesso de intimidação política. Agora, vendo o debate de quinta-feira, temi pelo Brasil. O PT, bem ou mal, tinha quadros que se prepararam para o poder desde o início dos anos 80. Não é essa improvisação principista que circula em torno de Marina, parte dela formada por ambientalistas radicais, sendo a maioria constituída por oportunistas que se aproximam da perspectiva de poder para usá-lo em benefício próprio. Que os deuses nos salvem!
O PSB, agora de Marina, é um partido pequeno, e a Rede Solidariedade é um projeto de partido, não um partido. Sua representação parlamentar será modesta. Portanto, para aprovar projetos na Câmara e no Senado, Marina terá de confiar exclusivamente no seu charme. Pelo que ela diz, não será difícil. Ela governará com os melhores de todos os partidos, tirando alguns melhores daqui, outros dali. Será a primeira maioria na história republicana formada não por partidos políticos, mas pelos melhores políticos apartados dos velhos vícios partidários.
Claro, haverá pressões de grupos de interesse, lobbies, categorias profissionais, classes, estamentos para forçar o Governo a atender múltiplas demandas específicas nesse país de 200 milhões de habitantes e 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Marina não tem qualquer dúvida de que será possível satisfazer a todo mundo. Ela tratará de envolver em seu projeto de Governo os melhores da sociedade civil: os melhores sindicalistas, os melhores líderes rurais, os melhores trabalhadores sem terra, os melhores banqueiros, os melhores construtores, talvez os melhores especuladores, os melhores sonegadores de impostos, e assim por diante.
Minha dúvida é como Marina escolherá os melhores. Talvez use um melhorômetro. Achar os melhores no meio do estamento dominante brasileiro – ela não diz assim, diz elites – exige olhos de lince. Imaginem-na no Planalto com uma longa fila diante de si, com o dedo em riste, a escolher um melhor para um lado, outro para outro, ou ainda um outro sendo rejeitado. Ou talvez melhores sejam todos aqueles que estão mais próximos de sua campanha com alguma forma de contribuição positiva, seja em dinheiro, seja em capacidade de formulação neoliberal.
Desde que o velho Marx, mais de um século atrás, descobriu a luta de classes como motor da história, não se vive num grande país tamanha negação da dialética marxista. Não se trata mais, ao nível teórico, dos processos de tese, antítese e síntese; no pragmatismo de Marina, é tese, antítese e os melhores. Estamos, pois, na perspectiva do verdadeiro fim da História. Depois de Marina, a Nação, que já esteve sob ditaduras e posteriormente numa democracia dos piores, estará definitivamente pacificada, sob estrito controle dos melhores.
A candidata, em sua fé religiosa, trata a dialética política como receita de cozinha: junta ingredientes diferentes, bate no liquidificador ideológico e tira disso um delicioso pudim. É o que vem à cabeça quando afirma que governará com os melhores do PSDB e os melhores do PT. No debate da Bandeirantes, ela citou nominalmente Serra, do PSDB, como possível ingrediente desse pudim. Não sei se combinou previamente com Serra e muito menos se tem alguma sinalização do PT. Sua pretensão, contudo, é infinita.
Dizer que vai escolher dentre os partidos os melhores para fazer seu governo é um acinte à organização partidária. Ela é péssima, eu concordo, mas é preciso mudar a lei para formar alianças por cima dos partidos. A infidelidade partidária, nos termos da lei atual, é castigada com a perda do mandato. Se quiser governar, Marina terá que encontrar seus “melhores” na direção dos partidos e estabelecer acordos com eles na base de trocas. É o que Collor fez. É o que Lula e Dilma fizeram. Propalar que vai escapar disso é uma empulhação da opinião pública, uma retórica de platitudes que só engana aos tolos e os desavisados. Ou, na melhor das hipóteses, Marina não sabe o que diz.
Lembro-me de Regina Duarte dizendo na televisão, na véspera da eleição que consagrou Lula em 2002, que tinha medo. Era um excesso de intimidação política. Agora, vendo o debate de quinta-feira, temi pelo Brasil. O PT, bem ou mal, tinha quadros que se prepararam para o poder desde o início dos anos 80. Não é essa improvisação principista que circula em torno de Marina, parte dela formada por ambientalistas radicais, sendo a maioria constituída por oportunistas que se aproximam da perspectiva de poder para usá-lo em benefício próprio. Que os deuses nos salvem!
1 comentários:
Marina e a governabilidade
A coligação da campanha presidencial de Marina Silva inclui PSB, PPS, PRP, PHS e PSL. Os partidos totalizam atualmente 32 deputados federais e quatro senadores. Na falta de pesquisas disponíveis, suponhamos que dobrem suas representações, atingindo 64 deputados e oito senadores em outubro. Caso seja eleita, Marina precisaria atrair cerca de 200 votos na Câmara e 40 no Senado, fora do seu arco original de alianças, para chegar à maioria legislativa simples.
A polarização da disputa, as diferenças programáticas e os ressentimentos de todas as partes impedirão que os acordos contemplem as legendas da atual base governista. Assim, apenas a centro-direita parlamentar garantiria a governabilidade para Marina: aproximadamente 70% do apoio total que ela construir na Câmara e 80% no Senado pertenceriam a PSDB, DEM, PSD, SD, PMN, PEN, PTB, PTC e a quadros do PMDB fisiológico.
O realinhamento das forças antipetistas em torno de Marina será crucial para sua vitória no segundo turno. Isso exigirá compromissos na formação do futuro ministério, como ocorre em qualquer disputa eleitoral. Somando as articulações posteriores no Congresso, é provável que também os principais escalões executivos de um eventual governo da pessebista sejam ocupados pela atual oposição a Dilma Rousseff.
De acordo com as perspectivas citadas, portanto, a gestão Marina teria uma identidade política semelhante à do último governo FHC. Mesmo que a Rede atraia meia dúzia de figuras eleitas pelo PT e outras legendas da base governista atual, ela servirá de arrimo para uma boa maioria de oportunistas ávidos pelos benefícios do poder. Algo que o PSB faz nos estados há tempos.
Essa afinidade conservadora expõe os limites de um projeto que se fantasia de inovador e alternativo. E explica por que os interesses historicamente alinhados ao tucanato migraram com tamanha facilidade para a tal “terceira via”.
http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com.br/
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