Por Ayrton Centeno, no blog RS Urgente:
Todo mundo viu a saia justa em que as Organizações Globo se meteram com a mídia internacional depois que esta chamou o golpe pelo seu verdadeiro nome: golpe. Todo mundo soube da carta de João Roberto Marinho a The Guardian depois que o jornal britânico descreveu o papel da Globo – e do resto da imprensa hegemônica – na produção do impeachment de Dilma Rousseff. Todo mundo acompanhou os faniquitos dos globais – Mônica Waldvogel, Jorge Pontual e Lúcia Guimarães entre eles – perante o desnudamento no exterior da sua narrativa doméstica dos fatos. Escancarada inclusive pelo maior diário do mundo, The New York Times que, como se sabe, é aquele jornaleco editado em Havana. Não foi um ponto fora da curva. Como faz agora com Temer, O Globo comprou briga com o NY Times em defesa de outro governo parido por um golpe: a ditadura de 1964.
Foi em 1969, logo depois da edição do Ato Institucional 5, o golpe dentro do golpe que ampliou a censura, suspendeu o habeas corpus, disseminou a tortura e serviu como carta branca para prisões e execuções à margem das próprias leis ditatoriais. Naquele momento, como agora, o Brasil era governado por uma gerontocracia a serviço da plutocracia. Com a mídia acumpliciada ou amordaçada – no caso de O Globo, cúmplice – o jornal norte-americano tocaria na ferida ao publicar o editorial “As notícias encarceradas na América Latina” na edição de 4 de janeiro de 1969, expondo a censura e a violência no Brasil e na Argentina, dois regimes militares. Setenta e duas horas depois, O Globo brandiu seu tacape em editorial atacando não só o NY Times mas incluindo na diatribe os franceses Le Monde e L`Express. Tornou-se, na primeira página, advogado de defesa das duas ditaduras.
“A crise política brasileira está tendo lá fora um tratamento vexatório para o país, marcado pela apresentação exagerada dos fatos e a inteligente ainda que pérfida exploração da meia verdade”, atacou. O NY Times denunciara prisões de jornalistas e pedira que Washington intercedesse junto ao aliado latino-americano. Convertendo sinuosamente o questionamento humanista do NY Times em uma afronta ao Brasil e não à violência praticada por um poder de fato, legitimado pelas armas, o matutino dos Martinho contra-atacou, além do diário, os próprios Estados Unidos – de resto, mentor e apoiador dos militares. Descreveu-o como um país “onde presidentes e líderes eminentes são caçados e abatidos nas ruas como bichos”.
Critica o NY Times como “fonte da campanha antibrasileira”. Ao qual acusa de ter “sabidamente, grande responsabilidade na promotion – e consequente fortalecimento – da ditadura sanguinária de Fidel Castro”.
Debaixo da mesma perspectiva xenófoba, O Globo dá-se ao desplante de debochar da democracia. Critica a “imaturidade política” da França e sua “hilariante democracia parlamentarista”. Ainda reclama que plebiscitos “montados sobre o monopólio estatal da televisão” desmoralizam as instituições francesas. Convenhamos: para um jornal parceiro de uma autocracia assassina seria perfeitamente normal achar “hilariante” a democracia ou considerar que eleições livres – plebiscitos – servem para desmoralizar…
Mas porque a França entrou na roda? Acontece que O Globo, na condição de órgão oficioso do despotismo, ficara fulo com L`Express. A revista francesa mencionara a censura no Brasil às palavras do Papa Paulo VI. O editorial dos Marinho desprezou tal afirmação mas Paulo VI fora mesmo vítima da tesoura. Ocorreu no Correio da Manhã que, ao contrário de O Globo, não se acumpliciara à tirania.
Na mensagem natalina de 1969 aos católicos do mundo, o pontífice citava os “povos oprimidos”. Como “povos” e “oprimidos” separados já pareciam palavras suspeitas, juntas eram algo simplesmente intolerável. E Paulo VI não escapou da tesoura da censura prévia, aboletada na redação. Depois disso, alguém afixou um cartaz com uma recomendação de muito bom senso no banheiro masculino do Correio. Dizia: “Não faça xixi com os censores: eles cortam tudo”.
Sobrou ainda para o também francês Le Monde, acusado de ser brando com Fidel Castro e Che Guevara… Tratando o NY Times e Le Monde como bisbilhoteiros, o editorial sustentou que o Brasil deveria resolver seus problemas sem pedir “as bênçãos” das duas publicações…
No fantástico editorial – insatisfeito por representar somente sua prepotência predileta — O Globo patrocina também a causa da ditadura argentina, pilotada pelo general Juan Carlos Ongania. Relata que a Argentina, a exemplo do Brasil, vai atingindo “o ponto da decolagem industrial” e está buscando “novas soluções políticas”. Lá e cá, a “nova solução política” era a mesma: a tirania. A de Ongania terminaria no ano seguinte, destronada pelo golpe de outro general, Alejandro Lanusse. A outra, que arrebatou o coração dos Marinho, iria estender suas trevas por mais 16 anos.
Não seria, jamais, uma paixão inútil. É muito mais a história de um amor plenamente correspondido. Em 1969 – ano em que o jornalismo dos Marinho peitou o NY Times contra o jornalismo e em prol da ditadura — o grupo Globo tinha três emissoras de TV. Em 1973, já possuia 11...
Todo mundo viu a saia justa em que as Organizações Globo se meteram com a mídia internacional depois que esta chamou o golpe pelo seu verdadeiro nome: golpe. Todo mundo soube da carta de João Roberto Marinho a The Guardian depois que o jornal britânico descreveu o papel da Globo – e do resto da imprensa hegemônica – na produção do impeachment de Dilma Rousseff. Todo mundo acompanhou os faniquitos dos globais – Mônica Waldvogel, Jorge Pontual e Lúcia Guimarães entre eles – perante o desnudamento no exterior da sua narrativa doméstica dos fatos. Escancarada inclusive pelo maior diário do mundo, The New York Times que, como se sabe, é aquele jornaleco editado em Havana. Não foi um ponto fora da curva. Como faz agora com Temer, O Globo comprou briga com o NY Times em defesa de outro governo parido por um golpe: a ditadura de 1964.
Foi em 1969, logo depois da edição do Ato Institucional 5, o golpe dentro do golpe que ampliou a censura, suspendeu o habeas corpus, disseminou a tortura e serviu como carta branca para prisões e execuções à margem das próprias leis ditatoriais. Naquele momento, como agora, o Brasil era governado por uma gerontocracia a serviço da plutocracia. Com a mídia acumpliciada ou amordaçada – no caso de O Globo, cúmplice – o jornal norte-americano tocaria na ferida ao publicar o editorial “As notícias encarceradas na América Latina” na edição de 4 de janeiro de 1969, expondo a censura e a violência no Brasil e na Argentina, dois regimes militares. Setenta e duas horas depois, O Globo brandiu seu tacape em editorial atacando não só o NY Times mas incluindo na diatribe os franceses Le Monde e L`Express. Tornou-se, na primeira página, advogado de defesa das duas ditaduras.
“A crise política brasileira está tendo lá fora um tratamento vexatório para o país, marcado pela apresentação exagerada dos fatos e a inteligente ainda que pérfida exploração da meia verdade”, atacou. O NY Times denunciara prisões de jornalistas e pedira que Washington intercedesse junto ao aliado latino-americano. Convertendo sinuosamente o questionamento humanista do NY Times em uma afronta ao Brasil e não à violência praticada por um poder de fato, legitimado pelas armas, o matutino dos Martinho contra-atacou, além do diário, os próprios Estados Unidos – de resto, mentor e apoiador dos militares. Descreveu-o como um país “onde presidentes e líderes eminentes são caçados e abatidos nas ruas como bichos”.
Critica o NY Times como “fonte da campanha antibrasileira”. Ao qual acusa de ter “sabidamente, grande responsabilidade na promotion – e consequente fortalecimento – da ditadura sanguinária de Fidel Castro”.
Debaixo da mesma perspectiva xenófoba, O Globo dá-se ao desplante de debochar da democracia. Critica a “imaturidade política” da França e sua “hilariante democracia parlamentarista”. Ainda reclama que plebiscitos “montados sobre o monopólio estatal da televisão” desmoralizam as instituições francesas. Convenhamos: para um jornal parceiro de uma autocracia assassina seria perfeitamente normal achar “hilariante” a democracia ou considerar que eleições livres – plebiscitos – servem para desmoralizar…
Mas porque a França entrou na roda? Acontece que O Globo, na condição de órgão oficioso do despotismo, ficara fulo com L`Express. A revista francesa mencionara a censura no Brasil às palavras do Papa Paulo VI. O editorial dos Marinho desprezou tal afirmação mas Paulo VI fora mesmo vítima da tesoura. Ocorreu no Correio da Manhã que, ao contrário de O Globo, não se acumpliciara à tirania.
Na mensagem natalina de 1969 aos católicos do mundo, o pontífice citava os “povos oprimidos”. Como “povos” e “oprimidos” separados já pareciam palavras suspeitas, juntas eram algo simplesmente intolerável. E Paulo VI não escapou da tesoura da censura prévia, aboletada na redação. Depois disso, alguém afixou um cartaz com uma recomendação de muito bom senso no banheiro masculino do Correio. Dizia: “Não faça xixi com os censores: eles cortam tudo”.
Sobrou ainda para o também francês Le Monde, acusado de ser brando com Fidel Castro e Che Guevara… Tratando o NY Times e Le Monde como bisbilhoteiros, o editorial sustentou que o Brasil deveria resolver seus problemas sem pedir “as bênçãos” das duas publicações…
No fantástico editorial – insatisfeito por representar somente sua prepotência predileta — O Globo patrocina também a causa da ditadura argentina, pilotada pelo general Juan Carlos Ongania. Relata que a Argentina, a exemplo do Brasil, vai atingindo “o ponto da decolagem industrial” e está buscando “novas soluções políticas”. Lá e cá, a “nova solução política” era a mesma: a tirania. A de Ongania terminaria no ano seguinte, destronada pelo golpe de outro general, Alejandro Lanusse. A outra, que arrebatou o coração dos Marinho, iria estender suas trevas por mais 16 anos.
Não seria, jamais, uma paixão inútil. É muito mais a história de um amor plenamente correspondido. Em 1969 – ano em que o jornalismo dos Marinho peitou o NY Times contra o jornalismo e em prol da ditadura — o grupo Globo tinha três emissoras de TV. Em 1973, já possuia 11...
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