Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:
Em 2006 eu era repórter da TV Globo de São Paulo. Foi a primeira cobertura de eleição presidencial de minha carreira. Minha tarefa nas semanas finais da campanha foi a de acompanhar o candidato tucano Geraldo Alckmin. De volta à redação paulista da emissora, ouvia reclamações de colegas sobre a cobertura desigual. As reclamações partiam de uma dúzia de colegas, alguns dos quais continuam na Globo.
Explico: a Globo havia destinado todos os recursos e os melhores repórteres e produtores investigativos para levantar tudo que se relacionasse ao mensalão petista ao longo de 2005.
Numa ocasião, num plantão de fim de semana, fui deslocado para São Bernardo do Campo para fazer a repercussão de uma denúncia de Veja:
Não consegui encontrar Vavá, o irmão de Lula, na casa dele.
Quando voltei à redação, disse ao chefe do plantão que achava estranho repercutir acriticamente uma reportagem de outra empresa sem que nós, da Globo, fizéssemos uma checagem independente do conteúdo. E se as denúncias se provassem falsas?
A resposta: era pedido do Rio e deveríamos simplesmente reproduzir trechos do texto da revista no Jornal Nacional.
Percebi pessoalmente, então, como funcionava o esquema: a Veja apresentava as denúncias, o Jornal Nacional repercutia e os jornalões entravam no caso no fim-de-semana. Era uma forma de colocar a bola para rolar. Depois, se ficasse demonstrado que as denúncias não tinham cabimento, o estrago estava feito. Quando muito, saia uma notinha aqui ou ali. Nunca, obviamente, no Jornal Nacional ou com o mesmo alcance.
Em 2006, portanto, o desconforto de colegas tinha antecedentes. O primeiro deles a se manifestar na redação foi Marco Aurélio Mello, editor de economia do JN. São Paulo sempre foi a principal praça para a cobertura econômica, por motivos óbvios. Naquele período, os índices econômicos batiam recordes, especialmente na construção civil. O consumo bombava. Era comum fazer reportagens a respeito. Segundo Aurélio, repentinamente ele recebeu orientação para “tirar o pé” desse tipo de reportagem, que poderia beneficiar a reeleição de Lula.
Quando o repórter Carlos Dornelles, em uma palestra no Sul, disse que não apenas o mensalão, mas também os barões da mídia deveriam ser investigados, foi imediatamente colocado na geladeira, de onde saiu para o Globo Rural.
Num comentário para o Jornal da Globo, Arnaldo Jabor comparou o presidente e candidato Lula ao então ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il.
De repente, o comentarista de política Alexandre Garcia passou a fazer aparições no programa de Ana Maria Braga.
Na cobertura do dia dos candidatos, com 90 segundos para cada, em geral eram três contra um. As denúncias do noticiário eram repercutidas com Alckmin, Heloisa Helena e Cristovam Buarque: 270 segundos. Lula tinha 90 segundos para se defender.
A situação chegou a tal ponto que os colegas decidiram protestar formalmente, numa reunião com o diretor regional da Globo.
Para colocar panos quentes ficou decidido que, sim, a Globo também investigaria os tucanos. A base era a capa de uma revista IstoÉ que trazia detalhes que poderiam ser comprometedores para o então candidato a governador de São Paulo, o ex-ministro da Saúde José Serra. Era sobre o envolvimento dele com a Máfia das Ambulâncias superfaturadas, que até então era atribuída completamente ao PT.
Porém, no caso da IstoÉ, a Globo não fez a repercussão acrítica que fazia da Veja.
Como eu não estava presente na reunião, acabei escalado para tratar do assunto, de forma independente. Porém, não nos foram dados recursos para investigar. A produtora Cecília Negrão, hoje no Sindicato dos Bancários, teve de se virar por telefone. Nem uma viagem até Piracicaba foi autorizada. Era a cidade de Barjas Negri, ex-prefeito, homem que havia substituído Serra no Ministério da Saúde quando ele se licenciou para sair candidato ao Planalto em 2002.
Ainda assim, conseguimos algumas informações importantes: de fato, a máfia das ambulâncias que havia atuado no Ministério da Saúde de Lula era herança do que a Globo chamava, quando era de seu interesse, de “governo anterior”. Governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Confirmamos também que das 891 ambulâncias superfaturadas negociadas pela máfia, 70% tinham sido entregues antes de Lula assumir! Esse era o dado crucial. A reportagem nunca foi ao ar, mas por sorte eu escrevi o texto em um bloquinho de anotações e pude rememorar o caso aqui.
Naquela temporada eleitoral também aconteceu o caso dos aloprados, os petistas que supostamente tentaram comprar um dossiê contra o candidato Serra. As fotos do dinheiro apreendido com eles, coincidentemente, vazaram para a mídia na antevéspera do primeiro turno. Contei este caso mais recentemente aqui. Nunca vou me esquecer de um colega, diante do prédio da Polícia Federal em São Paulo, ligando para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para alertá-lo que a Globo estava disposta a levar a eleição para o segundo turno a qualquer custo.
De tudo o que vivi naquele 2006, no entanto, o mais marcante foi a descoberta in loco, não como observador externo, mas como testemunha ocular, da “venda casada” entre a revista Veja e o Jornal Nacional. Ela se repetiu em 2010 e já aconteceu em 2014. Hoje, dia do debate entre Dilma Rousseff e Aécio Neves na emissora, teremos ocasião de ver se a parceria está em pleno vigor. Vamos ver quantos minutos o JN dedicará à capa da Veja horas antes do debate final que antecede o segundo turno. Façam suas apostas.
Em 2006 eu era repórter da TV Globo de São Paulo. Foi a primeira cobertura de eleição presidencial de minha carreira. Minha tarefa nas semanas finais da campanha foi a de acompanhar o candidato tucano Geraldo Alckmin. De volta à redação paulista da emissora, ouvia reclamações de colegas sobre a cobertura desigual. As reclamações partiam de uma dúzia de colegas, alguns dos quais continuam na Globo.
Explico: a Globo havia destinado todos os recursos e os melhores repórteres e produtores investigativos para levantar tudo que se relacionasse ao mensalão petista ao longo de 2005.
Numa ocasião, num plantão de fim de semana, fui deslocado para São Bernardo do Campo para fazer a repercussão de uma denúncia de Veja:
Não consegui encontrar Vavá, o irmão de Lula, na casa dele.
Quando voltei à redação, disse ao chefe do plantão que achava estranho repercutir acriticamente uma reportagem de outra empresa sem que nós, da Globo, fizéssemos uma checagem independente do conteúdo. E se as denúncias se provassem falsas?
A resposta: era pedido do Rio e deveríamos simplesmente reproduzir trechos do texto da revista no Jornal Nacional.
Percebi pessoalmente, então, como funcionava o esquema: a Veja apresentava as denúncias, o Jornal Nacional repercutia e os jornalões entravam no caso no fim-de-semana. Era uma forma de colocar a bola para rolar. Depois, se ficasse demonstrado que as denúncias não tinham cabimento, o estrago estava feito. Quando muito, saia uma notinha aqui ou ali. Nunca, obviamente, no Jornal Nacional ou com o mesmo alcance.
Em 2006, portanto, o desconforto de colegas tinha antecedentes. O primeiro deles a se manifestar na redação foi Marco Aurélio Mello, editor de economia do JN. São Paulo sempre foi a principal praça para a cobertura econômica, por motivos óbvios. Naquele período, os índices econômicos batiam recordes, especialmente na construção civil. O consumo bombava. Era comum fazer reportagens a respeito. Segundo Aurélio, repentinamente ele recebeu orientação para “tirar o pé” desse tipo de reportagem, que poderia beneficiar a reeleição de Lula.
Quando o repórter Carlos Dornelles, em uma palestra no Sul, disse que não apenas o mensalão, mas também os barões da mídia deveriam ser investigados, foi imediatamente colocado na geladeira, de onde saiu para o Globo Rural.
Num comentário para o Jornal da Globo, Arnaldo Jabor comparou o presidente e candidato Lula ao então ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il.
De repente, o comentarista de política Alexandre Garcia passou a fazer aparições no programa de Ana Maria Braga.
Na cobertura do dia dos candidatos, com 90 segundos para cada, em geral eram três contra um. As denúncias do noticiário eram repercutidas com Alckmin, Heloisa Helena e Cristovam Buarque: 270 segundos. Lula tinha 90 segundos para se defender.
A situação chegou a tal ponto que os colegas decidiram protestar formalmente, numa reunião com o diretor regional da Globo.
Para colocar panos quentes ficou decidido que, sim, a Globo também investigaria os tucanos. A base era a capa de uma revista IstoÉ que trazia detalhes que poderiam ser comprometedores para o então candidato a governador de São Paulo, o ex-ministro da Saúde José Serra. Era sobre o envolvimento dele com a Máfia das Ambulâncias superfaturadas, que até então era atribuída completamente ao PT.
Porém, no caso da IstoÉ, a Globo não fez a repercussão acrítica que fazia da Veja.
Como eu não estava presente na reunião, acabei escalado para tratar do assunto, de forma independente. Porém, não nos foram dados recursos para investigar. A produtora Cecília Negrão, hoje no Sindicato dos Bancários, teve de se virar por telefone. Nem uma viagem até Piracicaba foi autorizada. Era a cidade de Barjas Negri, ex-prefeito, homem que havia substituído Serra no Ministério da Saúde quando ele se licenciou para sair candidato ao Planalto em 2002.
Ainda assim, conseguimos algumas informações importantes: de fato, a máfia das ambulâncias que havia atuado no Ministério da Saúde de Lula era herança do que a Globo chamava, quando era de seu interesse, de “governo anterior”. Governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Confirmamos também que das 891 ambulâncias superfaturadas negociadas pela máfia, 70% tinham sido entregues antes de Lula assumir! Esse era o dado crucial. A reportagem nunca foi ao ar, mas por sorte eu escrevi o texto em um bloquinho de anotações e pude rememorar o caso aqui.
Naquela temporada eleitoral também aconteceu o caso dos aloprados, os petistas que supostamente tentaram comprar um dossiê contra o candidato Serra. As fotos do dinheiro apreendido com eles, coincidentemente, vazaram para a mídia na antevéspera do primeiro turno. Contei este caso mais recentemente aqui. Nunca vou me esquecer de um colega, diante do prédio da Polícia Federal em São Paulo, ligando para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para alertá-lo que a Globo estava disposta a levar a eleição para o segundo turno a qualquer custo.
De tudo o que vivi naquele 2006, no entanto, o mais marcante foi a descoberta in loco, não como observador externo, mas como testemunha ocular, da “venda casada” entre a revista Veja e o Jornal Nacional. Ela se repetiu em 2010 e já aconteceu em 2014. Hoje, dia do debate entre Dilma Rousseff e Aécio Neves na emissora, teremos ocasião de ver se a parceria está em pleno vigor. Vamos ver quantos minutos o JN dedicará à capa da Veja horas antes do debate final que antecede o segundo turno. Façam suas apostas.
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