Eduardo Cunha parece estar colérico, furioso. Não com o “justiceiro”
Sergio Moro, que na sua obsessão doentia contra o ex-presidente Lula até agora
nunca incomodou o milionário correntista suíço e nem a sua mulher, Cláudia
Cruz. Sua bronca é contra os “traidores, hipócritas e frouxos” que o
abandonaram na votação da sua cassação na Câmara Federal, que durou longos onze
meses, e também contra os “oportunistas” que o abandonaram após a concretização
do “golpe dos corruptos” que depôs a presidenta Dilma. Nesta quarta-feira (21),
numa entrevista à Rádio Correio, da Paraíba, o ex-presidente da “assembleia de
bandidos” soltou os cachorros e mostrou que, de fato, pode implodir o covil
golpista de Michel Temer.
Na entrevista, Eduardo Cunha também afirmou que a sua cassação
teve a participação direta de Michel Temer. Segundo garantiu, o Judas atuou
para eleger o novo presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com o
objetivo de cassá-lo. “Quando perguntado se o presidente o teme, Cunha preferiu
apontar a ‘covardia’ do governo no seu processo. E desconversou. ‘Não sou
aliado nem adversário de quem quer que seja’, disse Cunha sobre a sua relação atual
com o presidente. Ele voltou a citar Moreira Franco, secretário do governo
encarregado do processo de concessões de infraestrutura, e disse que o programa
‘já nasce sob suspeição’... Cunha confirmou que está escrevendo um livro, já
com o nome provisório de ‘Impeachment’, a ser lançado em dezembro”.
A postura colérica do ex-aliado de Michel Temer gera
preocupações na mídia chapa-branca, que apoiou o “golpe dos corruptos” e que
agora negocia anúncios publicitários com o governo federal. O site da revista
Época, da famiglia Marinho, postou uma matéria nesta quarta-feira (21) que evidencia
o grau de tensão. Intitulada “Um fantasma para o governo Temer”, a reportagem
confirma que o lobista está furioso. “O cassado Eduardo Cunha considera-se
traído. Ele usará a sua memória como uma ameaça sobre o Palácio do Planalto”,
afirma o jornalista-jagunço Diego Escosteguy. Vale conferir a “reporcagem”
reveladora:
*****
No domingo à noite (11), o presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia, do Democratas do Rio de Janeiro, pediu uma pizza para
jantar com parlamentares e ministros na espaçosa residência oficial, às margens
do Lago Paranoá. Era a véspera da sessão mais importante de seu mandato e,
talvez, do governo de Michel Temer, na qual se votaria o destino do
ex-presidente da Casa Eduardo
Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro. Acusado de mentir à CPI da Petrobras sobre
contas no exterior, Cunha, o outrora homem mais poderoso da Câmara, poderia
terminar cassado, destituído do mandato e entregue à classe comum no
Judiciário.
Enquanto a pizza transcorria, Cunha estava reunido com os
poucos aliados que ainda lhe restavam em outro canto da cidade, no escritório
de seu advogado, Renato Ramos. Por volta da meia-noite, os deputados Aguinaldo
Ribeiro, do PP da Paraíba, e Arthur Lira, do PP de Alagoas, saíram do bunker de
Cunha e foram à casa de Maia. Lá encontraram o ministro da Secretaria-Geral de
Governo, Geddel Vieira Lima, e o secretário Moreira Franco, dois dos principais
assessores de Temer.
“Como será amanhã? Vai ser 400 ou 420?”, a dupla perguntou a
Maia, em referência ao número de deputados presentes que seria exigido por ele
para realizar a sessão capital para Cunha. “Vai ser 420”, disse Rodrigo. Mas a
frase seguinte foi a que desencadeou as reações que tomariam toda a semana e
cujas consequências podem repercutir ainda por meses a fio. “Mas, se não for na
segunda, na terça será até com 300. A gente vai resolver esse assunto nesta
semana.” Em miúdos, se não houvesse 400 ou 420 deputados na Câmara na
segunda-feira (12), Rodrigo faria a votação no dia seguinte, com menos
deputados, ou seja, submeteria Cunha a julgamento a qualquer preço.
A decisão fora tomada horas antes. Nos dias anteriores, o
Palácio do Planalto percebera o aumento da pressão pela cassação de Cunha pelas
enquetes publicadas nos jornais. A opinião pública caminhava no sentido oposto
do governo – que, até ali, dera um apoio discretíssimo a Cunha. No domingo à
tarde, convocado pelo presidente, Rodrigo Maia estivera no Palácio do Jaburu.
Temer pedira a ele que resolvesse a questão naquela semana. Quando disse a
frase a Aguinaldo e Arthur, Maia repetia uma ordem do presidente da República.
Aguinaldo e Arthur saíram da casa e foram ao escritório
relatar tudo a Cunha. Era óbvio a todos que Rodrigo agia com o aval do
Planalto. Eduardo Cunha ficou furioso. Ato contínuo, Cunha começou a mandar
mensagens aos que estavam no jantar na casa de Rodrigo Maia e a ministros do
Palácio. Nos textos dizia que os comensais dividiam o jantar comemorativo de
sua cassação, que destruiria Moreira Franco – que acredita ser o mentor de
Maia, seu genro – e que tinha sido traído. O veneno para o caos havia sido
liberado. A traição mencionada por Cunha vem de um acordo celebrado na eleição
de Rodrigo, em julho.
Na ocasião, Cunha e Temer acordaram que Maia marcaria a
votação do pedido de cassação para setembro, em meio à campanha eleitoral, com
exigência de um quórum alto, de 400 a 420 deputados, algo difícil de atingir
até em tempos normais, quiçá em meio à campanha eleitoral. A discordância é que
Cunha, dono de uma memória prodigiosa, diz não se lembrar do acordo nesses
moldes. Em sua lembrança, ficara acertado que a votação permitiria a
apresentação de destaques – e um deles adiaria a sessão para novembro, depois
das eleições, quando acreditava ter mais chances de escapar. Ninguém, além
dele, se lembra disso.
Eduardo Cunha foi mais longe em sua ira. Mandou um
recado a Temer: se fosse cassado, diria publicamente que o impeachment
realmente foi um golpe – como diz a versão massificada pelo PT – e que Temer
estivera empenhado nele desde o início. Cunha havia cruzado um limite além do
tolerável. Na segunda-feira (12), o Palácio do Planalto passou a trabalhar
decisivamente contra Eduardo Cunha. Líderes partidários foram orientados a
liberar suas bancadas para votarem como quisessem, a senha para cassar Cunha. O
ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, liberou a bancada do PSD.
Ao saber que Rodrigo Maia se encontrara novamente com Temer
durante a tarde da segunda-feira, Cunha percebeu que sua queda era iminente.
Rodrigo Maia iniciou a sessão pouco depois das 19 horas, como combinado. A
mudança de orientação do Planalto ficou clara. Rodrigo havia combinado com
Temer e Cunha esperar pelo quórum por uma hora – se o número não fosse
atingido, a sessão seria encerrada. Mas não o fez: sustentou a sessão por mais
de três horas, até que o número fosse alcançado.
O Eduardo Cunha que foi ao plenário defender-se era muito
diferente do deputado que controlou o plenário como ninguém. O homem frio,
senhor de todos os ritos e mestre das manobras regimentais estava nervoso.
Sabia que estava condenado. Às 23h50, quando Rodrigo Maia abriu a votação,
ninguém acreditava que o quórum de quase 470 deputados teria sido atingido sem
o incentivo do Planalto. Não havia dúvidas do final, apenas em torno da
extensão do placar. Às 23h58, Rodrigo Maia proclamou o resultado de 450 votos
favoráveis à cassação, 10 contra e nove abstenções.
“Eu cometi muitos erros”, disse Cunha, após acompanhar a
votação no plenário. “Mas não foram meus erros que levaram a minha cassação. Foi
a política.” Ao lado de Cunha ficaram poucos. Um deles foi o líder do governo, André
Moura, do PSC de Sergipe, que lhe deve o cargo. Arthur Lira, um dos emissários
à pizza de Rodrigo Maia no dia anterior, também figurou entre os que votaram
contra; o outro, Aguinaldo Ribeiro, votou pela cassação. Fora uma votação
acachapante. Eduardo Cunha não apenas fora cassado, fora humilhado. Temer
permitira que o homem que o levou ao poder fosse destruído.
Nas horas seguintes, preocupado, o governo monitorou o humor
de Cunha por meio do ministro Geddel Vieira Lima. Nos dias seguintes à
cassação, auxiliares próximos de Temer distribuíram o raciocínio que o governo
se livrara de seu principal problema e poderia concentrar suas forças na
aprovação da reforma da Previdência e outros temas, na Câmara. A ideia vale
para o curto prazo, pois Temer deixa de ser associado a um parlamentar acusado
de diversos crimes, com imagem pública ruim. No médio e longo prazo, no
entanto, o governo perde em capacidade de se articular na Câmara.
Cunha era o amálgama a unir o centrão, o bloco fisiológico
de parlamentares que, com senso de oportunidade aguçadíssimo, já se aproxima da
oposição para ter força de negociação com Temer. A aparente tranquilidade
esconde também uma apreensão que é grande – e será duradoura – em torno de
assuntos inconfessáveis. Cunha sempre foi próximo de Temer. Investigado pela
Lava Jato, réu em três inquéritos, ele será um fantasma ameaçador para a gestão
Temer pelo que sabe em relação ao petrolão, no qual o PMDB era sócio
minoritário do PT no processo de dilapidação da Petrobras.
O processo de impeachment deu uma mostra bem-acabada de que
Eduardo Cunha age munido de estratégia. Sua queda não é diferente. Ele fez
questão de divulgar que escreve um livro sobre o processo deimpeachment. Não se
trata de um blefe. Cunha realmente já tem alguns capítulos escritos e pretende
lançar a obra ainda neste ano. Um de seus aliados, o deputado Paulo Pereira da
Silva, do Solidariedade de São Paulo, já lhe abriu as portas em uma editora,
disposta a publicar a obra. Cunha não tem mais o poder advindo da cadeira de
presidente da Câmara. Mas tem um arquivo bastante extenso do que fez e do que
outros fizeram. Consegue, com isso, produzir instabilidade ou negociar
ajuda. A alternativa ao livro é um acordo de delação premiada, caso seja
preso.
Afastado da presidência da Câmara pelo Supremo Tribunal
Federal em maio, por causa das acusações feitas pela Operação Lava Jato e
por sua agressiva movimentação regimental para evitar a perda do cargo, Eduardo
Cunha nunca aceitou bem a perda do poder. Nutria desconfiança em relação ao
Palácio do Planalto e a seu sucessor, Rodrigo Maia. Cunha e Maia nunca tiveram
uma boa relação. Cunha impediu Maia de realizar o desejo de ser relator da
comissão especial do impeachment, para evitar a contaminação do processo, visto
que ele era um parlamentar do DEM. Também não permitiu que Maia fosse líder do
governo; entregou o cargo a André Moura.
Por fim, articulou contra ele na eleição para presidente da
Câmara, apoiando Rogério Rosso. Só perdeu essa. A partir do momento em que Maia
se tornou seu sucessor, em julho, as coisas pioraram: Cunha percebia Maia como
uma espécie de usurpador, inclusive por ocupar a residência que lhe cabia e que
ele teve de abandonar por um apartamento funcional de um deputado comum. Assim,
a reunião da pizza na casa que considera sua, no domingo, despertou uma ira
especial em Cunha. Ele considera que Maia é teleguiado por Moreira Franco.
Alimenta a tese que Maia quer se livrar de Michel Temer para assumir a
Presidência da República.
Desprovido do mandato, Eduardo Cunha perdeu também a
prerrogativa de que os inquéritos e processos que o atingem sejam conduzidos
apenas pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro Teori Zavascki, relator
das ações da Lava Jato, já enviou a Curitiba e ao Rio de Janeiro procedimentos
sobre o ex-deputado. Cunha está, assim, exposto à Justiça comum, ao juiz
federal Sergio Moro, que já cuida do processo contra sua mulher, Cláudia
Cruz, e sua filha. Medidas cautelares, como a prisão, não estão no roteiro no
momento, a não ser que o réu tome alguma atitude intempestiva, como tentar
bloquear as investigações ou coagir testemunhas. Eduardo Cunha é imprevisível.
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