Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Vivemos num país onde não faltam pastores de boas almas. Você sabe quem são essas pessoas.
Adoram explicar que o brasileiro não gosta de colocar a mão no bolso para a filantropia. Reclamam da falta de solidariedade na vida cotidiana. Falam de egoísmo como uma doença incurável. Detestam o Bolsa Família porque preferem esmolas. Falam mal do Mais Médicos e adoram Médicos sem Fronteiras. Criticam universidades públicas porque são a favor de ensino superior privado - como nos Estados Unidos - reservando bolsas apenas para alunos pobres que têm um desempenho próximo da genialidade.
Pois o acidente de Luciano Huck, Angélica, seus três filhos e duas babás criou uma oportunidade rara para se debater essa situação - e as responsabilidades de cada um na solução dos problemas que afligem a maioria dos brasileiros.
Há pelo menos 20 anos que a saúde pública é o principal problema do país, dizem os brasileiros nas pesquisas de opinião. Às vezes está em primeiro lugar. Outra, em segundo. Raramente, em terceiro.
Mas Luciano Huck e Angélica não tem do que reclamar neste aspecto. Saíram do Hospital mantido pelo SUS no Mato Grosso do Sul distribuindo elogios rasgados ao atendimento. Mesmo brasileiros que reservam uma parcela importante do salário para pagar um plano de saúde privado não costumam ficar tão satisfeitos quando são atendidos.
Olha só: num país onde a TV só mostra reportagens com pacientes desmaiados no chão, crianças chorando e idosos em total abandono, as estrelas da TV não tinham do que reclamar. Só falaram bem. E fizeram isso motivado pelo maior dos valores, a honestidade de quem fala por experiência própria.
Nós sabemos que o atendimento do SUS costuma surpreender - positivamente - quem precisa de seus serviços. A maioria dos usuários tem mais elogios do que críticas ao atendimento. Isso mostra que o SUS deve ser ampliado e fortalecido. Mas essa situação não deve nos iludir nem pode ajudar a encobrir carências e dificuldades de toda ordem.
Eu, você, os dois e os 200 milhões de brasileiros sabemos que esse atendimento não é para qualquer um. É triste mas é verdade. Vivemos numa sociedade de desiguais, onde o atendimento médico, mesmo num hospital público, varia conforme o prestígio e o poder de cada paciente. Não é preciso lembrar a lista de celebridades - dos negócios, da política, etc - que frequenta nossos grandes hospitais privados.
E se algum dia você viu um amigo, parente ou simples conhecido recebendo um bom atendimento na rede pública, em especial para os chamados casos de 'maior complexidade' – aqueles que matam, certo? - terá o direito de perguntar se ele teve ajuda de um bom pistolão para conseguir tal proeza.
Só podemos, portanto, ficar felizes que pelo menos uma família conseguiu um primeiro atendimento adequado - e nós sabemos como o primeiro atendimento costuma ser decisivo após uma tragédia. Em geral, define o que vem depois.
Mas nós sabemos, também, porque isso acontece. Fama, prestígio, receio de uma denúncia. Você sabe com quem está falando?, poderia perguntar o antropólogo Roberto da Matta.
Falta muita coisa na vida real de nossos hospitais: boa gestão, médicos cumpridores de seus plantões, instituições bem equipados. Mas falta, basicamente, dinheiro. Faça uma lista dos problemas e você logo verá que tudo começa e termina na falta de recursos.
Esse quadro se agravou a partir de 2007, quando a oposição derrubou a CPMF no Senado. Faltaram quatro votos. A vontade de retirar uma bolada estimada em R$ 30 bilhões anuais da saúde era tamanha que os presentes sequer atenderam a um apelo do veterano Pedro Simon, senador da oposição, para que a decisão fosse adiada, permitindo novos debates, mais reflexão. Em vão. Nem quiseram saber que a CPMF era um imposto progressivo, aquele que cobra mais de quem tem mais.
Oito anos depois, Angélica e Luciano Huck elogiam o SUS. Eles podem fazer isso. É verdade que muitos brasileiros já puderam usar os serviços do SUS e foram bem servidos. Conheço casos assim e sei que são importantes.
Mas, para muitos brasileiros o SUS sempre será o que sempre foi. Motivo de decepção, raiva e poucas surpresas agradáveis.
Não precisamos reformar as almas.
Poderiam assumir uma campanha pelo retorno da CPMF, que está na base de tudo. Seria uma grande homenagem para a equipe médica, para os enfermeiros, para o pessoal da limpeza. Acima de tudo, seria um gesto de solidariedade para ajudar milhões de brasileiros a ter um atendimento digno. Não quero ser mal educado nem ressentido. Longe de mim fazer o papel de desmancha-prazeres tão bem apontado por Mário de Andrade. Mas acho que Luciano e Angélica entendem de dinheiro. Sabem seu valor, sua importância, seu caráter decisivo. Sabem que nenhum país pode atender as doenças de 200 milhões de habitantes com um dos mais baixos gastos em saúde publica da América do Sul, com tantos subsídios diretos e indiretos ao sistema privado.
Os brasileiros humildes também querem falar bem do SUS. Querem ter orgulho de sua saúde pública. Sabem que isso é parte da cidadania.
A outra opção é esperar que tudo volte a ser como antes daquele desastre do avião. Pode acontecer com qualquer um, inclusive com quem não é qualquer um.
Alguma dúvida?
Vivemos num país onde não faltam pastores de boas almas. Você sabe quem são essas pessoas.
Adoram explicar que o brasileiro não gosta de colocar a mão no bolso para a filantropia. Reclamam da falta de solidariedade na vida cotidiana. Falam de egoísmo como uma doença incurável. Detestam o Bolsa Família porque preferem esmolas. Falam mal do Mais Médicos e adoram Médicos sem Fronteiras. Criticam universidades públicas porque são a favor de ensino superior privado - como nos Estados Unidos - reservando bolsas apenas para alunos pobres que têm um desempenho próximo da genialidade.
Pois o acidente de Luciano Huck, Angélica, seus três filhos e duas babás criou uma oportunidade rara para se debater essa situação - e as responsabilidades de cada um na solução dos problemas que afligem a maioria dos brasileiros.
Há pelo menos 20 anos que a saúde pública é o principal problema do país, dizem os brasileiros nas pesquisas de opinião. Às vezes está em primeiro lugar. Outra, em segundo. Raramente, em terceiro.
Mas Luciano Huck e Angélica não tem do que reclamar neste aspecto. Saíram do Hospital mantido pelo SUS no Mato Grosso do Sul distribuindo elogios rasgados ao atendimento. Mesmo brasileiros que reservam uma parcela importante do salário para pagar um plano de saúde privado não costumam ficar tão satisfeitos quando são atendidos.
Olha só: num país onde a TV só mostra reportagens com pacientes desmaiados no chão, crianças chorando e idosos em total abandono, as estrelas da TV não tinham do que reclamar. Só falaram bem. E fizeram isso motivado pelo maior dos valores, a honestidade de quem fala por experiência própria.
Nós sabemos que o atendimento do SUS costuma surpreender - positivamente - quem precisa de seus serviços. A maioria dos usuários tem mais elogios do que críticas ao atendimento. Isso mostra que o SUS deve ser ampliado e fortalecido. Mas essa situação não deve nos iludir nem pode ajudar a encobrir carências e dificuldades de toda ordem.
Eu, você, os dois e os 200 milhões de brasileiros sabemos que esse atendimento não é para qualquer um. É triste mas é verdade. Vivemos numa sociedade de desiguais, onde o atendimento médico, mesmo num hospital público, varia conforme o prestígio e o poder de cada paciente. Não é preciso lembrar a lista de celebridades - dos negócios, da política, etc - que frequenta nossos grandes hospitais privados.
E se algum dia você viu um amigo, parente ou simples conhecido recebendo um bom atendimento na rede pública, em especial para os chamados casos de 'maior complexidade' – aqueles que matam, certo? - terá o direito de perguntar se ele teve ajuda de um bom pistolão para conseguir tal proeza.
Só podemos, portanto, ficar felizes que pelo menos uma família conseguiu um primeiro atendimento adequado - e nós sabemos como o primeiro atendimento costuma ser decisivo após uma tragédia. Em geral, define o que vem depois.
Mas nós sabemos, também, porque isso acontece. Fama, prestígio, receio de uma denúncia. Você sabe com quem está falando?, poderia perguntar o antropólogo Roberto da Matta.
Falta muita coisa na vida real de nossos hospitais: boa gestão, médicos cumpridores de seus plantões, instituições bem equipados. Mas falta, basicamente, dinheiro. Faça uma lista dos problemas e você logo verá que tudo começa e termina na falta de recursos.
Esse quadro se agravou a partir de 2007, quando a oposição derrubou a CPMF no Senado. Faltaram quatro votos. A vontade de retirar uma bolada estimada em R$ 30 bilhões anuais da saúde era tamanha que os presentes sequer atenderam a um apelo do veterano Pedro Simon, senador da oposição, para que a decisão fosse adiada, permitindo novos debates, mais reflexão. Em vão. Nem quiseram saber que a CPMF era um imposto progressivo, aquele que cobra mais de quem tem mais.
Oito anos depois, Angélica e Luciano Huck elogiam o SUS. Eles podem fazer isso. É verdade que muitos brasileiros já puderam usar os serviços do SUS e foram bem servidos. Conheço casos assim e sei que são importantes.
Mas, para muitos brasileiros o SUS sempre será o que sempre foi. Motivo de decepção, raiva e poucas surpresas agradáveis.
Não precisamos reformar as almas.
Mas podemos pensar em responsabilidades. Depois de receber um atendimento tão especial, nossos apresentadores poderiam fazer o possível para que mais brasileiros pudessem ser atendidos nas mesmas enfermarias, pelos mesmos profissionais, com a mesma atenção, que eles receberam no Mato Grosso do Sul.
Poderiam assumir uma campanha pelo retorno da CPMF, que está na base de tudo. Seria uma grande homenagem para a equipe médica, para os enfermeiros, para o pessoal da limpeza. Acima de tudo, seria um gesto de solidariedade para ajudar milhões de brasileiros a ter um atendimento digno. Não quero ser mal educado nem ressentido. Longe de mim fazer o papel de desmancha-prazeres tão bem apontado por Mário de Andrade. Mas acho que Luciano e Angélica entendem de dinheiro. Sabem seu valor, sua importância, seu caráter decisivo. Sabem que nenhum país pode atender as doenças de 200 milhões de habitantes com um dos mais baixos gastos em saúde publica da América do Sul, com tantos subsídios diretos e indiretos ao sistema privado.
Os brasileiros humildes também querem falar bem do SUS. Querem ter orgulho de sua saúde pública. Sabem que isso é parte da cidadania.
A outra opção é esperar que tudo volte a ser como antes daquele desastre do avião. Pode acontecer com qualquer um, inclusive com quem não é qualquer um.
Alguma dúvida?
3 comentários:
... aqui em Joao Pessoa o SUS e um susto atras do outro...
Caro PML,
seria fantástico se os médicos fossem cubanos, não?
Com um abraço.
Luciano&Angelicapoderiam fazer campanhapelaVoltaICMSepeloNãoPerdãoaosPlanosde$aude
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