Por Roberto Amaral, no site Carta Maior:
A crise, a palavra da moda, na boca dos políticos e dos eleitores descontentes, na boca de empresários e trabalhadores (com significados diversos), tonitruada pelos meios de comunicação de massa, essa crise brasileira de nossos dias, é, fundamentalmente, política, e é ao mesmo tempo uma crise de representatividade e de legitimidade que ataca de morte os Poderes da República.
É preciso conjurá-la, antes que ponha por terra o projeto de democracia representativa, antes que ameace a integridade institucional de que sempre se aproveitam as forças conservadoras para impor o retrocesso político e o retrocesso social.
O processo de impeachment não é a crise, mas um sintoma dela, agravado pela crise das instituições da democracia representativa.
O sistema de partidos – rejeitado pelo eleitorado – está falido e nenhum remendo o salvará. Sua inanidade é estrutural, é orgânica, é morfológica, é ideológica. Faliu como meio e como fim. O processo eleitoral (fundado no poder econômico e no abuso do poder político) está, também e por consequência, falido e é um dos principais geradores da crise política, pois um de seus mais notáveis frutos é a desmoralização do mandato eletivo.
Dessa falência dupla resultam poderes em crise, dirigentes ilegítimos e mandatários sem legitimidade, donde, e por fim, a grave agonia da democracia representativa, atacada de vez pela violência do impeachment brandido contra a presidente Dilma Rousseff.
A tentativa de tomada de assalto de seu mandato é uma agressão à ordem constitucional (v.g. o art. 85 da C.F.) – mas é, acima de tudo, uma agressão à soberania popular.
As bases seminais da democracia liberal são os fundamentos constitucionais e a estrita legalidade, sem o que poderemos ter Estado de direito, mas, jamais, Estado de direito democrático, que é aquele que interessa às grandes massas.
O respeito à Constituição implica, necessariamente e incontornavelmente, o respeito à voz das urnas: o exercício da presidência é privativo de um delegado da soberania popular, escolhido pelo único instrumento conhecido pelas democracias: o voto. E é isto que está em jogo.
Os pressupostos de constitucionalidade e legalidade – respeito à soberania popular, império irrecorrível do voto – jamais foram considerados pela direita brasileira, useira e vezeira no emprego da violência golpista, enquanto a defesa da legalidade e da Constituição, como agora, é a bandeira da qual as esquerdas brasileiras não podem abrir mão.
O Poder Legislativo que temos – despido de legitimidade – é composto majoritariamente por parlamentares com os quais os eleitores não se identificam, e assim se acha atingido letalmente por aquela que é, certamente, a mais grave crise de representação em toda a história republicana.
Sem falar nas duas dezenas de senadores e nos quase duzentos deputados federais indiciados em inquéritos, ora no STF, ora na Lava Jato, ora aqui, ora acolá. Ademais é, o Parlamento que aí está, como coletivo, uma instituição reacionária, atrasada, descomprometida com o interesse nacional, quando deveria ser a expressão da vontade popular.
Comandada pelo chamado baixo clero e comandada pelo governo interino, está a Câmara dos Deputados empenhada em destruir o que foi possível construir nos últimos 12/13 anos, de Estado social e projeto de desenvolvimento autônomo. O profundo divórcio entre o Parlamento e a Nação, entre o eleitor e o eleito, é, sem dúvida, o sinal mais alarmante da crise da representação.
O divórcio entre Congresso e povo parece, em nossos dias, sem conciliação possível. E isto é péssimo augúrio.
Temos hoje um Poder Executivo infuncional, dominado por grupos de interesses que não dizem respeito aos grandes interesses do povo, da nação e do país. Presentemente, agravando sua crise ética, a Presidência foi tomada de assalto por uma súcia de tal padrão (a começar pelo presidente interino) que um jornal estrangeiro - o alemão Die Zeit - não pôde deixar de questionar, em manchete de primeira página: "Isso é um governo ou uma gangue?".
Como se habitassem outro planeta, ou um Olimpo cego para a história e a realidade, setores da alta burocracia estatal (como o Ministério Público e a Polícia Federal) constituem nichos de poder autônomos dentro do Estado.
Completa a tríade um Poder Judiciário a serviço da luta de classes, autoritário, intrinsecamente reacionário e prepotente, que se julga dispensado de dar satisfação a qualquer dos demais Poderes, e muito menos à sociedade, embora seja o único dos três poderes da República sem respaldo na soberania popular.
Um STF que se permite decidir contra a expressão clara e límpida da Constituição, que faz e refaz jurisprudência em função de interesses em causa e interfere mesmo no processo legiferante, instaurando a insegurança jurídica; uma Corte que se deixou partidarizar depois de politizar-se, e, em função de uma e outra opção, termina por renunciar à isenção, desnaturando-se.
Rompendo as fronteiras das competências dos demais poderes, arvora-se em verdadeiro Poder moderador, arcaísmo monárquico inaceitável na República.
Atuando e vivendo fora dos manuais da Constituição escritos para os alunos de nossas faculdades de direito, atuam, impávidos, inalcançáveis, de mãos dadas, o poder econômico-financeiro e o poder da mídia oligopolizada, senão o mais poderoso, por certo o mais nefasto dentre todos.
Os meios de comunicação de massa (que possuem prepostos em todas as esferas do poder político) não conhecem limites: manipulam a opinião pública, distorcem a vontade eleitoral, interferem no exercício do poder, ditam o processo político-ideológico, constroem artificialmente a narrativa histórica, e se constituem em verdadeiro partido político. O mais forte de todos.
Vivemos os estertores do ciclo (mais um dentre tantos na Historia e na República) que teve início com a Constituinte de 1988, a quem devemos quase 30 anos de normalidade democrática e avanços sociais que precisam ser conservados e aprofundados.
Esta é a tarefa histórica.
É verdade que a presidente Dilma Rousseff terá dificuldades para enfrentar desafio de tamanha monta – superar essa crise e plantar as bases de um novo Brasil – mas, por outro lado, não será um governo fruto do assalto ao mandato popular, e assim essencialmente e irrecuperavelmente ilegítimo, como o interino que aí está, que poderá cumprir com essa missão inadiável.
Legitimada pelos mais de 54 milhões de votos que a elegeram, a presidente Dilma poderá reconduzir a nação no caminho de um novo pacto político, de que carecemos para salvar a democracia representativa e retomar o desenvolvimento.
Esgotado um ciclo, o processo histórico engendra sua alternativa e deverão as forças populares disputar, nessa construção, seu papel de agente.
Fortalecida pelo apoio que vem colhendo nas ruas, fortalecida com a vitória no julgamento pelo Senado (na qual todos os democratas devem estar prioritariamente empenhados), desvendados (como já se vão desvendando) os reais propósitos da sanha peemedebista maquinada pelo vice perjuro, caberá à presidente da república discutir com a Nação os novos rumos do país que lhe incumbirá comandar imediatamente a partir da recuperação de seu mandato.
Mas a partir também da autocrítica indispensável, que a consagrará, sobre sua opção política em 2015, autocrítica que se completará com a esperada, e já quase tardia, autocrítica do Partido dos Trabalhadores, reclamada por sua militância mas sempre adiada por seus dirigentes.
(A propósito, por que a presidente reluta assinar a Carta-compromisso que a Frente Brasil Popular lhe sugeriu?)
Armada dessas iniciativas, a presidente falará às massas para ser ouvida e, sepultando o falecido ‘presidencialismo de coalizão’, construirá um novo pacto, político-popular. Ou, melhor dito, terá em suas mãos as condições políticas e morais, além da legitimidade, necessárias para reconduzir o Brasil na trilha de seu destino de grande nação, o que compreende a retomada do desenvolvimento, do fortalecimento do setor produtivo, do combate à pobreza e das políticas de distribuição de renda e compensação social e, afinal, a retomada do pleno emprego.
Soluções de curto prazo que se apresentam como fáceis e quase mágicas enfrentam irremovíveis obstáculos jurídicos e de ordem prática, pondo em dúvida sua eficácia como alternativa, contribuindo, assim, para desviar a luta popular do foco essencial, que é combater o governo interino e derrotar o impeachment.
As esquerdas optaram pelo pelo estado de direito democrático e devem seguir nele, evitando a atração por desvios, alternativas que lembram casuísmos, gambiarras, improvisos de consequências imprevisíveis.
Por tudo isso e pelo mais que não precisa ser posto em evidência a esta altura de nossa história, o que incumbe às esquerdas e às forças democráticas, hoje, como prioridade, é a defesa da ordem constitucional. E o ponto de partida é a defesa do mandato constitucional, legítimo e legal da presidente Dilma Rousseff.
A crise, a palavra da moda, na boca dos políticos e dos eleitores descontentes, na boca de empresários e trabalhadores (com significados diversos), tonitruada pelos meios de comunicação de massa, essa crise brasileira de nossos dias, é, fundamentalmente, política, e é ao mesmo tempo uma crise de representatividade e de legitimidade que ataca de morte os Poderes da República.
É preciso conjurá-la, antes que ponha por terra o projeto de democracia representativa, antes que ameace a integridade institucional de que sempre se aproveitam as forças conservadoras para impor o retrocesso político e o retrocesso social.
O processo de impeachment não é a crise, mas um sintoma dela, agravado pela crise das instituições da democracia representativa.
O sistema de partidos – rejeitado pelo eleitorado – está falido e nenhum remendo o salvará. Sua inanidade é estrutural, é orgânica, é morfológica, é ideológica. Faliu como meio e como fim. O processo eleitoral (fundado no poder econômico e no abuso do poder político) está, também e por consequência, falido e é um dos principais geradores da crise política, pois um de seus mais notáveis frutos é a desmoralização do mandato eletivo.
Dessa falência dupla resultam poderes em crise, dirigentes ilegítimos e mandatários sem legitimidade, donde, e por fim, a grave agonia da democracia representativa, atacada de vez pela violência do impeachment brandido contra a presidente Dilma Rousseff.
A tentativa de tomada de assalto de seu mandato é uma agressão à ordem constitucional (v.g. o art. 85 da C.F.) – mas é, acima de tudo, uma agressão à soberania popular.
As bases seminais da democracia liberal são os fundamentos constitucionais e a estrita legalidade, sem o que poderemos ter Estado de direito, mas, jamais, Estado de direito democrático, que é aquele que interessa às grandes massas.
O respeito à Constituição implica, necessariamente e incontornavelmente, o respeito à voz das urnas: o exercício da presidência é privativo de um delegado da soberania popular, escolhido pelo único instrumento conhecido pelas democracias: o voto. E é isto que está em jogo.
Os pressupostos de constitucionalidade e legalidade – respeito à soberania popular, império irrecorrível do voto – jamais foram considerados pela direita brasileira, useira e vezeira no emprego da violência golpista, enquanto a defesa da legalidade e da Constituição, como agora, é a bandeira da qual as esquerdas brasileiras não podem abrir mão.
O Poder Legislativo que temos – despido de legitimidade – é composto majoritariamente por parlamentares com os quais os eleitores não se identificam, e assim se acha atingido letalmente por aquela que é, certamente, a mais grave crise de representação em toda a história republicana.
Sem falar nas duas dezenas de senadores e nos quase duzentos deputados federais indiciados em inquéritos, ora no STF, ora na Lava Jato, ora aqui, ora acolá. Ademais é, o Parlamento que aí está, como coletivo, uma instituição reacionária, atrasada, descomprometida com o interesse nacional, quando deveria ser a expressão da vontade popular.
Comandada pelo chamado baixo clero e comandada pelo governo interino, está a Câmara dos Deputados empenhada em destruir o que foi possível construir nos últimos 12/13 anos, de Estado social e projeto de desenvolvimento autônomo. O profundo divórcio entre o Parlamento e a Nação, entre o eleitor e o eleito, é, sem dúvida, o sinal mais alarmante da crise da representação.
O divórcio entre Congresso e povo parece, em nossos dias, sem conciliação possível. E isto é péssimo augúrio.
Temos hoje um Poder Executivo infuncional, dominado por grupos de interesses que não dizem respeito aos grandes interesses do povo, da nação e do país. Presentemente, agravando sua crise ética, a Presidência foi tomada de assalto por uma súcia de tal padrão (a começar pelo presidente interino) que um jornal estrangeiro - o alemão Die Zeit - não pôde deixar de questionar, em manchete de primeira página: "Isso é um governo ou uma gangue?".
Como se habitassem outro planeta, ou um Olimpo cego para a história e a realidade, setores da alta burocracia estatal (como o Ministério Público e a Polícia Federal) constituem nichos de poder autônomos dentro do Estado.
Completa a tríade um Poder Judiciário a serviço da luta de classes, autoritário, intrinsecamente reacionário e prepotente, que se julga dispensado de dar satisfação a qualquer dos demais Poderes, e muito menos à sociedade, embora seja o único dos três poderes da República sem respaldo na soberania popular.
Um STF que se permite decidir contra a expressão clara e límpida da Constituição, que faz e refaz jurisprudência em função de interesses em causa e interfere mesmo no processo legiferante, instaurando a insegurança jurídica; uma Corte que se deixou partidarizar depois de politizar-se, e, em função de uma e outra opção, termina por renunciar à isenção, desnaturando-se.
Rompendo as fronteiras das competências dos demais poderes, arvora-se em verdadeiro Poder moderador, arcaísmo monárquico inaceitável na República.
Atuando e vivendo fora dos manuais da Constituição escritos para os alunos de nossas faculdades de direito, atuam, impávidos, inalcançáveis, de mãos dadas, o poder econômico-financeiro e o poder da mídia oligopolizada, senão o mais poderoso, por certo o mais nefasto dentre todos.
Os meios de comunicação de massa (que possuem prepostos em todas as esferas do poder político) não conhecem limites: manipulam a opinião pública, distorcem a vontade eleitoral, interferem no exercício do poder, ditam o processo político-ideológico, constroem artificialmente a narrativa histórica, e se constituem em verdadeiro partido político. O mais forte de todos.
Vivemos os estertores do ciclo (mais um dentre tantos na Historia e na República) que teve início com a Constituinte de 1988, a quem devemos quase 30 anos de normalidade democrática e avanços sociais que precisam ser conservados e aprofundados.
Esta é a tarefa histórica.
É verdade que a presidente Dilma Rousseff terá dificuldades para enfrentar desafio de tamanha monta – superar essa crise e plantar as bases de um novo Brasil – mas, por outro lado, não será um governo fruto do assalto ao mandato popular, e assim essencialmente e irrecuperavelmente ilegítimo, como o interino que aí está, que poderá cumprir com essa missão inadiável.
Legitimada pelos mais de 54 milhões de votos que a elegeram, a presidente Dilma poderá reconduzir a nação no caminho de um novo pacto político, de que carecemos para salvar a democracia representativa e retomar o desenvolvimento.
Esgotado um ciclo, o processo histórico engendra sua alternativa e deverão as forças populares disputar, nessa construção, seu papel de agente.
Fortalecida pelo apoio que vem colhendo nas ruas, fortalecida com a vitória no julgamento pelo Senado (na qual todos os democratas devem estar prioritariamente empenhados), desvendados (como já se vão desvendando) os reais propósitos da sanha peemedebista maquinada pelo vice perjuro, caberá à presidente da república discutir com a Nação os novos rumos do país que lhe incumbirá comandar imediatamente a partir da recuperação de seu mandato.
Mas a partir também da autocrítica indispensável, que a consagrará, sobre sua opção política em 2015, autocrítica que se completará com a esperada, e já quase tardia, autocrítica do Partido dos Trabalhadores, reclamada por sua militância mas sempre adiada por seus dirigentes.
(A propósito, por que a presidente reluta assinar a Carta-compromisso que a Frente Brasil Popular lhe sugeriu?)
Armada dessas iniciativas, a presidente falará às massas para ser ouvida e, sepultando o falecido ‘presidencialismo de coalizão’, construirá um novo pacto, político-popular. Ou, melhor dito, terá em suas mãos as condições políticas e morais, além da legitimidade, necessárias para reconduzir o Brasil na trilha de seu destino de grande nação, o que compreende a retomada do desenvolvimento, do fortalecimento do setor produtivo, do combate à pobreza e das políticas de distribuição de renda e compensação social e, afinal, a retomada do pleno emprego.
Soluções de curto prazo que se apresentam como fáceis e quase mágicas enfrentam irremovíveis obstáculos jurídicos e de ordem prática, pondo em dúvida sua eficácia como alternativa, contribuindo, assim, para desviar a luta popular do foco essencial, que é combater o governo interino e derrotar o impeachment.
As esquerdas optaram pelo pelo estado de direito democrático e devem seguir nele, evitando a atração por desvios, alternativas que lembram casuísmos, gambiarras, improvisos de consequências imprevisíveis.
Por tudo isso e pelo mais que não precisa ser posto em evidência a esta altura de nossa história, o que incumbe às esquerdas e às forças democráticas, hoje, como prioridade, é a defesa da ordem constitucional. E o ponto de partida é a defesa do mandato constitucional, legítimo e legal da presidente Dilma Rousseff.
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