Da forma que está sendo negociada - e pelos atores que a estão negociando -, a chamada Agenda Brasil, o conjunto de propostas apresentadas ao governo federal pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o objetivo declarado de contribuir com a retomada do desenvolvimento do país, pode significar um tratado de rendição definitiva ao neoliberalismo.
“Trata-se de uma agenda extremamente neoliberal, imposta ao governo como uma nota promissória que ele deve assinar para ter o apoio do parlamento”, denuncia Grazielle David, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “É preciso deixar claro que se trata de uma pauta de interesse do mercado”, alerta o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz.
Uma das autoras do artigo A (des) Agenda Brasil desmonta o Estado e retira direitos dos brasileiros, Grazielle afirma que o documento contém pontos polêmicos que, na sua maioria, apresentam benefícios ao setor privado, em detrimento das questões defendidas por organizações e movimentos sociais.
“Em linhas gerais a agenda propõe expressivo encolhimento do Estado, com privatizações, PPPs e concessões, além de diminuição da já frágil autonomia das agências reguladoras; redução das proteções ao meio ambiente com alteração dos marcos jurídicos; perda de direitos trabalhistas, previdenciários e sociais, em especial à saúde, via esvaziamento do orçamento da seguridade social”, alerta.
De acordo com a analista política, a maioria das propostas são matérias de interesse da direita que já tramitam no Congresso e, em outra conjuntura econômica e política, não teriam o apoio deste governo. “Cerca de dois terços das propostas são matérias que já tramitam no Congresso. Portanto, não é uma pauta nova”, alerta.
Para o diretor do Diap, a Agenda Brasil não contém nenhuma pauta de interesse dos trabalhadores. E apesar de classificá-la como importante para dar um fôlego ao já muito desgastado governo da presidenta Dilma Rousseff, denuncia no artigo Agenda Brasil: ameaças e oportunidades os pontos que considera mais prejudiciais ao seguimento.
Entre eles, a prioridade conferida à regulamentação da terceirização que, em nome de proteger os terceirizados, generaliza a prática para todas as empresas, e a instituição de idade mínima para a aposentadoria, na contramão do que indicam todos os estudos previdenciários. O analista político também critica a quebra da universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e a proibição de liminares para fornecimento de medicamentos não disponíveis no sistema.
Grazielle acrescenta críticas às propostas que a agenda define como pensadas para melhorar o ambiente de negócios e a infraestrutura, como a blindagem dos contratos de parceria público-privada e a ampliação das concessões dos setores estratégicos. “Essas medidas apresentam elevado risco de entrega do patrimônio público”, avalia.
Ela também alerta sobre o risco das propostas de relativização da legislação de proteção ambiental e indígena, já frontalmente atacadas por interesses do grande capital internacional. Exemplos são revisão do marco regulatório da mineração; revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas; avanço da exploração econômica em áreas protegidas; flexibilização do licenciamento ambiental para agilizar e rebaixar condicionantes em grandes obras.
Grazielle acrescenta que o direito à educação também é atacado, a partir da proposta que vincula os gastos com o setor a interesses econômicos e não ao direito e necessidades da população. A tendência, segundo ela, é a redução de recursos para o ensino superior público, o que significa maior enriquecimento das instituições privadas. “Medidas como essa reforçam as desigualdades e retiram oportunidades dos mais pobres”, afirma em seu artigo.
Conquista dos movimentos
Em reunião com senadores dos mais diversos partidos e ministros da equipe econômica do governo, na quarta (13), Calheiros já incorporou mais duas dezenas de sugestões, principalmente dos seus pares, à agenda apresentada um dia antes. A boa notícia da reunião, conforme Grazielle, foi o anúncio de que o documento não insistiria na proposta de cobrança dos usuários do SUS por faixa de renda, como constava no original, devido à grande reação negativa que a proposta suscitou.
De acordo com a analista política do Inesc, a rápida reação dos movimentos sociais que lutam em defesa da saúde foi decisiva para a retirada da pauta. “Os movimentos sociais estão cada vez mais articulados e, logo após a divulgação da agenda, várias entidades e ex-ministros já se posicionaram contra a quebra da universalidade do SUS, o que teve grande repercussão, inclusive na mídia”, afirma.
A pesquisadora ressaltou também a atuação expressiva dos movimentos ambientalistas que, tal como os da saúde, atacaram imediatamente o pacote de medidas que visam à flexibilização das legislações ambiental, mineral e indígena. “Os movimentos de defesa do meio ambiente, dos indígenas e dos quilombolas também se articularam muito rapidamente contra o projeto, mas ainda não conseguiram reverter a postura dos senadores de colocar essas pautas em votação”, explica.
Potencial positivo
Segundo Graziella, são apenas três as pautas da agenda que têm potencial para se transformaram em marcos legais positivos, caso sejam bem elaboradas no parlamento. A primeira delas é a proposta de regulamentação do Imposto Sobre Herança, um tributo que atingiria, no máximo, a renda dos 5% mais ricos da população para ajudar a financiar as políticas sociais do estado.
Outra medida que ela elenca como positiva é a proposta de repatriação de ativos financeiros do exterior. “É uma forma que trazer para o país parte do dinheiro que brasileiros, por motivos diversos, depositam em paraísos fiscais”, esclarece. A preocupação é que, dependendo da forma que a matéria seja trabalhada, a evasão fiscal, principalmente de dinheiro proveniente do crime, fique sem punição.
Por fim, a pesquisadora cita a proposta de regulamentação do reajuste dos servidores públicos dos três poderes, que hoje dependem apenas do poder de pressão de cada categoria. O diretor do Diap, porém, alerta que essa pauta pode ser uma armadilha, já que a última proposta do gênero aprovada pelo Senado, o o PLP 549/2009, que foi arquivada na Câmara, pretendia congelar os gastos com pessoal.
Segundo o projeto, a União só poderia destinar para a despesa de pessoal, incluindo a contratação de novos serviços, até dois 2% além da inflação anual e desde que o PIB não fosse menor que os 2%. “O risco é que se proponha algo semelhante, que na prática impeça até a reposição da inflação, já que a verba destinada ao reajuste incluiria todas as despesas com pessoal, tais como encargos, reposição de servidores aposentados e contratos de novos servidores, crescimento vegetativo da folha (progressões e promoções), despesa com previdência complementar, e isso poderia congelar as despesas com pessoal”, esclarece.
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