quarta-feira, 1 de junho de 2016

Macri foge dos protestos na Argentina


Passou batido na mídia brasileira a cena: com a Plaza de Mayo cercada, o presidente se viu obrigado a refugiar-se na residência oficial de Olivos depois do Te Deum na Catedral. Eis um retrato da atual situação na Argentina, menos de seis meses de mandato de Macri. Foi um 25 de maio sem parada, sem banda, sem bandeiras, sem flores, sem povo …

Não é mais possível ocultar a evidência: o governo de Mauricio Macri teme os protestos populares, que vão num crescendo, e optou por cercar de barreiras a emblemática Plaza de Mayo.

Macri conhece bem a força das imagens na política. Valeu-se delas em grande medida nas eleições presidenciais. Porém a imagem que ficará para sempre do primeiro dia pátrio da Argentina com Macri no poder é especialmente deletério para o presidente. A Plaza de Mayo, coração de todas as celebrações na Argentina, amanheceu completamente cercada e vazia a fim de impedir que os protestos de cooperativistas que haviam organizado um acampamento ao lado da praça chegassem ao presidente. E havia um evidente temor de que outras manifestações estariam sendo organizadas diante da sede presidencial da Casa Rosada.

Longe de celebrar um 25 de Maio, dia em que a Argentina deu em 1810 seu primeiro passo de independência da coroa espanhola, com o habitual fervor popular, Macri se viu rodeado de seguranças e mais seguranças.

Macri tinha previsto convidar dezenas de pessoas para compartilhar, na parte traseira da Casa Rosada, uma comida típica do interior argentino. No entanto, a pressão dos protestos, sobretudo dos funcionários públicos, que já no dia anterior tinham tomado a Plaza de Mayo, obrigou-o a mudar de cenário para levar o evento à quinta de Olivos, a residência presidencial. Patricia Bullrich, ministra da Segurança, alegou que haviam detido um grupo portando coquetéis molotov que se dirigia à Plaza de Mayo e por isso havia mais segurança que o normal previsto.

Assim que Macri assistiu ao Te Deus na catedral, partiu rodeado de proteção à quinta de Olivos, no norte da cidade, onde pôde comer e celebrar tranquilo com seus ministros e um punhado de acólitos. “Compartilho a dor, as angústias das pessoas. Tomar as medidas que tomei na economia tem sido muito duro, todavia nos deixaram realmente uma bomba à beira de explodir que vimos tratando de desarmar com o maior cuidado possível”, sentenciou o presidente. O mesmo e cínico discurso dos neoliberais quando assumem o governo depois de governos progressistas e populares.

Entretanto, a imagem de Macri, sem poder celebrar com os cidadãos na Plaza de Mayo um dia tão importante para os argentinos, é demolidora para um governo que insiste em demonstrar normalidade. A transmissão pela televisão tratava de mostrar essa ideia, com as autoridades apreciando chocolate e churros, no entanto, quando os canais privados abriam o plano, só se viam policiais, militares, armas, cercas e uma praça completamente vazia. Quando saiu da catedral, Macri só conseguiu dialogar com um diminuto grupo de fieis que tinha conseguido atravessar o cerco à praça. Tudo a uma distância astronômica da imagem de celebração de um dia festivo.

Macri, quando chegou ao poder em dezembro, planejava eliminar as barreiras da área da praça em frente à Casa Rosada. Antes sempre abertas, desde 2011, quando começou a crise, as grades se abriam e fechavam em função dos protestos. Macri e os seus sempre pretenderam tirá-las, contudo esse momento está muito distante e ao contrário cada vez têm de pôr mais barreiras e mais grades.

É muito evidente o contraste deste 25 de Maio com o do ano passado, em que Cristina Kirchner organizou uma multitudinária concentração com seus partidários e apoiadores. Nas redes sociais os ‘kirchneristas’ estão comparando os dois por meio de fotografias. O que esta celebração deixa claro é que o ‘kirchnerismo’ pode ter perdido o poder e sequer controla todo o peronismo, no entanto continua dominando as ruas, enquanto Macri, embora conserve ainda um robusto apoio – se bem que declinante – não tem capacidade de se contrapor nas ruas a esta força da oposição.

A participação de Macri no Te Deum, o único ato a que compareceu na Plaza de Mayo, já de per si especialmente simbólico, uma vez que os Kirchner, por seu anterior enfrentamento com Jorge Bergoglio, atual papa Francisco, quando era arcebispo de Buenos Aires, não acudiam nunca a catedral. Macri volta ali como presidente precisamente quando a Igreja argentina está exercendo grande pressão em virtude da situação provocada pela inflação e o aumento da pobreza. O arcebispo de Buenos Aires, Mario Poli, lançou diante de Macri algumas mensagens veladas, embora nenhuma crítica direta.

Segundo os estudos da Igreja, desde que Macri chegou ao poder emergiu 1,4 milhão de novos pobres. Os informes dos bispos são especialmente duros com o ‘macrismo’. Na Argentina arraiga-se a ideia de que o papa Francisco, de origem peronista, está contra as políticas de Macri. Cada gesto seu ou da Igreja argentina é interpretada neste sentido.

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