Por Eduardo Amorim, na revista CartaCapital:
O dia 9 de maio de 2016 certamente merecerá muitos estudos. Do ponto de vista político, nada chamou mais atenção do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA) ter decidido, no início do dia, anular as sessões que autorizaram o início do rito de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e anulado sua própria decisão na madrugada do dia seguinte.
Diante do cenário tão nebuloso, parei para tentar entender o que está sendo passado ao grande público sobre esse processo. E, analisando o principal telejornal do País, fiquei com sinceras dúvidas se havia mais noções de jornalismo ou de ficção naquele script.
O primeiro ponto evidenciado naquela segunda-feira do Jornal Nacional foi a tentativa de tirar do deputado federal Waldir Maranhão a sua relevância. A TV Globo cunhou o termo “presidente interino” da Câmara dos Deputados, utilizado diversas vezes nos três blocos do jornal, deixando claro, logo no início, que ele se movimentava “para permanecer na presidência com apoio de governistas”.
Na primeira explicação sobre a decisão monocrática do presidente da Câmara, explicitou as ligações do deputado do PP com aqueles que julga relevantes: afirma que Maranhão voltou de seu estado em um avião com o governador Flavio Dino e se encontrou em Brasília com o ministro da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo.
Também chamou atenção o fato de o Jornal Nacional ter ressaltado que o presidente da Casa não abriu espaço para a opinião dos técnicos da Mesa da Câmara. Quem cobriu – como jornalista – o Parlamento brasileiro sabe que as Casas legislativas em Brasília têm realmente corpos profissionais que muitas vezes merecerem elogios.
Mas arrisco afirmar que a TV Globo não questionou este tipo de conduta em momentos como quando, por exemplo, o então presidente Eduardo Cunha mudou o comando da TV Câmara para tentar retirar a autonomia de seus profissionais da TV Câmara.
Quem fala e quem não
Verificar quem e de qual forma é ouvido nas chamadas sonoras do telejornal também é relevante. A presidenta Dilma Roussef deu declarações públicas sobre a decisão de Waldir Maranhão. Para qualquer jornalismo sério, não dar espaço para o seu posicionamento parece impossível. Mas a edição da Globo terminou com a seguinte frase da presidenta: “vivemos uma conjuntura de manhas e artimanhas”, como se Dilma também achasse que o parlamentar não é alguém em quem se possa confiar.
Já o líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino, ganhou espaço ao afirmar que Waldir Maranhão “é subserviente ao terminal governo do PT”. O secretário da Mesa, Beto Mansur (PRB/SP), entrou na narrativa para reforçar que os deputados coletivamente decidiram pelo impeachment, que a Advocacia Geral da União entrou com pedido no dia 25 de abril e que ele foi deixado de lado.
O Jornal Nacional, entretanto, não explicou aos seus telespectadores que o ex-presidente Eduardo Cunha foi o principal responsável por isso.
Já nesse momento, estava claro o “teatro” (com o perdão aos artistas do palco). Enquanto dois deputados têm espaço privilegiado para criticar a decisão de Waldir Maranhão, nenhum dos apoiadores da decisão no Parlamento foi ouvido.
Ivan Valente, líder do PSOL, divulgou a opinião do PSOL minutos depois do líder do DEM. Não apareceu. O também socialista Jean Wyllys também teve seu posicionamento nas redes sociais ignorado. “Vocês precisavam de mais uma prova de que o que está acontecendo é um golpe de Estado? O presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu simplesmente IGNORAR a decisão”, criticou.
À TV Globo, naquele momento, só interessavam os depoimentos que tratavam o “interino” como parlamentar sem expressão.
O JN também teve tempo para falar sobre o filho de Maranhão, que ocupava dois cargos públicos em São Paulo e no Maranhão simultaneamente. E para ouvir mais críticas ao “escárnio institucional” proclamado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM).
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também deu um longo depoimento para explicar sua posição: a de que decisão (agora já anulada) de Waldir Maranhão era extemporânea, e que ele assegurava que nenhuma decisão monocrática poderia se sobressair ao conjunto dos parlamentares. A expressão “brincadeira com a democracia” ganhou o centro das atenções.
Só então, depois de mais de dez minutos de sua imagem escalavrada, o deputado (e “presidente em exercício da Câmara”) Waldir Maranhão teve oportunidade de dizer que não estava “brincando de fazer democracia”.
O elemento Delcídio
A sequência do enredo veio com a explicação de que a continuidade da votação do processo do Senado ainda dependia da prévia votação da cassação do senador Delcidio do Amaral, cujo histórico retratado deu conta apenas de seu período enquanto líder do governo no Senado – sendo esquecidos todos os seus anos de serviços prestados ao PSDB. Na fala do senador acusado: “eu como líder do governo errei, mas peço desculpas”.
O Jornal Nacional conseguiu ainda, naquele momento cheio de incertezas, prever o futuro para fortalecer a narrativa da legitimidade do impeachment. Informou que, no dia seguinte, haveria a votação em plenário para a cassação de Delcídio e, então, a votação do afastamento de Dilma poderia seguir em frente.
Como que para garantir que o rito não seria modificado, a emissora assegurou ainda que, no mesmo dia, haveria reunião do PP para expulsar o deputado Waldir Maranhão do partido.
O primeiro bloco do telejornal ainda seguiria com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski garantindo que quem decidirá o rito do impeachment será o Senado; mostrando a queda no mercado financeiro no dia 9 (com uma questionável justificativa de que à tarde diminuíram as incertezas e por isso não teriam sido mais graves os efeitos na bolsa e no câmbio); o anúncio do (já certo?) futuro governo Temer sobre o corte de 10 ministérios e a assertiva da repórter Délis Ortiz: “falta ainda definir os nomes dos ministros, mas a sociedade não aceita mais do mesmo”.
Reflexo internacional
Para rebater as críticas ao processo que seguem na imprensa internacional, o JN, uma vez mais, fez um “giro” no noticiário estrangeiro para mostrar como os jornais de fora estão tratando a crise política brasileira.
A repercussão sobre a cobertura de veículos como o The New York Times (EUA), The Guardian (Inglaterra), Le Figaro (França) e El Pais (Espanha) foi reduzida. O vencedor do Pulitzer - maior prêmio do jornalismo mundial -, Glen Greenwald, alertou pelo Twitter o que disse Damian Wroclavsky, correspondente da France Press – matéria não lembranda peloJN.
“Se Roussef for tirada da Presidência, ela será substituída pelo seu vice-presidente-agora-inimigo, Michel Temer. Temer, um líder de centro-direita, foi acusado de estar envolvido no escândalo da Petrobras, mas não está sendo formalmente investigado. Um tribunal de São Paulo o multou por irregularidades no financiamento de campanha e ele pode ser banido por oito anos dos seus direitos políticos”.
Fica a pergunta: por que tanto esforço para destruir políticos como Waldir Maranhão, que podem estar ligados ao PT, e um quase silenciamento acerca das suspeitas sobre o futuro presidente da República?
A narrativa ficcional certamente irá continuar. E aposto que as Olimpíadas terão papel fundamental para, no já novo governo, ressaltar a união dos brasileiros. Serão tempos de uma certa pujança econômica e de mais silenciamento da crise política.
* Eduardo Amorim é jornalista, mestrando em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE e integrante do Intervozes.
O dia 9 de maio de 2016 certamente merecerá muitos estudos. Do ponto de vista político, nada chamou mais atenção do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA) ter decidido, no início do dia, anular as sessões que autorizaram o início do rito de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e anulado sua própria decisão na madrugada do dia seguinte.
Diante do cenário tão nebuloso, parei para tentar entender o que está sendo passado ao grande público sobre esse processo. E, analisando o principal telejornal do País, fiquei com sinceras dúvidas se havia mais noções de jornalismo ou de ficção naquele script.
O primeiro ponto evidenciado naquela segunda-feira do Jornal Nacional foi a tentativa de tirar do deputado federal Waldir Maranhão a sua relevância. A TV Globo cunhou o termo “presidente interino” da Câmara dos Deputados, utilizado diversas vezes nos três blocos do jornal, deixando claro, logo no início, que ele se movimentava “para permanecer na presidência com apoio de governistas”.
Na primeira explicação sobre a decisão monocrática do presidente da Câmara, explicitou as ligações do deputado do PP com aqueles que julga relevantes: afirma que Maranhão voltou de seu estado em um avião com o governador Flavio Dino e se encontrou em Brasília com o ministro da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo.
Também chamou atenção o fato de o Jornal Nacional ter ressaltado que o presidente da Casa não abriu espaço para a opinião dos técnicos da Mesa da Câmara. Quem cobriu – como jornalista – o Parlamento brasileiro sabe que as Casas legislativas em Brasília têm realmente corpos profissionais que muitas vezes merecerem elogios.
Mas arrisco afirmar que a TV Globo não questionou este tipo de conduta em momentos como quando, por exemplo, o então presidente Eduardo Cunha mudou o comando da TV Câmara para tentar retirar a autonomia de seus profissionais da TV Câmara.
Quem fala e quem não
Verificar quem e de qual forma é ouvido nas chamadas sonoras do telejornal também é relevante. A presidenta Dilma Roussef deu declarações públicas sobre a decisão de Waldir Maranhão. Para qualquer jornalismo sério, não dar espaço para o seu posicionamento parece impossível. Mas a edição da Globo terminou com a seguinte frase da presidenta: “vivemos uma conjuntura de manhas e artimanhas”, como se Dilma também achasse que o parlamentar não é alguém em quem se possa confiar.
Já o líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino, ganhou espaço ao afirmar que Waldir Maranhão “é subserviente ao terminal governo do PT”. O secretário da Mesa, Beto Mansur (PRB/SP), entrou na narrativa para reforçar que os deputados coletivamente decidiram pelo impeachment, que a Advocacia Geral da União entrou com pedido no dia 25 de abril e que ele foi deixado de lado.
O Jornal Nacional, entretanto, não explicou aos seus telespectadores que o ex-presidente Eduardo Cunha foi o principal responsável por isso.
Já nesse momento, estava claro o “teatro” (com o perdão aos artistas do palco). Enquanto dois deputados têm espaço privilegiado para criticar a decisão de Waldir Maranhão, nenhum dos apoiadores da decisão no Parlamento foi ouvido.
Ivan Valente, líder do PSOL, divulgou a opinião do PSOL minutos depois do líder do DEM. Não apareceu. O também socialista Jean Wyllys também teve seu posicionamento nas redes sociais ignorado. “Vocês precisavam de mais uma prova de que o que está acontecendo é um golpe de Estado? O presidente do Senado, Renan Calheiros, decidiu simplesmente IGNORAR a decisão”, criticou.
À TV Globo, naquele momento, só interessavam os depoimentos que tratavam o “interino” como parlamentar sem expressão.
O JN também teve tempo para falar sobre o filho de Maranhão, que ocupava dois cargos públicos em São Paulo e no Maranhão simultaneamente. E para ouvir mais críticas ao “escárnio institucional” proclamado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM).
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também deu um longo depoimento para explicar sua posição: a de que decisão (agora já anulada) de Waldir Maranhão era extemporânea, e que ele assegurava que nenhuma decisão monocrática poderia se sobressair ao conjunto dos parlamentares. A expressão “brincadeira com a democracia” ganhou o centro das atenções.
Só então, depois de mais de dez minutos de sua imagem escalavrada, o deputado (e “presidente em exercício da Câmara”) Waldir Maranhão teve oportunidade de dizer que não estava “brincando de fazer democracia”.
O elemento Delcídio
A sequência do enredo veio com a explicação de que a continuidade da votação do processo do Senado ainda dependia da prévia votação da cassação do senador Delcidio do Amaral, cujo histórico retratado deu conta apenas de seu período enquanto líder do governo no Senado – sendo esquecidos todos os seus anos de serviços prestados ao PSDB. Na fala do senador acusado: “eu como líder do governo errei, mas peço desculpas”.
O Jornal Nacional conseguiu ainda, naquele momento cheio de incertezas, prever o futuro para fortalecer a narrativa da legitimidade do impeachment. Informou que, no dia seguinte, haveria a votação em plenário para a cassação de Delcídio e, então, a votação do afastamento de Dilma poderia seguir em frente.
Como que para garantir que o rito não seria modificado, a emissora assegurou ainda que, no mesmo dia, haveria reunião do PP para expulsar o deputado Waldir Maranhão do partido.
O primeiro bloco do telejornal ainda seguiria com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski garantindo que quem decidirá o rito do impeachment será o Senado; mostrando a queda no mercado financeiro no dia 9 (com uma questionável justificativa de que à tarde diminuíram as incertezas e por isso não teriam sido mais graves os efeitos na bolsa e no câmbio); o anúncio do (já certo?) futuro governo Temer sobre o corte de 10 ministérios e a assertiva da repórter Délis Ortiz: “falta ainda definir os nomes dos ministros, mas a sociedade não aceita mais do mesmo”.
Reflexo internacional
Para rebater as críticas ao processo que seguem na imprensa internacional, o JN, uma vez mais, fez um “giro” no noticiário estrangeiro para mostrar como os jornais de fora estão tratando a crise política brasileira.
A repercussão sobre a cobertura de veículos como o The New York Times (EUA), The Guardian (Inglaterra), Le Figaro (França) e El Pais (Espanha) foi reduzida. O vencedor do Pulitzer - maior prêmio do jornalismo mundial -, Glen Greenwald, alertou pelo Twitter o que disse Damian Wroclavsky, correspondente da France Press – matéria não lembranda peloJN.
“Se Roussef for tirada da Presidência, ela será substituída pelo seu vice-presidente-agora-inimigo, Michel Temer. Temer, um líder de centro-direita, foi acusado de estar envolvido no escândalo da Petrobras, mas não está sendo formalmente investigado. Um tribunal de São Paulo o multou por irregularidades no financiamento de campanha e ele pode ser banido por oito anos dos seus direitos políticos”.
Fica a pergunta: por que tanto esforço para destruir políticos como Waldir Maranhão, que podem estar ligados ao PT, e um quase silenciamento acerca das suspeitas sobre o futuro presidente da República?
A narrativa ficcional certamente irá continuar. E aposto que as Olimpíadas terão papel fundamental para, no já novo governo, ressaltar a união dos brasileiros. Serão tempos de uma certa pujança econômica e de mais silenciamento da crise política.
* Eduardo Amorim é jornalista, mestrando em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE e integrante do Intervozes.
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