Por Laís Fontenelle, no site Outras Palavras:
Crise Hídrica. Eleições. 50 anos do Golpe Militar. Copa do Mundo e Olimpíadas. Quem pensou nesses temas para a prova nacional do ensino médio errou. Publicidade Infantil em questão no Brasil – esse foi o bem escolhido tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que aconteceu dia 9 de novembro, levando mais de 8 milhões de jovens de nosso vasto país a refletir, ao mesmo tempo, sobre esse tema urgente e importante.
O fato veio coroar uma longa caminhada de pais, acadêmicos, ativistas, educadores e organizações como o Instituto Alana, Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC) e a mais recente Rebrinc (Rede Brasileira Infância e Consumo), que lutam pela defesa dos direitos das crianças frente aos apelos, abusivos, de consumo do mercado. Mas, vale lembrar que essa não foi a única data a se comemorar no mês de novembro, pois no dia 20 a Convenção dos Direitos das Crianças e Adolescentes da ONU completou 25 anos, marcando a conquista de uma doutrina de proteção integral às crianças, em 1989.
E já que estamos falando de datas, quero relembrar o 12 de Outubro de 2007, data convencionalmente tida como das crianças, quando tive meu primeiro artigo sobre publicidade infantil, intitulado “Que infância estamos construindo?”, publicado no Caderno Opinião da Folha de S.Paulo começando a pautar o tema, ainda não tão polêmico e conhecido, na agenda do país. No texto relembrei jingles publicitários como“Não esqueça minha Caloi”, “Compre batom”, “Danoninho vale mais do que um bifinho”para levar a sociedade civil a refletir sobre os impactos da publicidade na formação subjetiva das crianças, seres em peculiar estágio de desenvolvimento emocional e cognitivo e, portanto, mais vulneráveis que nós adultos aos apelos mercadológicos.
Desde a publicação desse artigo, muitas discussões acaloradas aconteceram em torno do tema. Foram inúmeras audiências e polêmicas públicas envolvendo a regulamentação da publicidade dirigida às crianças e sobre o consumismo na infância em diferentes espaços como universidades, mídias, escolas e até governo. As opiniões sempre estiveram divididas e polarizadas entre o mercado, que considera ser dever somente da família fixar os limites para assegurar o bem-estar dos pequenos – e aqueles que entendem ser prioridade absoluta, compartilhada pela família, sociedade e Estado (conforme previsto no artigo 227 da Constituição) a responsabilidade pela integridade das crianças.
Temos hoje, sem dúvida, muito a comemorar. A começar pela promulgação, em abril, da resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Diretos das Crianças e Adolescentes), esclarecendo o que já estava previsto no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor: “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço é abusiva e, portanto, ilegal”. Foi uma conquista histórica para os direitos da criança no Brasil, já que a publicidade infantil não tinha então limites claros e específicos.
Ver o tema da publicidade infantil estampado na prova do Enem e depois nas mídias e redes sociais em larga escala demonstrou mais um grande avanço, principalmente porque convidou os jovens – futuros pais e profissionais, até então ausentes no debate – a debruçar-se de forma autoral sobre o tema. E se a questão surpreendeu e não estava na ‘ponta da língua’ daqueles que se submeteram ao exame, ela por certo alcançou mais professores do ensino médio, sensibilizou as famílias dos candidatos e teve sua discussão ampliada na sociedade. Ponto para equipe do MEC responsável pela escolha do tema.
Apesar desses avanços, assistimos a um aumento exponencial dos meios e das mensagens que levam o apelo do consumo às crianças. Hoje não basta desligar a TV para resguardá-las da publicidade. A comunicação mercadológica saiu da telinha e ganhou as ruas, os muros, o meio da programação infantil e até as escolas, para atingir diretamente as crianças. Parques e áreas públicas de grandes centros urbanos vêm sendo ocupados por eventos cujo único objetivo é vender. Ou seja, empresas estão invadindo espaços públicos, disfarçadas de patrocinadoras e “promotoras de eventos” – muitos dos quais criados exclusivamente para expor uma marca e atrair atenção de crianças. E não estamos falando de um evento cultural gratuito, que precisa de patrocínio para acontecer. Trata-se de algo criado, no suposto formato de “entretenimento”, para atrair a atenção do público infantil.
Esse mesmo tipo de invasão mercadológica tem acontecido também em escolas, com impactos ainda mais graves na formação das crianças – por cauda do respaldo institucional. Isso, além de estar em desacordo com a nota técnica que o MEC soltou depois da resolução do Conanda e também com a opinião de 56% da população, que desaprova publicidade em escolas (pesquisa Datafolha de 2011). Escola deveria ser um lugar de formação de valores e exercício de cidadania, assim como segundo espaço de socialização das crianças, depois da família – e não local de venda. É preciso ainda mencionar a avalanche de merchandisings na programação infantil da TV e também em teatros – extremamente prejudicial, já que a maioria das crianças de até 8 anos confunde a programação com publicidade, segundo pesquisa de 2003 da Interscience.
Sabemos que a publicidade é a alma do negócio na sociedade de consumo, já que estimula as compras, aquece a produção, gera empregos e renda e é considerada relevante no processo de desenvolvimento econômico do país. Entretanto, nenhum tipo de desenvolvimento, seja ele econômico, tecnológico ou científico, deveria ser mais importante que o desenvolvimento psicológico, emocional e cognitivo de uma criança. Os impactos sociais, ambientais e econômicos da publicidade dirigida às crianças – como a formação de hábitos consumistas, o aumento da obesidade infantil, o estresse familiar, o incremento da violência urbana, a erotização precoce, entre outros – merecem nossa atenção.
As crianças serão, obviamente, em função do tempo em que vivemos, consumidoras no futuro. Logo, além de terem o direito de ser protegidas legalmente da comunicação mercadológica que lhes é dirigida, precisam ser preparadas para que sejam consumidoras conscientes e responsáveis. Isso é feito com Educação, ferramenta no processo maior de transformação social. E, para tanto, o tema da publicidade infantil e do consumismo deve entrar de fato na agenda da Educação e não somente como um tema esporádico e surpreendente na redação do Enem.
A ação conjunta nas frentes da Educação e da Regulação precisa ganhar força. Todos os agentes sociais, e aí se incluem família, Estado, educadores e mercado, têm a responsabilidade compartilhada de transformar a realidade e ditar novos paradigmas para nossas crianças. Crianças não precisam de publicidade para aprender a consumir de forma consciente. Crianças precisam brincar, precisam de olhar, palavra, escuta e proteção. Crianças precisam ser protegidas em sua infância – fase essencial na formação de hábitos saudáveis.
Nesse mês de aniversário de 25 anos de promulgação da Convenção Internacional de Direitos de Crianças e Adolescentes da ONU, convido-os não somente à reflexão “autoral”, como os jovens no Enem, mas à ação. Para entrar mais a fundo no debate e envolver-se nessas questões venha fazer parte da Rebrinc (Rede Brasileira sobre Infância e Consumo) , uma rede aberta, horizontal e colaborativa que tem como missão: “Sensibilizar, Mobilizar e Articular Pessoas e Organizações para a Promoção e a Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes frente ao Consumismo e às relações com o Consumo”. Não deixemos que o tema saia da pauta!
Crise Hídrica. Eleições. 50 anos do Golpe Militar. Copa do Mundo e Olimpíadas. Quem pensou nesses temas para a prova nacional do ensino médio errou. Publicidade Infantil em questão no Brasil – esse foi o bem escolhido tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que aconteceu dia 9 de novembro, levando mais de 8 milhões de jovens de nosso vasto país a refletir, ao mesmo tempo, sobre esse tema urgente e importante.
O fato veio coroar uma longa caminhada de pais, acadêmicos, ativistas, educadores e organizações como o Instituto Alana, Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC) e a mais recente Rebrinc (Rede Brasileira Infância e Consumo), que lutam pela defesa dos direitos das crianças frente aos apelos, abusivos, de consumo do mercado. Mas, vale lembrar que essa não foi a única data a se comemorar no mês de novembro, pois no dia 20 a Convenção dos Direitos das Crianças e Adolescentes da ONU completou 25 anos, marcando a conquista de uma doutrina de proteção integral às crianças, em 1989.
E já que estamos falando de datas, quero relembrar o 12 de Outubro de 2007, data convencionalmente tida como das crianças, quando tive meu primeiro artigo sobre publicidade infantil, intitulado “Que infância estamos construindo?”, publicado no Caderno Opinião da Folha de S.Paulo começando a pautar o tema, ainda não tão polêmico e conhecido, na agenda do país. No texto relembrei jingles publicitários como“Não esqueça minha Caloi”, “Compre batom”, “Danoninho vale mais do que um bifinho”para levar a sociedade civil a refletir sobre os impactos da publicidade na formação subjetiva das crianças, seres em peculiar estágio de desenvolvimento emocional e cognitivo e, portanto, mais vulneráveis que nós adultos aos apelos mercadológicos.
Desde a publicação desse artigo, muitas discussões acaloradas aconteceram em torno do tema. Foram inúmeras audiências e polêmicas públicas envolvendo a regulamentação da publicidade dirigida às crianças e sobre o consumismo na infância em diferentes espaços como universidades, mídias, escolas e até governo. As opiniões sempre estiveram divididas e polarizadas entre o mercado, que considera ser dever somente da família fixar os limites para assegurar o bem-estar dos pequenos – e aqueles que entendem ser prioridade absoluta, compartilhada pela família, sociedade e Estado (conforme previsto no artigo 227 da Constituição) a responsabilidade pela integridade das crianças.
Temos hoje, sem dúvida, muito a comemorar. A começar pela promulgação, em abril, da resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Diretos das Crianças e Adolescentes), esclarecendo o que já estava previsto no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor: “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço é abusiva e, portanto, ilegal”. Foi uma conquista histórica para os direitos da criança no Brasil, já que a publicidade infantil não tinha então limites claros e específicos.
Ver o tema da publicidade infantil estampado na prova do Enem e depois nas mídias e redes sociais em larga escala demonstrou mais um grande avanço, principalmente porque convidou os jovens – futuros pais e profissionais, até então ausentes no debate – a debruçar-se de forma autoral sobre o tema. E se a questão surpreendeu e não estava na ‘ponta da língua’ daqueles que se submeteram ao exame, ela por certo alcançou mais professores do ensino médio, sensibilizou as famílias dos candidatos e teve sua discussão ampliada na sociedade. Ponto para equipe do MEC responsável pela escolha do tema.
Apesar desses avanços, assistimos a um aumento exponencial dos meios e das mensagens que levam o apelo do consumo às crianças. Hoje não basta desligar a TV para resguardá-las da publicidade. A comunicação mercadológica saiu da telinha e ganhou as ruas, os muros, o meio da programação infantil e até as escolas, para atingir diretamente as crianças. Parques e áreas públicas de grandes centros urbanos vêm sendo ocupados por eventos cujo único objetivo é vender. Ou seja, empresas estão invadindo espaços públicos, disfarçadas de patrocinadoras e “promotoras de eventos” – muitos dos quais criados exclusivamente para expor uma marca e atrair atenção de crianças. E não estamos falando de um evento cultural gratuito, que precisa de patrocínio para acontecer. Trata-se de algo criado, no suposto formato de “entretenimento”, para atrair a atenção do público infantil.
Esse mesmo tipo de invasão mercadológica tem acontecido também em escolas, com impactos ainda mais graves na formação das crianças – por cauda do respaldo institucional. Isso, além de estar em desacordo com a nota técnica que o MEC soltou depois da resolução do Conanda e também com a opinião de 56% da população, que desaprova publicidade em escolas (pesquisa Datafolha de 2011). Escola deveria ser um lugar de formação de valores e exercício de cidadania, assim como segundo espaço de socialização das crianças, depois da família – e não local de venda. É preciso ainda mencionar a avalanche de merchandisings na programação infantil da TV e também em teatros – extremamente prejudicial, já que a maioria das crianças de até 8 anos confunde a programação com publicidade, segundo pesquisa de 2003 da Interscience.
Sabemos que a publicidade é a alma do negócio na sociedade de consumo, já que estimula as compras, aquece a produção, gera empregos e renda e é considerada relevante no processo de desenvolvimento econômico do país. Entretanto, nenhum tipo de desenvolvimento, seja ele econômico, tecnológico ou científico, deveria ser mais importante que o desenvolvimento psicológico, emocional e cognitivo de uma criança. Os impactos sociais, ambientais e econômicos da publicidade dirigida às crianças – como a formação de hábitos consumistas, o aumento da obesidade infantil, o estresse familiar, o incremento da violência urbana, a erotização precoce, entre outros – merecem nossa atenção.
As crianças serão, obviamente, em função do tempo em que vivemos, consumidoras no futuro. Logo, além de terem o direito de ser protegidas legalmente da comunicação mercadológica que lhes é dirigida, precisam ser preparadas para que sejam consumidoras conscientes e responsáveis. Isso é feito com Educação, ferramenta no processo maior de transformação social. E, para tanto, o tema da publicidade infantil e do consumismo deve entrar de fato na agenda da Educação e não somente como um tema esporádico e surpreendente na redação do Enem.
A ação conjunta nas frentes da Educação e da Regulação precisa ganhar força. Todos os agentes sociais, e aí se incluem família, Estado, educadores e mercado, têm a responsabilidade compartilhada de transformar a realidade e ditar novos paradigmas para nossas crianças. Crianças não precisam de publicidade para aprender a consumir de forma consciente. Crianças precisam brincar, precisam de olhar, palavra, escuta e proteção. Crianças precisam ser protegidas em sua infância – fase essencial na formação de hábitos saudáveis.
Nesse mês de aniversário de 25 anos de promulgação da Convenção Internacional de Direitos de Crianças e Adolescentes da ONU, convido-os não somente à reflexão “autoral”, como os jovens no Enem, mas à ação. Para entrar mais a fundo no debate e envolver-se nessas questões venha fazer parte da Rebrinc (Rede Brasileira sobre Infância e Consumo) , uma rede aberta, horizontal e colaborativa que tem como missão: “Sensibilizar, Mobilizar e Articular Pessoas e Organizações para a Promoção e a Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes frente ao Consumismo e às relações com o Consumo”. Não deixemos que o tema saia da pauta!
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