Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:
Em meio à vasta quantidade de bobagens suscitadas pela abertura do processo deimpeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, uma se destaca: o recurso à ideia de que “as ruas” estão na origem de tudo e vão determinar seu desfecho.
Volta e meia, a ideia aparece, ora em termos pretensamente elevados e filosóficos, ora em sentido comezinho. “As ruas” são usadas pelos próceres oposicionistas e seus intelectuais tanto para justificar o impeachment, e dar ao processo fundamento e legitimidade, quanto para auxiliá-los na definição de uma estratégia de tramitação da matéria no Congresso.
Trata-se de uma dupla impostura. Nem o processo de impeachment nasce nas ruas nem delas virá sua solução.
Uma boa maneira de percebê-lo é lembrar o que aconteceu em 1992, no impeachment de Fernando Collor. Como é recente e tem sido a toda hora invocado, vale a pena discutir os paralelismos e distâncias em relação aos fatos de hoje.
O primeiro elemento que salta à vista é quão diferentes eles são, a começar pelo papel “das ruas” nos dois episódios. O impeachment de Collor nasceu efetivamente nelas, quase por geração espontânea. Ao contrário, o processo contra Dilma é uma fabricação de gabinete, um produto de laboratório.
Collor havia se salvado politicamente na reforma ministerial do início de 1992. Trouxe para seu lado os líderes dos partidos da oposição atual e só não nomeou Fernando Henrique Cardoso seu chanceler por causa do veto de Mario Covas.
As demais legendas se acomodaram alegremente, pouco se importando com as denúncias existentes a respeito das movimentações nada ortodoxas de Paulo César Farias e associados.
Ninguém precisou induzir, convocar, mobilizar ou financiar os cidadãos que foram às ruas contra Collor. Depois da entrevista de seu irmão, Pedro, e, especialmente, das denúncias do motorista Eriberto França, que demonstraram que suas contas privadas eram pagas com dinheiro originado do tesoureiro de sua campanha, os manifestantes ocuparam as ruas de forma espontânea.
Nos protestos não estavam apenas os petistas, os esquerdistas, aqueles que votaram em Lula. À semelhança do ocorrido em 1983, nas mobilizações das Diretas Já, uma genuína e crescente amostra da sociedade brasileira deixou claro que desejava o impeachment de Collor.
O que se passou ao longo de 2015 é completamente diferente. Com seu reacionarismo antediluviano, sua beligerância e intransigência, seus heróis caricatos, os manifestantes de agora nada possuem da força simbólica dos caras-pintadas de 1992. Quem desfilou neste ano foi uma parte não representativa do Brasil, muito distante do que temos de melhor.
Um pedaço que definhou com o tempo, até chegar ao tamanho dos últimos eventos, com inexpressivo número de participantes, que só continuam a merecer a atenção da mídia por ser a brasileira o que é.
A principal razão da diferença entre 1992 e agora é a ausência do sentimento de indignação moral que marcou a opinião pública naquela época. A convicção de que o presidente da República era moralmente indigno de ocupar o cargo unificou a opinião pública, desarticulou seu apoio parlamentar e terminou por derrubá-lo.
O impeachment de Collor nasceu nas ruas e foi imposto à maioria do sistema político e aos principais grupos de mídia. Não foi preciso inventá-lo.
Portanto, 2015 não é 1992 e falar “nas ruas” hoje é mera figura retórica. As oposições partidárias, seus aliados no Judiciário, nas corporações de Estado e nos meios de comunicação passaram o ano à cata de alegações para derrubar o governo, por qualquer motivo.
Sem o combustível da indignação moral efetiva, que provoca a falta de movimentos espontâneos respeitáveis, invocar o sentimento das ruas é somente um pretexto.
Tudo o que acontece agora são manobras e movimentações de bastidor, a maioria impublicáveis e inconfessáveis. Votações secretas, conluios e acordos em surdina são a regra. O processo de impeachment contra Dilma Rousseff nada tem do autêntico espírito das ruas.
Outra falácia é afirmar que o sucesso ou o fracasso da tentativa de derrubar a presidenta depende do modo como “as ruas” se comportarão nas próximas semanas e meses. As oposições sabem que o máximo que conseguem promover são as conhecidas e cada vez menos impactantes passeatas de radicais de direita.
Quando buscam prolongar o processo, o que pretendem é apenas torná-lo mais demorado, para aumentar o desgaste do governo e aprofundar os impasses na economia. Como calculam que Dilma, ao cabo do processo, muito provavelmente terá o terço da Câmara necessários para se manter no poder, querem apenas manter sua aposta no quanto pior melhor.
Em meio à vasta quantidade de bobagens suscitadas pela abertura do processo deimpeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, uma se destaca: o recurso à ideia de que “as ruas” estão na origem de tudo e vão determinar seu desfecho.
Volta e meia, a ideia aparece, ora em termos pretensamente elevados e filosóficos, ora em sentido comezinho. “As ruas” são usadas pelos próceres oposicionistas e seus intelectuais tanto para justificar o impeachment, e dar ao processo fundamento e legitimidade, quanto para auxiliá-los na definição de uma estratégia de tramitação da matéria no Congresso.
Trata-se de uma dupla impostura. Nem o processo de impeachment nasce nas ruas nem delas virá sua solução.
Uma boa maneira de percebê-lo é lembrar o que aconteceu em 1992, no impeachment de Fernando Collor. Como é recente e tem sido a toda hora invocado, vale a pena discutir os paralelismos e distâncias em relação aos fatos de hoje.
O primeiro elemento que salta à vista é quão diferentes eles são, a começar pelo papel “das ruas” nos dois episódios. O impeachment de Collor nasceu efetivamente nelas, quase por geração espontânea. Ao contrário, o processo contra Dilma é uma fabricação de gabinete, um produto de laboratório.
Collor havia se salvado politicamente na reforma ministerial do início de 1992. Trouxe para seu lado os líderes dos partidos da oposição atual e só não nomeou Fernando Henrique Cardoso seu chanceler por causa do veto de Mario Covas.
As demais legendas se acomodaram alegremente, pouco se importando com as denúncias existentes a respeito das movimentações nada ortodoxas de Paulo César Farias e associados.
Ninguém precisou induzir, convocar, mobilizar ou financiar os cidadãos que foram às ruas contra Collor. Depois da entrevista de seu irmão, Pedro, e, especialmente, das denúncias do motorista Eriberto França, que demonstraram que suas contas privadas eram pagas com dinheiro originado do tesoureiro de sua campanha, os manifestantes ocuparam as ruas de forma espontânea.
Nos protestos não estavam apenas os petistas, os esquerdistas, aqueles que votaram em Lula. À semelhança do ocorrido em 1983, nas mobilizações das Diretas Já, uma genuína e crescente amostra da sociedade brasileira deixou claro que desejava o impeachment de Collor.
O que se passou ao longo de 2015 é completamente diferente. Com seu reacionarismo antediluviano, sua beligerância e intransigência, seus heróis caricatos, os manifestantes de agora nada possuem da força simbólica dos caras-pintadas de 1992. Quem desfilou neste ano foi uma parte não representativa do Brasil, muito distante do que temos de melhor.
Um pedaço que definhou com o tempo, até chegar ao tamanho dos últimos eventos, com inexpressivo número de participantes, que só continuam a merecer a atenção da mídia por ser a brasileira o que é.
A principal razão da diferença entre 1992 e agora é a ausência do sentimento de indignação moral que marcou a opinião pública naquela época. A convicção de que o presidente da República era moralmente indigno de ocupar o cargo unificou a opinião pública, desarticulou seu apoio parlamentar e terminou por derrubá-lo.
O impeachment de Collor nasceu nas ruas e foi imposto à maioria do sistema político e aos principais grupos de mídia. Não foi preciso inventá-lo.
Portanto, 2015 não é 1992 e falar “nas ruas” hoje é mera figura retórica. As oposições partidárias, seus aliados no Judiciário, nas corporações de Estado e nos meios de comunicação passaram o ano à cata de alegações para derrubar o governo, por qualquer motivo.
Sem o combustível da indignação moral efetiva, que provoca a falta de movimentos espontâneos respeitáveis, invocar o sentimento das ruas é somente um pretexto.
Tudo o que acontece agora são manobras e movimentações de bastidor, a maioria impublicáveis e inconfessáveis. Votações secretas, conluios e acordos em surdina são a regra. O processo de impeachment contra Dilma Rousseff nada tem do autêntico espírito das ruas.
Outra falácia é afirmar que o sucesso ou o fracasso da tentativa de derrubar a presidenta depende do modo como “as ruas” se comportarão nas próximas semanas e meses. As oposições sabem que o máximo que conseguem promover são as conhecidas e cada vez menos impactantes passeatas de radicais de direita.
Quando buscam prolongar o processo, o que pretendem é apenas torná-lo mais demorado, para aumentar o desgaste do governo e aprofundar os impasses na economia. Como calculam que Dilma, ao cabo do processo, muito provavelmente terá o terço da Câmara necessários para se manter no poder, querem apenas manter sua aposta no quanto pior melhor.
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