Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A primeira tentativa foi promovida pelo próprio PSDB, logo depois da derrota nas urnas — e seu resultado foi anunciado no sábado passado. O partido de Aécio Neves fez três alegações para tentar impugnar a contabilidade de Dilma: 1) que teve gastos acima do limite fixado; 2) que fez gastos não registrados na prestação de contas; 3) que fez gastos irregulares com transporte oficial. O procurador da Justiça Eleitoral, Eugenio Aragão, rejeitou as três alegações, num parecer de 14 páginas. Num dos trechos do parecer, Aragão escreve que o PSDB fazia alegações de caráter puramente formal, “que não levariam a aplicação de multa ou a desaprovação das contas, tampouco a configuração de abuso.”
Agora, perante o plenário do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Gilmar Mendes deve ler seu voto sobre as contas da campanha de Dilma e do PT. Embora um dito popular afirme que ninguém sabe o que pode sair de bumbum de nenê, de barriga de mulher grávida e de cabeça de juiz, a maioria dos observadores acredita que Gilmar não irá surpreender ninguém e deve apresentar um voto pela rejeição das contas de Dilma. A dúvida, pelo que o 247 apurou, junto a profissionais de Direito envolvidos no caso, é saber a reação dos demais ministros.
Na pura matemática política do tribunal, pode-se prever uma divisão assim: 3 votos a favor de Gilmar, 3 votos contrários — cabendo ao ministro Luiz Fux a posição de desempate. Mas Gilmar também pode ficar isolado, arrebanhando votos em número menor.
Foi o que aconteceu em votações importantes da campanha de 2014. Gilmar votou a favor do direito de Paulo Maluf e Roberto Arruda participarem da campanha de 2014. Foi derrotado nos dois casos. Ele também apoiou um pedido de Marina Silva para censurar um anuncio do PT que denunciava a autonomia do Banco Central e garantir direito de resposta no horário adversário. Perdeu no ponto mais importante, o direito de resposta. No ano passado, Gilmar deu um voto favorável a legalização da Rede, partido de Marina Silva que pretendia ser uma nova legenda adversária do PT, embora apresentasse um desfalque de 400 000 assinaturas no total de nomes necessários para disputar as eleições.
Os votos abertamente ideológicos do ministro costumam contribuir para seu isolamento no TSE. Ao votar a favor de Marina no debate sobre o Banco Central, Gilmar foi além da discussão de direitos e liberdades na propaganda eleitoral para deixar claro que era favorável a autonomia - formalizada em lei - da instituição. Deu até exemplos de países onde julgava que a medida dera bons resultados. Quando o PSDB decidiu denunciar Dilma Rousseff pelo seu pronunciamento no 1 de maio, Gilmar deu um voto contra a presidente. Chegou a comparar a propaganda do PT às campanhas do Partido Nazista. Falando do conflito entre “nós” e “eles”, disse que esse discurso “foi materializado e patenteado de forma trágica por ninguém menos, ninguém mais do que Goebbels.” Prosseguindo no raciocínio, o ministro referiu-se a João Santana sem mencionar seu nome: ” Então não é um marqueteiro da Bahia que inventou isso não, isto remonta a essa trágica história do nazismo.”
Gilmar conquistou o direito de ser o relator no julgamento das contas de Dilma num processo acidentado - e manteve a função num percurso que também chama a atenção. A contabilidade da campanha da presidente encontrava-se sob cuidados de um ministro, Henrique Neves, cujo mandato expirou no início de novembro. Embora não houvesse nenhum motivo para pressa, o presidente do TSE, Dias Toffoli, decidiu indicar um substituto em 24 horas, decisão que abriu caminho para a indicação de Gilmar. Mas a nomeação contrariava uma jurisprudência do TSE, segundo a qual Henrique Neves só deveria ser substituído por um ministro que, como ele, tivesse origem no Judiciário. Essa conflito gerou um agravo regimental impetrado pelo procurador geral eleitoral, Eugenio Aragão, e, mais tarde, pela assessoria jurídica do Partido dos Trabalhadores. Embora a situação criada pela indicação de Gilmar nestas circunstâncias tivesse gerado um discreto mal-estar entre outros magistrados, o agravo não chegou a ser examinado pelo plenário, como seria de se esperar. Fora de Brasília por motivo de viagem, o presidente do Tribunal, Dias Toffoli, foi subsituído em várias sessões pelo próprio Gilmar Mendes, que não demonstrou o mais remoto interesse em debater o questionamento a suas atribuições com os demais ministros.
Do ponto de vista jurídico, a rejeição das contas de um candidato não impede que seja empossado. Isso acontece no final de todas as campanhas, com deputados, senadores, prefeitos e mesmo governadores de Estado. O TSE pode levar meses e até anos para tomar uma decisão definitiva sobre seu mandato. Mas se uma eventual rejeição de contas de uma presidente da República pode ter o mesmo caminho jurídico, seu valor político é outro. Tem impacto sobre o conjunto da população, sobre as alianças políticas do governo, pode afetar os rumos da economia e mesmo acordos internacionais.
Derrotada pelas urnas, a oposição torce por uma vitória no tapetão porque ela ajudará a seguir em seu plano de inviabilizar o segundo mandato de Dilma de qualquer maneira. Depois de passar a última década procurando traços de bolivarianismo no governo Lula-Dilma, o PSDB decidiu fazer uma oposição no estilo vale-tudo de Caracas. Depois de receber marqueteiros de Henrique Caprilles - um opositor de Hugo Chavez capaz de manter-se nos limites da democracia - no início da campanha, Aécio Neves e diversas lideranças do PSDB abraçaram as técnicas de Leopoldo Lopez, o garoto mimado dos bairros chiques da capital da venezuelana, onde estimula mobilizações fascistas em tentativas permanentes de assalto ao poder.
O que se espera, no TSE, é um debate técnico e sereno, apoiado em fatos e evidências. E só. Não valem insinuações, ilações, fantasias nem pré-julgamentos por parte de magistrados que honram os valores da Justiça e compreendem a necessidade de impedir que o Judiciário seja arrastado numa aventura delirante, capaz de comprometer o destino do país e o elemento mais valioso dos regimes democráticos - a soberania popular.
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