Por Antonio José Alves Junior, no site Brasil Debate:
Nessa terceira semana de janeiro, reúnem-se, em Davos, representantes da elite política, empresarial e financeira de todo o mundo para avaliar os rumos da economia mundial. Duas mesas deverão polarizar o encontro e atrair as atenções.
Uma será, inevitavelmente, a da conjuntura, atenta à incapacidade de superação dos desafios para a recuperação da crise de 2008. Os contornos atuais do debate serão a desaceleração chinesa, o excesso de oferta do petróleo e as consequências do forte mergulho dos seus preços, e a desbalanceada e instável retomada da economia mundial.
A outra, a das novas tecnologias, ou da quarta revolução industrial, tem sua razão de ser no temor da eliminação estrutural do emprego.
A despeito dos desdobramentos de cada uma das mesas guardarem muita importância em si para o presente e o futuro, seria fundamental que os debatedores em cada um dos grupos se encontrassem ao final para tirar uma posição conjunta. Um potencial resultado será a eclosão de uma grande contradição na definição das atuais políticas econômicas.
Entre os participantes da mesa de conjuntura, como sempre, surgirão propostas para a superação dos impasses colocados pela crise da economia mundial desde a explosão dos subprimes. É possível que emirjam, mais uma vez, sugestões para a reativação da economia por meio de políticas coordenadas de expansão da demanda agregada.
É muito provável, entretanto, como as reuniões do G-20, desde 2009, ensinam, que tais sugestões sejam devidamente amenizadas pelo FMI, Banco Mundial e membros da comunidade financeira internacional, com a imposição de condicionantes.
Frases inspiradas na noção vaga de responsabilidade fiscal, tais como “… a implementação de medidas expansionistas dependerá do espaço fiscal e das peculiaridades de cada país”, abaterão as esperanças de políticas para a retomada do crescimento, ainda mais para países como o nosso.
Mas é ainda mais certo que, nos comunicados oficiais, as boas intenções que restarem sejam ainda mais diluídas pela reafirmação tediosa da prioridade das “reformas que o mundo precisa”. Só para variar, o documento conterá as “reformas liberalizantes nos mercados de trabalho e da previdência”, recomendará “avanços no ambiente regulatório” para estimular a “privatização dos investimentos e operação da infraestrutura e dos serviços públicos”, além do necessário “fortalecimento do ambiente empresarial”.
O recado deverá ser o de sempre: somente por meio das reformas é que as finanças dos estados serão preservadas e que a produtividade voltará a crescer, trazendo confiança aos empresários que, por sua vez, dispararão um novo ciclo de investimentos.
É a aposta em uma ficção econômica sem amparo teórico ou empírico, como ensina o atual caso europeu, em que as oportunidades de investimento são escassas e a expectativa de geração de empregos é nula, levando a uma piora contínua no quadro social, agravado pela chegada em massa de imigrantes sem amparo.
Essa ficção macroeconômica repetitiva, em que o abuso dos chavões obriga ao uso excessivo de aspas, vai concorrer com a iminência das transformações que até há pouco estavam reservadas à ficção científica e que hoje estão no centro dos noticiários sobre Davos.
Trata-se da avassaladora emergência de tecnologias que provocarão mudanças radicais na sociedade em que vivemos, com perspectivas de massiva eliminação estrutural de empregos e consequências sociais sombrias.
Para muitos estudiosos, o mundo em breve testemunhará a substituição, inédita e irreversível, de trabalhadores em massa em todos os ramos de atividade. As fronteiras superadas pela inteligência artificial e pela robótica abrem espaço para que tanto as tarefas simples como as mais complexas sejam eliminadas pelos novos dispositivos tecnológicos e pelas novas formas de organização da produção.
Automóveis não tripulados; robôs que conseguem cuidar de pessoas idosas e ir à guerra; softwares que dão aulas e escrevem prosa de boa qualidade; tradutores eletrônicos, em tempo real, de texto e voz; casas inteligentes; linhas de produção completamente operadas por máquinas e a profusão de impressoras 3D; tudo integrado por meio de sistemas de comunicação entre coisas, sem interferência humana direta, vão criando, em silêncio, um mundo completamente diferente, em que sequer se sustenta a esperança de que a qualificação salve o emprego.
Evidentemente, à frente de todas essas preocupações, Davos retratará o enfileiramento dos interesses mais imediatos e particulares na redistribuição global do poder econômico e político em um ambiente macroeconômico precário marcado por uma revolução tecnológica.
Lá, aberta ou veladamente, especula-se sobre o processo de destruição criadora e sua distribuição de privilégios para alguns grupos econômicos globais na ponta-de-lança da criação e difusão das novas tecnologias em todas as áreas, em detrimento de outros gigantes. Imagine, por exemplo, o que os grandes bancos presentes em Davos estão planejando diante da invasão da Microsoft, da Apple, do Google e da Amazon.
Essas empresas estão investindo pesadamente em novas formas de criar dinheiro e promover a intermediação financeira internacionais, com potencial para transformar o sistema bancário ao ponto de torná-lo irreconhecível a partir da analogia com o que temos hoje.
Por essa razão, deve-se esperar que a concorrência entre grandes grupos econômicos dê origem não apenas a estratégias competitivas como, também, a uma batalha política pelas instituições do futuro, que definirão um ou outro padrão de desenvolvimento, preservando e destruindo diversas modalidades de organização da produção.
Nessa luta, veremos, muito provavelmente, os gigantes na nova era defendendo pressupostos subjacentes da mesa de conjuntura, em especial, a da ampla liberdade empresarial em escala global.
Mas essa aliança superficial entre a mesa de conjuntura e a da tecnologia não resistirá a qualquer teste de coerência. De um lado, serão apresentados todos os velhos argumentos para reafirmar que a criação de empregos dependerá de reformas, possivelmente mais duras nos países em desenvolvimento, como sugere o FMI em seu World Economic Outlook mais recente.
Trabalhadores deverão se relacionar com as empresas em um ambiente mais desregulado, terão de poupar mais para garantir sua aposentadoria.
Os programas sociais e os serviços públicos serão restritos às possibilidades fiscais e o estado deverá, cada vez, se voltar para a regulação, afastando-se das interferências na atividade econômica para dar espaço para a criatividade empresarial.
De outro lado, de um modo um tanto desconcertante, a turma da alta tecnologia, ainda que exaltando o espírito empreendedor, empilhará evidências de que não se deve apostar muito no mercado como caminho para o pleno-emprego, ou até mesmo que a organização social do futuro deve considerar a possibilidade de não mais ter o emprego como um dos seus alicerces.
Mas se for assim, o sonho da mesa de conjuntura econômica, que é o trabalhador livre, negociando diretamente sua força-de-trabalho em troca de remuneração “justa”, que lhe permita sobreviver e poupar para a aposentadoria, em um mundo com o Estado crescentemente esvaziado de funções, será mais um pesadelo ainda mais difícil para os trabalhadores e, também, para a economia global.
Olhando para a outra face da mesma “bitcoin”, em que o desemprego e o esvaziamento do estado são patrocinados pela mesa de conjuntura e pelas forças representadas na mesa da tecnologia, não se vê de onde virá a demanda para os produtos e serviços gerados pela quarta revolução industrial.
Desse choque entre as mesas da ficção macroeconômica e a da nem tanto ficção tecnológica, é possível que a multiplicação estrutural de hordas de miseráveis vagando entre países e cidades, brutalmente contidas por estados policiais paire como uma interrogação assombrada sobre o futuro da sociedade, algo bem semelhante ao que acontece na Europa.
A esperança é que uma alternativa civilizada se imponha sobre o cinismo, e se torne mais evidente que a sociedade deve renegar a mesa de conjuntura e começar a se acostumar com massivos esquemas de transferências sociais, com a criação de empregos públicos e com mais gastos do governo como a norma para a nova economia.
Uma será, inevitavelmente, a da conjuntura, atenta à incapacidade de superação dos desafios para a recuperação da crise de 2008. Os contornos atuais do debate serão a desaceleração chinesa, o excesso de oferta do petróleo e as consequências do forte mergulho dos seus preços, e a desbalanceada e instável retomada da economia mundial.
A outra, a das novas tecnologias, ou da quarta revolução industrial, tem sua razão de ser no temor da eliminação estrutural do emprego.
A despeito dos desdobramentos de cada uma das mesas guardarem muita importância em si para o presente e o futuro, seria fundamental que os debatedores em cada um dos grupos se encontrassem ao final para tirar uma posição conjunta. Um potencial resultado será a eclosão de uma grande contradição na definição das atuais políticas econômicas.
Entre os participantes da mesa de conjuntura, como sempre, surgirão propostas para a superação dos impasses colocados pela crise da economia mundial desde a explosão dos subprimes. É possível que emirjam, mais uma vez, sugestões para a reativação da economia por meio de políticas coordenadas de expansão da demanda agregada.
É muito provável, entretanto, como as reuniões do G-20, desde 2009, ensinam, que tais sugestões sejam devidamente amenizadas pelo FMI, Banco Mundial e membros da comunidade financeira internacional, com a imposição de condicionantes.
Frases inspiradas na noção vaga de responsabilidade fiscal, tais como “… a implementação de medidas expansionistas dependerá do espaço fiscal e das peculiaridades de cada país”, abaterão as esperanças de políticas para a retomada do crescimento, ainda mais para países como o nosso.
Mas é ainda mais certo que, nos comunicados oficiais, as boas intenções que restarem sejam ainda mais diluídas pela reafirmação tediosa da prioridade das “reformas que o mundo precisa”. Só para variar, o documento conterá as “reformas liberalizantes nos mercados de trabalho e da previdência”, recomendará “avanços no ambiente regulatório” para estimular a “privatização dos investimentos e operação da infraestrutura e dos serviços públicos”, além do necessário “fortalecimento do ambiente empresarial”.
O recado deverá ser o de sempre: somente por meio das reformas é que as finanças dos estados serão preservadas e que a produtividade voltará a crescer, trazendo confiança aos empresários que, por sua vez, dispararão um novo ciclo de investimentos.
É a aposta em uma ficção econômica sem amparo teórico ou empírico, como ensina o atual caso europeu, em que as oportunidades de investimento são escassas e a expectativa de geração de empregos é nula, levando a uma piora contínua no quadro social, agravado pela chegada em massa de imigrantes sem amparo.
Essa ficção macroeconômica repetitiva, em que o abuso dos chavões obriga ao uso excessivo de aspas, vai concorrer com a iminência das transformações que até há pouco estavam reservadas à ficção científica e que hoje estão no centro dos noticiários sobre Davos.
Trata-se da avassaladora emergência de tecnologias que provocarão mudanças radicais na sociedade em que vivemos, com perspectivas de massiva eliminação estrutural de empregos e consequências sociais sombrias.
Para muitos estudiosos, o mundo em breve testemunhará a substituição, inédita e irreversível, de trabalhadores em massa em todos os ramos de atividade. As fronteiras superadas pela inteligência artificial e pela robótica abrem espaço para que tanto as tarefas simples como as mais complexas sejam eliminadas pelos novos dispositivos tecnológicos e pelas novas formas de organização da produção.
Automóveis não tripulados; robôs que conseguem cuidar de pessoas idosas e ir à guerra; softwares que dão aulas e escrevem prosa de boa qualidade; tradutores eletrônicos, em tempo real, de texto e voz; casas inteligentes; linhas de produção completamente operadas por máquinas e a profusão de impressoras 3D; tudo integrado por meio de sistemas de comunicação entre coisas, sem interferência humana direta, vão criando, em silêncio, um mundo completamente diferente, em que sequer se sustenta a esperança de que a qualificação salve o emprego.
Evidentemente, à frente de todas essas preocupações, Davos retratará o enfileiramento dos interesses mais imediatos e particulares na redistribuição global do poder econômico e político em um ambiente macroeconômico precário marcado por uma revolução tecnológica.
Lá, aberta ou veladamente, especula-se sobre o processo de destruição criadora e sua distribuição de privilégios para alguns grupos econômicos globais na ponta-de-lança da criação e difusão das novas tecnologias em todas as áreas, em detrimento de outros gigantes. Imagine, por exemplo, o que os grandes bancos presentes em Davos estão planejando diante da invasão da Microsoft, da Apple, do Google e da Amazon.
Essas empresas estão investindo pesadamente em novas formas de criar dinheiro e promover a intermediação financeira internacionais, com potencial para transformar o sistema bancário ao ponto de torná-lo irreconhecível a partir da analogia com o que temos hoje.
Por essa razão, deve-se esperar que a concorrência entre grandes grupos econômicos dê origem não apenas a estratégias competitivas como, também, a uma batalha política pelas instituições do futuro, que definirão um ou outro padrão de desenvolvimento, preservando e destruindo diversas modalidades de organização da produção.
Nessa luta, veremos, muito provavelmente, os gigantes na nova era defendendo pressupostos subjacentes da mesa de conjuntura, em especial, a da ampla liberdade empresarial em escala global.
Mas essa aliança superficial entre a mesa de conjuntura e a da tecnologia não resistirá a qualquer teste de coerência. De um lado, serão apresentados todos os velhos argumentos para reafirmar que a criação de empregos dependerá de reformas, possivelmente mais duras nos países em desenvolvimento, como sugere o FMI em seu World Economic Outlook mais recente.
Trabalhadores deverão se relacionar com as empresas em um ambiente mais desregulado, terão de poupar mais para garantir sua aposentadoria.
Os programas sociais e os serviços públicos serão restritos às possibilidades fiscais e o estado deverá, cada vez, se voltar para a regulação, afastando-se das interferências na atividade econômica para dar espaço para a criatividade empresarial.
De outro lado, de um modo um tanto desconcertante, a turma da alta tecnologia, ainda que exaltando o espírito empreendedor, empilhará evidências de que não se deve apostar muito no mercado como caminho para o pleno-emprego, ou até mesmo que a organização social do futuro deve considerar a possibilidade de não mais ter o emprego como um dos seus alicerces.
Mas se for assim, o sonho da mesa de conjuntura econômica, que é o trabalhador livre, negociando diretamente sua força-de-trabalho em troca de remuneração “justa”, que lhe permita sobreviver e poupar para a aposentadoria, em um mundo com o Estado crescentemente esvaziado de funções, será mais um pesadelo ainda mais difícil para os trabalhadores e, também, para a economia global.
Olhando para a outra face da mesma “bitcoin”, em que o desemprego e o esvaziamento do estado são patrocinados pela mesa de conjuntura e pelas forças representadas na mesa da tecnologia, não se vê de onde virá a demanda para os produtos e serviços gerados pela quarta revolução industrial.
Desse choque entre as mesas da ficção macroeconômica e a da nem tanto ficção tecnológica, é possível que a multiplicação estrutural de hordas de miseráveis vagando entre países e cidades, brutalmente contidas por estados policiais paire como uma interrogação assombrada sobre o futuro da sociedade, algo bem semelhante ao que acontece na Europa.
A esperança é que uma alternativa civilizada se imponha sobre o cinismo, e se torne mais evidente que a sociedade deve renegar a mesa de conjuntura e começar a se acostumar com massivos esquemas de transferências sociais, com a criação de empregos públicos e com mais gastos do governo como a norma para a nova economia.
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