terça-feira, 29 de março de 2016

O xadrez do Supremo Tribunal Federal

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Fique atento a uma discussão entre juristas sobre o papel do STF (Supremo Tribunal Federal). Há uma corrente majoritária de juristas defendendo o papel do STF como Corte Constitucional – ao invés de mero tribunal de apelação.

Em muitos países essas funções são separadas. A Corte Constitucional acaba sendo formada por pessoas indicadas pelos três poderes, mas à parte do Poder Judiciário.

O Supremo sempre se enredou nesse dilema. As funções menores, de tribunal de apelação, sempre atrapalharam a função maior, de guardião da Constituição.

Seus momentos mais altos, no entanto, foram quando assumiu o papel de Corte Constitucional. Foi esse papel que permitiu que avançasse na consolidação dos princípios fundamentais da Constituição de 1988, relegados a segundo plano pela falta de influência dos grupos minoritários no parlamento. Foi quando o país se deu conta da relevância das leis, como instrumento de consolidação de direitos individuais, de direitos das minorias, e não como mera declaração de intenção.

Supremo e o próprio Ministério Público mostraram sua fase mais legítima, dando forma a princípios como cotas em universidades, casamento entre pessoas do mesmo sexo, o conceito de família estendida.

Preencheu lacunas deixadas pelo Congresso, em alguns momentos avançou sinal, mas deixou uma obra civilizatória.

Esse é o dilema que definirá o papel do STF em um eventual julgamento da constitucionalidade da provável votação do impeachment: se um mero tribunal de apelação ou se uma corte constitucional - ou seja, voltada para a interpretação da Constituição.

Esse será o desafio na hora de analisar a votação do impeachment.

Há um cuidado natural do Supremo de não invadir atribuições de outros poderes. É o que explica a demora em decidir sobre Eduardo Cunha.

O que diz a Constituição

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DA RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.


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Algumas conclusões da leitura desse capítulo:

1. A Câmara tem 513 deputados federais. Há uma confusão sobre o número de deputados para impedir o impeachment: 171. Na verdade, cabe à oposição juntar os dois terços, ou 342 deputados. Deputados ausentes ou votos nulos contam contra o impeachment.

2. A oposição pretende enquadrar a presidente nos itens V e VI do artigo 85 sobre os crimes de responsabilidade: a probidade na administração e a lei orçamentária.

3. Até agora não há nada que sustente as acusações de improbidade, ao contrário de mais de uma centena de possíveis votos pró-impeachment implicados em processos e inquéritos. E seria forçar bastante a interpretação conferir às tais pedaladas o condão de tirar do cargo um presidente da República.

4. Não basta o congressista interpretar, a seu talante, se houve ou não o crime de responsabilidade na questão orçamentária. Se coubesse exclusivamente ao Congresso definir o que é crime ou não, em qualquer crise política bastaria uma maioria de dois terços para tirar qualquer presidente eleito.

5. Embora a Constituição não seja explícita em relação às análises da decisão do Senado, ela é explícita quando exige o cometimento de crime. É nesse caso que não haverá como o STF abrir mão de seu papel de Corte Constitucional, última barreira contra o arbítrio, o mediador de última instância, o garantidor do sistema de freios e contrapesos, analisando se pedaladas são crimes ou não.

Não será tarefa fácil. Há Ministros muito suscetíveis aos holofotes, aos aplausos da massa; outros comprometidos até a medula com a oposição; e outros intimidados pelo clamor da turba.

De qualquer modo, esses momentos são fundamentais para medir o tamanho de cada um. Especialmente em um momento em que o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot opina por liberar Sérgio Moro para prender um Ministro de Estado, logo, com foro privilegiado. Janot comprovou mais uma vez que existem duas leis: uma para uso geral, outra exclusiva para Lula.

PS - Depois do post escrito li a declaração do Ministro Luís Roberto Barroso, de que o STF não vai analisar o mérito do processo de impeachment. Aparentemente, prevaleceu a tese Pôncio Pilatos. O que comprova que o amesquinhamento das instituições é geral.

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