Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN:
Embora ainda existam golpistas de plantão, o impeachment de Dilma, a rigor, já foi derrotado. A proposta, que não conseguiu se viabilizar institucionalmente, já perdeu as ruas, como mostram as últimas manifestações, que minguaram drasticamente. Apenas grupos que pedem intervenção militar conseguem mobilizar algumas centenas de pessoas.
Uma proposta tão drástica como a de um impeachment só se viabiliza mediante a presença de algumas condições necessárias: um fundamento jurídico sólido que a legitime; a combinação da ação institucional com a ação de rua; forças politicas organizadas comandando as ações de rua; a completa erosão das forças de sustentação do governante.
De modo geral, nenhuma dessas condições estava plenamente assentada para levar a cabo o impeachment da presidente Dilma. Nunca surgiu um fato jurídico sólido que pudesse fundamentar a sua legitimidade. A operação Lava Jato não apontou nenhum envolvimento direto da presidente em ato delituoso. As pedalas fiscais, embora ocorridas, mas no mandato anterior, mesmo que levem o Congresso a não aprovar as contas, não legitimam o impeachment juridicamente. Quanto à ação do PSDB no TSE, embora a questão ainda não tenha sido resolvida, fica evidente que se tratou de uma tentativa de golpe judicial. Não que não haja problemas. Mas eles existem tanto nas contas de Dilma quanto nas de Aécio Neves.
O impeachment, de fato, ganhou as ruas com força impressionante e com apoio da opinião pública, como mostraram as pesquisas. Mas, seja porque faltava base jurídica à proposta, seja pelo jogo ambíguo de Eduardo Cunha, que era aliado da oposição, mas que precisa tentar salvar seu mandato parlamentar, a proposta não conseguiu alcançar consequência institucional. Desta forma, as ruas perderam a perspectiva de vitória e as manifestações foram caindo no vazio.
As manifestações se esvaíram também por conta de dois outros problemas: 1) a principal aposta das ruas e da oposição parlamentar para viabilizar o impeachment foi Eduardo Cunha. As graves acusações que recaíram sobre ele, com provas materiais, retiraram a sua legitimidade para encaminhar o processo na Câmara. Isto se tornou também um inconveniente para a oposição, pois se Cunha encaminhasse o processo, a sua conotação de golpe ficaria mais evidente; 2) As manifestações não tinham nem comando político nem comando organizacional sólido. Convocadas por alguns grupos sem reconhecimento social e sem solidez organizativa, elas foram, no fundamental, espontâneas. Manifestações espontâneas tendem ao esvaziamento. Chegam a um apogeu e definham.
O PSDB e os demais partidos de oposição não tinham legitimidade para comandar manifestações de rua. O fenômeno da deslegitimação que atinge o governo e o PT, atinge também a oposição e o Congresso Nacional. Se é verdade que o PT perdeu muito, as pesquisas mostram que o PSDB e os principais líderes da oposição não ganharam quase nada nessa crise toda. Ademais, na medida em que a crise política, em grande medida artificial, foi agravando a crise econômica, setores empresariais e financeiros começaram a pressionar o sistema político para pôr um fim à instabilidade política.
O governo e a presidente Dilma, de fato, viram o apoio popular erodir e chagar à marca dos 10% e enfrentaram enormes dificuldades no Congresso. Mas, mesmo assim, forças sociais e políticas consideráveis eram e são contra o impeachment, mesmo forças que não apoiam o governo. Desta forma, é plausível supor que se o impeachment fosse encaminhado haveria resistência nas ruas, circunstância que teria um desfecho imprevisível. Fica evidente que o impeachment, além de sua inconsistência, é uma aventura.
Depois de meses de perplexidade e defensiva, as forças progressistas, que não apoiam necessariamente o governo, mas são contra o impeachment, começam a mostrar capacidade de mobilização e reação. Essas forças são impulsionadas principalmente pelos movimentos sociais. Pelo MTST, que conseguiu organizar a Frente “Povo Sem Medo”, convocando várias manifestações; pelos movimentos feministas e LGBTs, que se mobilizaram nas ruas contra as pautas conservadoras do Congresso; pela retomada do movimento sindical; pelo movimento estudantil secundarista em São Paulo; pelos movimentos dos professores etc. Esses movimentos pressionaram o governo e o Congresso e estão conseguindo barrar o completo desmanche das conquistas sociais e de direitos. O impulso que essas mobilizações conseguem ter começa a viabilizar uma nova agenda das lutas sociais e populares.
Já passou da hora de o PSDB anunciar que desembarca do impeachment. De agora em diante, na medida em que a tentativa do impeachment vai se tornando cada vez mais uma coisa do passado, mais cresce a derrota política do PSDB. E mais ficará caracterizada na história que o PSDB tentou emplacar um golpe institucional ante o inconformismo de sua derrota. Ressalve-se, no entanto, que líderes tucanos como o governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, demarcaram seu posicionamento contrário ao impeachment. O enterro definitivo dessa proposta agora depende quase que exclusivamente do governo e da presidente Dilma. Precisam restabelecer a capacidade de governar com base em uma agenda para o país.
O PT continua errando
Enquanto o governo Dilma precisava desesperadamente de um mínimo de estabilidade, na medida em que estava na lona pelos seus próprios erros, por incapacidade de reagir e pelos fortes ataques da oposição e de setores da mídia, o PT e o ex-presidente Lula também apostaram na sua desestabilização. Entre outras, a principal aposta consistiu na tentativa de remover Joaquim Levy do Ministério da Fazenda.
Levy é o fiador de uma aposta no governo Dilma junto aos mercados. Não foi ele quem desorganizou as contas públicas, levando à necessidade de um ajuste fiscal. Ele está lá para reorganizar as contas públicas sem o que o crescimento não será retomado, a inflação continuará subindo e o emprego continuará caindo. A questão toda é quem paga a conta do ajuste. Não é Levy quem define isto, mas o governo e o Congresso. Levy precisa propor ajustes dentro da estreita margem que a realidade fiscal lhe permite. É legítimo que os movimentos sociais se mobilizem para não pagar o ajuste. A distribuição do custo do mesmo é definida pelo sistema político e não pelo ministro da Fazenda. Propor a substituição de Levy por Henrique Meirelles não passa de oportunismo político.
Na semana passada, ao dar respaldo a Eduardo Cunha na Comissão de Ética, contribuindo para impedir que o relatório que pedia abertura de processo fosse lido, o PT deu mais um salto para longe do PT do passado. Um salto a mais rumo à sua degradação e à indiferenciação em relação aos demais partidos tradicionais do país. O PT capitulou a Cunha justamente no momento em que este está mais enfraquecido e em que a tese do impeachment está moribunda. Capitulou a Cunha justamente no momento em que este enfrenta oposição crescente nas ruas e em que sua saída é exigida pelos movimentos sociais. Coragem e dignidade política são virtudes difíceis de serem percebidas nas condutas do PT.
* Aldo Fornazieri é Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Embora ainda existam golpistas de plantão, o impeachment de Dilma, a rigor, já foi derrotado. A proposta, que não conseguiu se viabilizar institucionalmente, já perdeu as ruas, como mostram as últimas manifestações, que minguaram drasticamente. Apenas grupos que pedem intervenção militar conseguem mobilizar algumas centenas de pessoas.
Uma proposta tão drástica como a de um impeachment só se viabiliza mediante a presença de algumas condições necessárias: um fundamento jurídico sólido que a legitime; a combinação da ação institucional com a ação de rua; forças politicas organizadas comandando as ações de rua; a completa erosão das forças de sustentação do governante.
De modo geral, nenhuma dessas condições estava plenamente assentada para levar a cabo o impeachment da presidente Dilma. Nunca surgiu um fato jurídico sólido que pudesse fundamentar a sua legitimidade. A operação Lava Jato não apontou nenhum envolvimento direto da presidente em ato delituoso. As pedalas fiscais, embora ocorridas, mas no mandato anterior, mesmo que levem o Congresso a não aprovar as contas, não legitimam o impeachment juridicamente. Quanto à ação do PSDB no TSE, embora a questão ainda não tenha sido resolvida, fica evidente que se tratou de uma tentativa de golpe judicial. Não que não haja problemas. Mas eles existem tanto nas contas de Dilma quanto nas de Aécio Neves.
O impeachment, de fato, ganhou as ruas com força impressionante e com apoio da opinião pública, como mostraram as pesquisas. Mas, seja porque faltava base jurídica à proposta, seja pelo jogo ambíguo de Eduardo Cunha, que era aliado da oposição, mas que precisa tentar salvar seu mandato parlamentar, a proposta não conseguiu alcançar consequência institucional. Desta forma, as ruas perderam a perspectiva de vitória e as manifestações foram caindo no vazio.
As manifestações se esvaíram também por conta de dois outros problemas: 1) a principal aposta das ruas e da oposição parlamentar para viabilizar o impeachment foi Eduardo Cunha. As graves acusações que recaíram sobre ele, com provas materiais, retiraram a sua legitimidade para encaminhar o processo na Câmara. Isto se tornou também um inconveniente para a oposição, pois se Cunha encaminhasse o processo, a sua conotação de golpe ficaria mais evidente; 2) As manifestações não tinham nem comando político nem comando organizacional sólido. Convocadas por alguns grupos sem reconhecimento social e sem solidez organizativa, elas foram, no fundamental, espontâneas. Manifestações espontâneas tendem ao esvaziamento. Chegam a um apogeu e definham.
O PSDB e os demais partidos de oposição não tinham legitimidade para comandar manifestações de rua. O fenômeno da deslegitimação que atinge o governo e o PT, atinge também a oposição e o Congresso Nacional. Se é verdade que o PT perdeu muito, as pesquisas mostram que o PSDB e os principais líderes da oposição não ganharam quase nada nessa crise toda. Ademais, na medida em que a crise política, em grande medida artificial, foi agravando a crise econômica, setores empresariais e financeiros começaram a pressionar o sistema político para pôr um fim à instabilidade política.
O governo e a presidente Dilma, de fato, viram o apoio popular erodir e chagar à marca dos 10% e enfrentaram enormes dificuldades no Congresso. Mas, mesmo assim, forças sociais e políticas consideráveis eram e são contra o impeachment, mesmo forças que não apoiam o governo. Desta forma, é plausível supor que se o impeachment fosse encaminhado haveria resistência nas ruas, circunstância que teria um desfecho imprevisível. Fica evidente que o impeachment, além de sua inconsistência, é uma aventura.
Depois de meses de perplexidade e defensiva, as forças progressistas, que não apoiam necessariamente o governo, mas são contra o impeachment, começam a mostrar capacidade de mobilização e reação. Essas forças são impulsionadas principalmente pelos movimentos sociais. Pelo MTST, que conseguiu organizar a Frente “Povo Sem Medo”, convocando várias manifestações; pelos movimentos feministas e LGBTs, que se mobilizaram nas ruas contra as pautas conservadoras do Congresso; pela retomada do movimento sindical; pelo movimento estudantil secundarista em São Paulo; pelos movimentos dos professores etc. Esses movimentos pressionaram o governo e o Congresso e estão conseguindo barrar o completo desmanche das conquistas sociais e de direitos. O impulso que essas mobilizações conseguem ter começa a viabilizar uma nova agenda das lutas sociais e populares.
Já passou da hora de o PSDB anunciar que desembarca do impeachment. De agora em diante, na medida em que a tentativa do impeachment vai se tornando cada vez mais uma coisa do passado, mais cresce a derrota política do PSDB. E mais ficará caracterizada na história que o PSDB tentou emplacar um golpe institucional ante o inconformismo de sua derrota. Ressalve-se, no entanto, que líderes tucanos como o governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, demarcaram seu posicionamento contrário ao impeachment. O enterro definitivo dessa proposta agora depende quase que exclusivamente do governo e da presidente Dilma. Precisam restabelecer a capacidade de governar com base em uma agenda para o país.
O PT continua errando
Enquanto o governo Dilma precisava desesperadamente de um mínimo de estabilidade, na medida em que estava na lona pelos seus próprios erros, por incapacidade de reagir e pelos fortes ataques da oposição e de setores da mídia, o PT e o ex-presidente Lula também apostaram na sua desestabilização. Entre outras, a principal aposta consistiu na tentativa de remover Joaquim Levy do Ministério da Fazenda.
Levy é o fiador de uma aposta no governo Dilma junto aos mercados. Não foi ele quem desorganizou as contas públicas, levando à necessidade de um ajuste fiscal. Ele está lá para reorganizar as contas públicas sem o que o crescimento não será retomado, a inflação continuará subindo e o emprego continuará caindo. A questão toda é quem paga a conta do ajuste. Não é Levy quem define isto, mas o governo e o Congresso. Levy precisa propor ajustes dentro da estreita margem que a realidade fiscal lhe permite. É legítimo que os movimentos sociais se mobilizem para não pagar o ajuste. A distribuição do custo do mesmo é definida pelo sistema político e não pelo ministro da Fazenda. Propor a substituição de Levy por Henrique Meirelles não passa de oportunismo político.
Na semana passada, ao dar respaldo a Eduardo Cunha na Comissão de Ética, contribuindo para impedir que o relatório que pedia abertura de processo fosse lido, o PT deu mais um salto para longe do PT do passado. Um salto a mais rumo à sua degradação e à indiferenciação em relação aos demais partidos tradicionais do país. O PT capitulou a Cunha justamente no momento em que este está mais enfraquecido e em que a tese do impeachment está moribunda. Capitulou a Cunha justamente no momento em que este enfrenta oposição crescente nas ruas e em que sua saída é exigida pelos movimentos sociais. Coragem e dignidade política são virtudes difíceis de serem percebidas nas condutas do PT.
* Aldo Fornazieri é Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
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