Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Para entender o que ocorreu na Inglaterra, que decidiu sair da União Europeia por 51,9% dos votos, é bom lembrar que em julho de 2015 assistimos a um evento semelhante - e até mais enfático.
Por 61% dos votos, a população da Grécia disse com toda clareza que rejeitava o plano de austeridade que a União Europeia pretendia impor ao país. A cédula não perguntava, diretamente, se o eleitor queria ou não permanecer na UE. A pergunta era econômica. Mas, por essa via, a resposta teve um sentido obviamente semelhante. Pela segunda vez em menos de um ano, a população de um país europeu disse não.
O resultado nós conhecemos.
Apesar do tremendo respaldo popular, o governo de Alexis Tsripas, que meses antes vencera as eleições nacionais com base na denuncia do programa econômico da UE, acabou recuando para aplicar as medidas que a maioria da população rejeitava. Uma das vítimas preferenciais do ajuste econômico prolongado aplicado no Velho Mundo após o colapso de 2008-2009, a população grega empobreceu 30%, a partir de uma prática que os países sul-americanos conheceram muito bem, durante a década 1980: apertar os cintos para pagar uma dívida que sempre fica mais cara e mais impagável.
Sabemos que a Inglaterra não é a Grécia, nem pela força de sua economia, nem pelo seu peso histórico, nem por sua projeção internacional. Não poderia ser dobrada numa simples reunião de autoridades de ar severo e postura implacável, como aconteceu com Alexis Tsripas, que voltou para casa de sorriso amarelo e credibilidade rompida.
Sem maiores disfarces, a soberania dos gregos para escolher seu destino foi ferida - abertamente, sem disfarces.
Até pelo tamanho do transatlântico inglês, o impacto político e econômico da decisão de ontem será muito mais amplo e duradouro, como informam as Bolsas de Valores de todo mundo.
Há sinais essenciais que devem ser observados, porém. Como registra a Economist, o voto para sair da União Europeia foi majoritário nas regiões mais pobres. Também ganhou terreno entre os trabalhadores com menor educação formal e também entre os mais velhos - aqueles que mais necessitam dos serviços público de bem-estar social, questionados desde o longo reinado de Margaret Thatcher. Foi aí que o plebiscito se resolveu, democraticamente, num "voto contra" que ignorou a maior parte das forças políticas estabelecidas e, supostamente, mais influentes.
O eleitorado acertou a testa do primeiro-ministro David Cameron, que já anunciou a renúncia. Mas também atingiu a liderança do Partido Trabalhista, inclusive sua ala esquerda, que fez campanha pelo Sim mas não foi seguida por boa parte dos eleitores tradicionais.
Uma cena semelhante se repetiu na Grécia de 2015, não custa lembrar. Ali, a vitória do Não e a eleição do primeiro ministro Alexis Tsrípas, meses antes, expressaram a derrota do conservadores e também do partido social democrata.
Como se vê em vários países europeus, o plebiscito inglês confirmou o crescimento - cada vez mais preocupante - de movimentos fascistas e assemelhados. Inspirando-se em lideres do passado europeu, que tantos males já causaram a humanidade, ganham terreno a partir de um discurso racista e excludente, criminosamente manipulado em momentos em que se tenta apontar para bodes expiatórios e produzir lances demagógicos.
Esse comportamento é especialmente inaceitável em se tratando da Inglaterra, cuja prosperidade histórica tem relação direta com seu passado de potência colonial. Essa herança gera obrigações correspondentes em relação a população de antigas colônias, vítimas prioritárias de manifestações racistas.
Há outro ponto, também, que envolve o sistema político europeu. Aqui é bom lembrar que as comparações entre a União Europeia e o Mercosul têm menos sentido do que se imagina. O Mercosul é uma união aduaneira, com cláusulas de comércio e outras garantias comuns, que envolvem o respeito absoluto pela identidade de cada país e sua soberania, começar pela moeda nacional.
A União Europeia envolve um projeto ambicioso, que inclui inclusive um Banco Central único e a moeda única. Possui regras que limitam cotas de produção em setores da economia, definindo a parte que cabe a cada país - e nós sabemos muito bem como essas tratativas, que envolvem interesses de todo tipo, inclusive preservação de emprego, costumam se resolver.
Os 28 países convivem num sistema de soberania relativa, onde uns são mais soberanos do que outros, como podemos imaginar.
As instituições que governam o Velho Mundo são organismos burocráticos, não-eleitos, que tomam decisões acima do voto do cidadão comum, mas que terão peso decisivo sobre a vida de cada família européia. Na prática, alinham-se com governos de países economicamente mais poderosos, a começar pela Alemanha, e servem de correia de transmissão para interesses do grande capital financeiro e dos grandes potentados privados.
Primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel está longe de responder, humildemente, pelo destino de apenas 1/27 da União Europeia. Tem a palavra final sobre o presente e o futuro de cada país e de todo continente, como se pode comprovar, amargamente, pelas respostas recessivas impostas depois do colapso de 2008-2009, que transformaram a Europa na ponta de lança de uma recessão que colocou a economia mundial no fundo do poço de hoje. Como todos se recordam, teve um papel decisivo para impedir qualquer saída negociada para a economia grega.
Não há dúvida de que o voto pela saída da União Europeia tem uma base material - a falta de emprego e de perspectiva para os cidadãos mais pobres. Essa situação que serve de pasto para o fascismo, na repetição de um fenômeno visto, estudado e explicado pelos estudiosos da ascensão de Adolf Hitler na Europa, a começar por Hanna Arendt.
Esta é a questão que terá de ser enfrentada, pois aí está a raiz do mal estar. Caso contrário, outros plebiscitos virão.
Para entender o que ocorreu na Inglaterra, que decidiu sair da União Europeia por 51,9% dos votos, é bom lembrar que em julho de 2015 assistimos a um evento semelhante - e até mais enfático.
Por 61% dos votos, a população da Grécia disse com toda clareza que rejeitava o plano de austeridade que a União Europeia pretendia impor ao país. A cédula não perguntava, diretamente, se o eleitor queria ou não permanecer na UE. A pergunta era econômica. Mas, por essa via, a resposta teve um sentido obviamente semelhante. Pela segunda vez em menos de um ano, a população de um país europeu disse não.
O resultado nós conhecemos.
Apesar do tremendo respaldo popular, o governo de Alexis Tsripas, que meses antes vencera as eleições nacionais com base na denuncia do programa econômico da UE, acabou recuando para aplicar as medidas que a maioria da população rejeitava. Uma das vítimas preferenciais do ajuste econômico prolongado aplicado no Velho Mundo após o colapso de 2008-2009, a população grega empobreceu 30%, a partir de uma prática que os países sul-americanos conheceram muito bem, durante a década 1980: apertar os cintos para pagar uma dívida que sempre fica mais cara e mais impagável.
Sabemos que a Inglaterra não é a Grécia, nem pela força de sua economia, nem pelo seu peso histórico, nem por sua projeção internacional. Não poderia ser dobrada numa simples reunião de autoridades de ar severo e postura implacável, como aconteceu com Alexis Tsripas, que voltou para casa de sorriso amarelo e credibilidade rompida.
Sem maiores disfarces, a soberania dos gregos para escolher seu destino foi ferida - abertamente, sem disfarces.
Até pelo tamanho do transatlântico inglês, o impacto político e econômico da decisão de ontem será muito mais amplo e duradouro, como informam as Bolsas de Valores de todo mundo.
Há sinais essenciais que devem ser observados, porém. Como registra a Economist, o voto para sair da União Europeia foi majoritário nas regiões mais pobres. Também ganhou terreno entre os trabalhadores com menor educação formal e também entre os mais velhos - aqueles que mais necessitam dos serviços público de bem-estar social, questionados desde o longo reinado de Margaret Thatcher. Foi aí que o plebiscito se resolveu, democraticamente, num "voto contra" que ignorou a maior parte das forças políticas estabelecidas e, supostamente, mais influentes.
O eleitorado acertou a testa do primeiro-ministro David Cameron, que já anunciou a renúncia. Mas também atingiu a liderança do Partido Trabalhista, inclusive sua ala esquerda, que fez campanha pelo Sim mas não foi seguida por boa parte dos eleitores tradicionais.
Uma cena semelhante se repetiu na Grécia de 2015, não custa lembrar. Ali, a vitória do Não e a eleição do primeiro ministro Alexis Tsrípas, meses antes, expressaram a derrota do conservadores e também do partido social democrata.
Como se vê em vários países europeus, o plebiscito inglês confirmou o crescimento - cada vez mais preocupante - de movimentos fascistas e assemelhados. Inspirando-se em lideres do passado europeu, que tantos males já causaram a humanidade, ganham terreno a partir de um discurso racista e excludente, criminosamente manipulado em momentos em que se tenta apontar para bodes expiatórios e produzir lances demagógicos.
Esse comportamento é especialmente inaceitável em se tratando da Inglaterra, cuja prosperidade histórica tem relação direta com seu passado de potência colonial. Essa herança gera obrigações correspondentes em relação a população de antigas colônias, vítimas prioritárias de manifestações racistas.
Há outro ponto, também, que envolve o sistema político europeu. Aqui é bom lembrar que as comparações entre a União Europeia e o Mercosul têm menos sentido do que se imagina. O Mercosul é uma união aduaneira, com cláusulas de comércio e outras garantias comuns, que envolvem o respeito absoluto pela identidade de cada país e sua soberania, começar pela moeda nacional.
A União Europeia envolve um projeto ambicioso, que inclui inclusive um Banco Central único e a moeda única. Possui regras que limitam cotas de produção em setores da economia, definindo a parte que cabe a cada país - e nós sabemos muito bem como essas tratativas, que envolvem interesses de todo tipo, inclusive preservação de emprego, costumam se resolver.
Os 28 países convivem num sistema de soberania relativa, onde uns são mais soberanos do que outros, como podemos imaginar.
As instituições que governam o Velho Mundo são organismos burocráticos, não-eleitos, que tomam decisões acima do voto do cidadão comum, mas que terão peso decisivo sobre a vida de cada família européia. Na prática, alinham-se com governos de países economicamente mais poderosos, a começar pela Alemanha, e servem de correia de transmissão para interesses do grande capital financeiro e dos grandes potentados privados.
Primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel está longe de responder, humildemente, pelo destino de apenas 1/27 da União Europeia. Tem a palavra final sobre o presente e o futuro de cada país e de todo continente, como se pode comprovar, amargamente, pelas respostas recessivas impostas depois do colapso de 2008-2009, que transformaram a Europa na ponta de lança de uma recessão que colocou a economia mundial no fundo do poço de hoje. Como todos se recordam, teve um papel decisivo para impedir qualquer saída negociada para a economia grega.
Não há dúvida de que o voto pela saída da União Europeia tem uma base material - a falta de emprego e de perspectiva para os cidadãos mais pobres. Essa situação que serve de pasto para o fascismo, na repetição de um fenômeno visto, estudado e explicado pelos estudiosos da ascensão de Adolf Hitler na Europa, a começar por Hanna Arendt.
Esta é a questão que terá de ser enfrentada, pois aí está a raiz do mal estar. Caso contrário, outros plebiscitos virão.
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