Por Javier Lewkowicz, no site Carta Maior:
Os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) começaram nesta segunda-feira (19/9) sua agenda de reuniões em Buenos Aires, para revisar a economia argentina, atendendo o artigo IV do organismo. A última vez que o FMI havia realizado visita similar foi em meados de 2005. Desde então, o kirchnerismo cancelou a dívida do país com a instituição de crédito, e freou as visitas de auditoria para evitar que se amplifique a usina de pensamento ortodoxo que, no passado, trouxe consequências nefastas à economia do país. Em seu afã por recolocar a Argentina no círculo mimado pelo establishment global, o governo aposta em estreitar os laços com o FMI.
“Nesta semana, depois de mais de 10 anos, a Argentina recebe uma missão do FMI, para cumprir com o artigo IV, como ocorre em qualquer país normal. Queremos voltar a ser parte do mundo, acabando assim com o isolamento”, disse o presidente Mauricio Macri, em Nova York, na véspera de seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas. “Estamos reconstruindo a relação com a Argentina”, comentou ou chefe da missão do Fundo, o economista Roberto Cardarelli, após uma reunião que manteve na sede da União Industrial Argentina.
A relação com o FMI não estava totalmente cortada. Na verdade, os técnicos do organismo visitaram a Argentina alumas vezes nos últimos anos, e se reuniram com as que eram então as autoridades do INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina), para analisar as estatísticas oficiais, depois da moção de censura aplicada pelo Fundo contra o novo índice de preços ao consumidor (IPC) e contra o cálculo do PIB apresentados pela Argentina. Entretanto, esta nova visita representa realmente um avanço nas relações entre o país sul-americano e a entidade internacional.
O primeiro efeito de aproximação com o FMI é de naturaleza política. “O Fundo é a expressão da direita no sistema financeiro, um defensor do discurso da ordem econômica. É como um daqueles velhos clubes da elite, que exigiam terno e gravata na entrada. Quem não veste a rigor, usa roupa emprestada, mesmo caindo mal”, ilustrou o economista Arnaldo Bocco. Nesta metáfora, o terno e a gravata é o traje que a auditoria realizada pela missão pretende confeccionar. Bocco foi diretor do Banco Central da Argentina e presidente do Banco de Investimentos e Comércio Exterior (BICE). Também trabalhou como diretor do Banco Ciudad (órgão estatal da cidade de Buenos Aires), sendo um importante crítico das políticas neoliberais de Carlos Menem e Fernando de la Rúa, nos Anos 90. Ele conta uma anedota ilustrativa sobre o rol dos organismos financeiros no país, naquele então: “em 1998, o governo da cidade de Buenos Aires estava nas mãos de Fernando de la Rúa, que contava com o apoio dos organismos financeiros internacionais para a ideia de privatizar o Banco Ciudad. Sendo assim, não seria estranho que o FMI viesse reforçar aquelas ideias que o governo de Macri quer instalar. De qualquer forma, o FMI também tem que ser cuidadoso, porque sofreu um grande desprestígio depois de não ter previsto a crise que levou ao corralito, em 2001”, indicou.
O economista italiano Roberto Cardarelli liderara, durante esta semana, a revisão dos números da economia argentina, a metodologia do novo IPC e do cálculo do PIB, terá encontros com os membros da equipe econômica: Alfonso Prat-Gay (Fazenda), Francisco Cabrera (Produção), Jorge Triaca (Trabalho) e Federico Sturzenegger (Banco Central). Também se reunirá com o secretário da Fazenda, Luis Caputo, e com o diretor do INDEC, Jorge Todesca. A missão será acompanhada pelo economista mexicano Alejandro Werner, diretor do Departamento do FMI para o hemisfério ocidental, até os dias 27 e 28 deste mês, quando será agendado um retorno da missão do organismo, para uma nova revisão.
O governo espera que o informe do FMI tenha um tom amigável, com elogios sobre o pagamento aos fundos abutre, além do levantamento das restrições para a compra de dólares e o fluxo de capitais. Dificilmente se tocará o tema da lavagem de dinheiro, atividade cujo combate vem sendo bem menos intenso do que o prometido pelas novas autoridades. Por sua parte, o FMI deve aproveitar para tirar do armário a velha receita que aplica em todo o mundo, e que consiste na advertência ao governo para que insista no “fortalecimento” da austeridade fiscal, o que significa diminuir o gasto público. Também enfocará o tema da inflação. Os funcionários do Fundo se reunirão também com economistas e dirigentes da oposição. No final de setembro, Werner concluirá sua visita assistindo ao seminário anual da ultraliberal FIEL (Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas).
Como a Argentina não busca um financiamento do Fundo – pelo menos a curto prazo –, as recomendações do organismo terão um caráter meramente simbólico. Para o governo, será apenas um apoio, uma nova voz de legitimação da sua política econômica, de maneira similar ao respaldo obtido pelo mandatário em sua visita ao Fórum Econômico Mundial, em janeiro, quando foi celebrado pelos empresários por suas medidas econômicas neoliberais. Se o FMI insistir na necessidade de cortar mais gastos para melhorar as contas públicas, o Executivo contará com um novo aval para aprofundar esse caminho. A revisão também permitiria que o Fundo levante em novembro a moção de censura que afeta as estatísticas oficiais argentinas.
Em termos estritamente econômicos, o governo sustenta que ao se submeter a esse controle por parte do Fundo, e tendo o aval definitivo às estatísticas oficiais, será possível baixar os custos de financiamento para a Argentina no exterior. A economista Marina dal Poggetto, do Estúdio Bein, explicou, em entrevista ao diário argentino Página/12, que “esta revisão se faz em todos os países, e enquanto não se apele diretamente a um empréstimo por parte do FMI, o informe que a visita produzirá não deveria ter consequências sobre os índices econômicos. Num mundo de taxa de juros zero, a Argentina, em comparação com as economias vizinhas, ainda cobra uma espécie de lastro pelo risco econômico, Esse lastro deve diminuir com o tempo, mas não creio que a revisão tenha algum efeito nisso”. Por sua vez, o economista Arnaldo Bocco considera que a revisão pode destravar algum crédito por parte do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de melhoras nas perspectivas de colocação das reservas do Banco Central argentino nos bancos europeus.
* Artigo publicado no jornal argentino Página/12. Tradução de Victor Farinelli.
“Nesta semana, depois de mais de 10 anos, a Argentina recebe uma missão do FMI, para cumprir com o artigo IV, como ocorre em qualquer país normal. Queremos voltar a ser parte do mundo, acabando assim com o isolamento”, disse o presidente Mauricio Macri, em Nova York, na véspera de seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas. “Estamos reconstruindo a relação com a Argentina”, comentou ou chefe da missão do Fundo, o economista Roberto Cardarelli, após uma reunião que manteve na sede da União Industrial Argentina.
A relação com o FMI não estava totalmente cortada. Na verdade, os técnicos do organismo visitaram a Argentina alumas vezes nos últimos anos, e se reuniram com as que eram então as autoridades do INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina), para analisar as estatísticas oficiais, depois da moção de censura aplicada pelo Fundo contra o novo índice de preços ao consumidor (IPC) e contra o cálculo do PIB apresentados pela Argentina. Entretanto, esta nova visita representa realmente um avanço nas relações entre o país sul-americano e a entidade internacional.
O primeiro efeito de aproximação com o FMI é de naturaleza política. “O Fundo é a expressão da direita no sistema financeiro, um defensor do discurso da ordem econômica. É como um daqueles velhos clubes da elite, que exigiam terno e gravata na entrada. Quem não veste a rigor, usa roupa emprestada, mesmo caindo mal”, ilustrou o economista Arnaldo Bocco. Nesta metáfora, o terno e a gravata é o traje que a auditoria realizada pela missão pretende confeccionar. Bocco foi diretor do Banco Central da Argentina e presidente do Banco de Investimentos e Comércio Exterior (BICE). Também trabalhou como diretor do Banco Ciudad (órgão estatal da cidade de Buenos Aires), sendo um importante crítico das políticas neoliberais de Carlos Menem e Fernando de la Rúa, nos Anos 90. Ele conta uma anedota ilustrativa sobre o rol dos organismos financeiros no país, naquele então: “em 1998, o governo da cidade de Buenos Aires estava nas mãos de Fernando de la Rúa, que contava com o apoio dos organismos financeiros internacionais para a ideia de privatizar o Banco Ciudad. Sendo assim, não seria estranho que o FMI viesse reforçar aquelas ideias que o governo de Macri quer instalar. De qualquer forma, o FMI também tem que ser cuidadoso, porque sofreu um grande desprestígio depois de não ter previsto a crise que levou ao corralito, em 2001”, indicou.
O economista italiano Roberto Cardarelli liderara, durante esta semana, a revisão dos números da economia argentina, a metodologia do novo IPC e do cálculo do PIB, terá encontros com os membros da equipe econômica: Alfonso Prat-Gay (Fazenda), Francisco Cabrera (Produção), Jorge Triaca (Trabalho) e Federico Sturzenegger (Banco Central). Também se reunirá com o secretário da Fazenda, Luis Caputo, e com o diretor do INDEC, Jorge Todesca. A missão será acompanhada pelo economista mexicano Alejandro Werner, diretor do Departamento do FMI para o hemisfério ocidental, até os dias 27 e 28 deste mês, quando será agendado um retorno da missão do organismo, para uma nova revisão.
O governo espera que o informe do FMI tenha um tom amigável, com elogios sobre o pagamento aos fundos abutre, além do levantamento das restrições para a compra de dólares e o fluxo de capitais. Dificilmente se tocará o tema da lavagem de dinheiro, atividade cujo combate vem sendo bem menos intenso do que o prometido pelas novas autoridades. Por sua parte, o FMI deve aproveitar para tirar do armário a velha receita que aplica em todo o mundo, e que consiste na advertência ao governo para que insista no “fortalecimento” da austeridade fiscal, o que significa diminuir o gasto público. Também enfocará o tema da inflação. Os funcionários do Fundo se reunirão também com economistas e dirigentes da oposição. No final de setembro, Werner concluirá sua visita assistindo ao seminário anual da ultraliberal FIEL (Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas).
Como a Argentina não busca um financiamento do Fundo – pelo menos a curto prazo –, as recomendações do organismo terão um caráter meramente simbólico. Para o governo, será apenas um apoio, uma nova voz de legitimação da sua política econômica, de maneira similar ao respaldo obtido pelo mandatário em sua visita ao Fórum Econômico Mundial, em janeiro, quando foi celebrado pelos empresários por suas medidas econômicas neoliberais. Se o FMI insistir na necessidade de cortar mais gastos para melhorar as contas públicas, o Executivo contará com um novo aval para aprofundar esse caminho. A revisão também permitiria que o Fundo levante em novembro a moção de censura que afeta as estatísticas oficiais argentinas.
Em termos estritamente econômicos, o governo sustenta que ao se submeter a esse controle por parte do Fundo, e tendo o aval definitivo às estatísticas oficiais, será possível baixar os custos de financiamento para a Argentina no exterior. A economista Marina dal Poggetto, do Estúdio Bein, explicou, em entrevista ao diário argentino Página/12, que “esta revisão se faz em todos os países, e enquanto não se apele diretamente a um empréstimo por parte do FMI, o informe que a visita produzirá não deveria ter consequências sobre os índices econômicos. Num mundo de taxa de juros zero, a Argentina, em comparação com as economias vizinhas, ainda cobra uma espécie de lastro pelo risco econômico, Esse lastro deve diminuir com o tempo, mas não creio que a revisão tenha algum efeito nisso”. Por sua vez, o economista Arnaldo Bocco considera que a revisão pode destravar algum crédito por parte do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de melhoras nas perspectivas de colocação das reservas do Banco Central argentino nos bancos europeus.
* Artigo publicado no jornal argentino Página/12. Tradução de Victor Farinelli.
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