Por Jaime Sautchuk, no site Vermelho:
Em sua fala da Assembleia da ONU, o presidente golpista Michel Temer disse que a derrubada de Dilma seguiu o rigor da lei e que o País segue no rumo democrático. Não falou, porém, que o golpe continua, pois há uma pedra no meio do caminho, que precisa ser aniquilada. Seu nome é Luiz Inácio da Silva, o Lula.
Nos fez voltar a outro período de exceção, quando o general Ernesto Geisel assumiu a presidência da República, na década de 1970, prometendo a famosa “abertura política”. Mas havia uma pedra no meio do caminho que precisava ser aniquilada. Chamava-se Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK.
A caça a JK começou com a ação golpista de 1964. Quando deixou a presidência da República, em 1961, ele havia sido eleito senador por Goiás. Logo após o golpe, ele fez um contundente discurso no Senado em favor da democracia e teve seu mandato cassado no mesmo dia, sendo privado de todos os direitos políticos.
Ameaçado, se exilou na França, mas voltou ao Brasil no ano seguinte, quando foi preso e severamente interrogado. Em seguida, ele voltou ao exílio, por mais quase um ano, mas regressou ao Brasil meio na marra, por não suportar a vida no exterior.
Aqui, participou da Frente Ampla, movimento pela redemocratização do País, mas, em 1968, na edição do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), foi preso e mantido em um cubículo numa guarnição militar de São Gonçalo (RJ). Com problemas de saúde, teve autorização para ir aos Estados Unidos, onde foi operado e extraiu a próstata. E por lá ficou.
De volta ao Brasil, em 1971, para ver a mãe idosa e doente (ela morreu em seus braços), acabou ficando por aqui. Constantemente vigiado e perseguido, ele precisava de algum lugar onde ficasse visível. Em 3 maio de 1975, foi eleito e assumiu cadeira na Academia Mineira de Letras. Em seguida, se candidatou à Academia Brasileira, com a mesma ideia de busca de um lugar ao sol.
O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, então membro da Academia, escreveu o livro “JK e a Ditadura”, em que fala da possibilidade de vitória dele nessas eleições acadêmicas.
Um trecho:
“Havia um clima favorável nos meios intelectuais, que reconheciam a necessidade de uma reparação ao ostracismo e às perseguições que JK vinha sofrendo. Contudo, logo se armou um esquema poderoso, que envolveria informalmente o próprio governo.”
O Brasil vivia sob o governo do general Geisel, que tinha na sua antessala o poderoso chefe da sua Casa Civil, o general Golbery do Couto e Silva, conhecido pelas jogadas maquiavélicas nos mundos político e militar. Este usou a candidatura do escritor goiano Bernardo Éllis, que entrou de gaiato na disputa pela vaga.
Um dos coordenadores da campanha de JK era o historiador Ronaldo Costa Couto, homem muito ligado ao ex-primeiro-ministro Tancredo Neves. Ele afirma que Bernardo teria sido usado e entrou de gaiato numa disputa que nada tinha a ver com a Academia. Em seu livro “O Essencial de JK”, Costa Couto escreve:
“Verdade que JK teve ajuda de vários acadêmicos, como Josué Montello e Jorge Amado. E também de amigos bem relacionados no meio. Um deles, Renato Archer, avisou que a maior dificuldade não seria o concorrente Élis, mas o governo militar. Se Juscelino vencesse, o financiamento para construção do prédio não sairia.”
O autor se refere a um dinheiro que a Academia estava negociando com o governo federal, para construção de sua sede própria, um prédio de 29 andares no centro do Rio de Janeiro, que foi construído. JK procurou o presidente da entidade à época, o escritor Austregésilo de Athayde, mas este o desaconselhou a se candidatar naquele momento. Sugeriu que aguardasse outra vaga, o que denotava sua posição.
O historiador conta, também, que o escritor Josué Montello, membro da Academia, havia anotado uma afirmação de JK, de quem era partidário:
“De fato, é Golbery que está a se mexer contra mim. Mas estou sereno. Os votos que me foram prometidos me asseguram a vitória.”
Segundo os relatos de Costa Couto, citando várias fontes, Golbery se empenhou pessoalmente na derrota de JK e colocou outros ministros em campo, inclusive o da Educação e Cultura (MEC), Ney Braga. Com um detalhe: dependia do MEC a liberação do dinheiro pra sede da Academia.
Em seu livro, ele publica trechos do diário que JK fazia, em que o ex-presidente escreveu, no dia 2 de setembro de 1975:
“Josué Montello contou que o Ney Braga telefonou-lhe de Brasília pedindo que se mantenha neutro no pleito da Academia. Quer dizer, o governo esposa a candidatura de Bernardo, o comunista.”
Foram quatro meses de campanha. E chegou, enfim, o dia das eleições, 23 de outubro de 1975. O clima estava acirrado, algo nunca antes vivenciado na Academia. Foram necessários três escrutínios para se obter um resultado. No primeiro, deu empate: 19 a 19. No segundo, JK ganhou por 19 a 18, mas não levou, porque faltou um voto pra maioria absoluta. E, no terceiro, Bernardo ganhou por 20 a 18, numa apuração nervosa e tumultuada.
JK e Bernardo souberam do resultado por telefonemas. JK estava na casa de sua filha Maria Estela. Carlos Cony conta que ele desligou o telefone, pediu a ela que colocasse uma música no toca-discos e a chamou pra dançar.
Contudo, no mesmo dia, ele deixaria registrado em seu diário o seu real sentimento:
“Estou pulverizado por dentro. Pus muita fé na minha eleição. Desejava-a ardentemente, o prestígio que compensasse os imensos dissabores de 1964... Nunca imaginei que uma derrota pudesse me ferir tanto.”
Entretanto, no dia da posse, de modo elegante, lá estava o JK entre os convidados, com jeito sereno e alegre, que chamou a atenção dos demais. Logo ao chegar, caminhou até onde Bernardo estava e o cumprimentou efusivamente. E foi aplaudido de pé por todo os presentes.
Menos de um ano depois, JK morreu no rumoroso acidente automobilístico na Via Dutra, entre São Paulo e Rio.
Em sua fala da Assembleia da ONU, o presidente golpista Michel Temer disse que a derrubada de Dilma seguiu o rigor da lei e que o País segue no rumo democrático. Não falou, porém, que o golpe continua, pois há uma pedra no meio do caminho, que precisa ser aniquilada. Seu nome é Luiz Inácio da Silva, o Lula.
Nos fez voltar a outro período de exceção, quando o general Ernesto Geisel assumiu a presidência da República, na década de 1970, prometendo a famosa “abertura política”. Mas havia uma pedra no meio do caminho que precisava ser aniquilada. Chamava-se Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK.
A caça a JK começou com a ação golpista de 1964. Quando deixou a presidência da República, em 1961, ele havia sido eleito senador por Goiás. Logo após o golpe, ele fez um contundente discurso no Senado em favor da democracia e teve seu mandato cassado no mesmo dia, sendo privado de todos os direitos políticos.
Ameaçado, se exilou na França, mas voltou ao Brasil no ano seguinte, quando foi preso e severamente interrogado. Em seguida, ele voltou ao exílio, por mais quase um ano, mas regressou ao Brasil meio na marra, por não suportar a vida no exterior.
Aqui, participou da Frente Ampla, movimento pela redemocratização do País, mas, em 1968, na edição do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), foi preso e mantido em um cubículo numa guarnição militar de São Gonçalo (RJ). Com problemas de saúde, teve autorização para ir aos Estados Unidos, onde foi operado e extraiu a próstata. E por lá ficou.
De volta ao Brasil, em 1971, para ver a mãe idosa e doente (ela morreu em seus braços), acabou ficando por aqui. Constantemente vigiado e perseguido, ele precisava de algum lugar onde ficasse visível. Em 3 maio de 1975, foi eleito e assumiu cadeira na Academia Mineira de Letras. Em seguida, se candidatou à Academia Brasileira, com a mesma ideia de busca de um lugar ao sol.
O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, então membro da Academia, escreveu o livro “JK e a Ditadura”, em que fala da possibilidade de vitória dele nessas eleições acadêmicas.
Um trecho:
“Havia um clima favorável nos meios intelectuais, que reconheciam a necessidade de uma reparação ao ostracismo e às perseguições que JK vinha sofrendo. Contudo, logo se armou um esquema poderoso, que envolveria informalmente o próprio governo.”
O Brasil vivia sob o governo do general Geisel, que tinha na sua antessala o poderoso chefe da sua Casa Civil, o general Golbery do Couto e Silva, conhecido pelas jogadas maquiavélicas nos mundos político e militar. Este usou a candidatura do escritor goiano Bernardo Éllis, que entrou de gaiato na disputa pela vaga.
Um dos coordenadores da campanha de JK era o historiador Ronaldo Costa Couto, homem muito ligado ao ex-primeiro-ministro Tancredo Neves. Ele afirma que Bernardo teria sido usado e entrou de gaiato numa disputa que nada tinha a ver com a Academia. Em seu livro “O Essencial de JK”, Costa Couto escreve:
“Verdade que JK teve ajuda de vários acadêmicos, como Josué Montello e Jorge Amado. E também de amigos bem relacionados no meio. Um deles, Renato Archer, avisou que a maior dificuldade não seria o concorrente Élis, mas o governo militar. Se Juscelino vencesse, o financiamento para construção do prédio não sairia.”
O autor se refere a um dinheiro que a Academia estava negociando com o governo federal, para construção de sua sede própria, um prédio de 29 andares no centro do Rio de Janeiro, que foi construído. JK procurou o presidente da entidade à época, o escritor Austregésilo de Athayde, mas este o desaconselhou a se candidatar naquele momento. Sugeriu que aguardasse outra vaga, o que denotava sua posição.
O historiador conta, também, que o escritor Josué Montello, membro da Academia, havia anotado uma afirmação de JK, de quem era partidário:
“De fato, é Golbery que está a se mexer contra mim. Mas estou sereno. Os votos que me foram prometidos me asseguram a vitória.”
Segundo os relatos de Costa Couto, citando várias fontes, Golbery se empenhou pessoalmente na derrota de JK e colocou outros ministros em campo, inclusive o da Educação e Cultura (MEC), Ney Braga. Com um detalhe: dependia do MEC a liberação do dinheiro pra sede da Academia.
Em seu livro, ele publica trechos do diário que JK fazia, em que o ex-presidente escreveu, no dia 2 de setembro de 1975:
“Josué Montello contou que o Ney Braga telefonou-lhe de Brasília pedindo que se mantenha neutro no pleito da Academia. Quer dizer, o governo esposa a candidatura de Bernardo, o comunista.”
Foram quatro meses de campanha. E chegou, enfim, o dia das eleições, 23 de outubro de 1975. O clima estava acirrado, algo nunca antes vivenciado na Academia. Foram necessários três escrutínios para se obter um resultado. No primeiro, deu empate: 19 a 19. No segundo, JK ganhou por 19 a 18, mas não levou, porque faltou um voto pra maioria absoluta. E, no terceiro, Bernardo ganhou por 20 a 18, numa apuração nervosa e tumultuada.
JK e Bernardo souberam do resultado por telefonemas. JK estava na casa de sua filha Maria Estela. Carlos Cony conta que ele desligou o telefone, pediu a ela que colocasse uma música no toca-discos e a chamou pra dançar.
Contudo, no mesmo dia, ele deixaria registrado em seu diário o seu real sentimento:
“Estou pulverizado por dentro. Pus muita fé na minha eleição. Desejava-a ardentemente, o prestígio que compensasse os imensos dissabores de 1964... Nunca imaginei que uma derrota pudesse me ferir tanto.”
Entretanto, no dia da posse, de modo elegante, lá estava o JK entre os convidados, com jeito sereno e alegre, que chamou a atenção dos demais. Logo ao chegar, caminhou até onde Bernardo estava e o cumprimentou efusivamente. E foi aplaudido de pé por todo os presentes.
Menos de um ano depois, JK morreu no rumoroso acidente automobilístico na Via Dutra, entre São Paulo e Rio.
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