Por Ruivo Lopes, no jornal Brasil de Fato:
Não só Manaus, como também o Brasil e o mundo, sabiam que o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), o maior do estado e em condições desumanas, era um barril de pólvora prestes a explodir. A tragédia, que deixou ao menos 60 presos mortos - decapitados e mutilados -, era anunciada. Não é de hoje que os presídios brasileiros estão entre as piores instituições de privação de liberdade do mundo. Um verdadeiro inferno na Terra!
Há décadas, todos os anos, organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos criticam o sistema prisional brasileiro, o aumento vertiginoso do encarceramento em massa, as péssimas condições das instituições dos presídios e as práticas sistemáticas de tortura, maus tratos e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
É inaceitável, negligente e, portanto, criminosa a narrativa de que presos organizados em grupos dominem, rivalizem e promovam tantas mortes horríveis no seio de instituições inertes que pertencem ao sistema de Justiça e Segurança Pública brasileiros. Ninguém é inocente quando pessoas cumprindo pena sob a guarda do Estado - em qualquer circunstâncias - tem a sua dignidade humana brutalmente atacada.
Admitir que pessoas presas em condições desumanas e degradantes, que são regra nos presídios brasileiros, tem o controle das unidades é admitir a falência do Estado. Instituições de privação de liberdade são instituições totais e disciplinares, como diria Foucault, mas para o secretário de Segurança do Amazonas, que afirmou numa entrevista que, apesar do massacre, a situação já estava "sob controle", isso parece conveniência.
O sistema de Justiça, por pior e seletivo que seja - pessoas negras e pobres são regra nos presídios brasileiros -, deveria ser um anteparo da barbárie. É o sistema de Justiça que deveria exercer o controle sobre as unidades prisionais como previsto na Constituição, na Lei de Execuções Penais e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Brasil. Quando negligente, o Estado brasileiro passa também a ser conivente com a barbárie e, portanto, também comete crime de responsabilidade.
Um juiz que participou da negociação com os presos para convencê-los a terminar a rebelião, disse, na ocasião, que nunca tinha visto nada parecido em sua vida, referindo-se aos corpos mutilados encontrados no presídio. Ora, no momento da rebelião, havia no presídio 1.224 pessoas presas, embora a lotação seja de 454. O juiz ainda não tinha visto, comunicado e alertado sobre a superlotação, como manda a Lei, causa de inúmeras rebeliões nos presídios brasileiros?
Desde o massacre de ao menos 111 pessoas presas, no extinto Carandiru, em 1992, em São Paulo, sucessivos governos fracassam e negligenciam o tratamento dado às pessoas presas no Brasil. Em 2002, 27 pessoas foram mortas no presídio Urso Branco, em Rondônia; em 2004, mais 30 mortos no presídio Benfica, no Rio de Janeiro; e em 2013, mais 13 mortos em Pedrinhas, no Maranhão. Agora, ao menos mais 60, em Manaus.
Enquanto o Judiciário parece determinar prisões e penas a atacado, o número de pessoas presas no Brasil só tem aumentado contando atualmente com 656 mil pessoas presas. E os números não param de crescer ano a ano, chamando atenção de organizações de defesa dos direitos humanos que pedem pelo fim do encarceramento em massa no País.
Cada vez mais entorpecida por um sentimento de vingança, a sociedade brasileira parece anestesiada diante da gravidade de que em se tratando de mortes que ocorreram sob a guarda do Estado, ela também é responsável. Confundindo justiça com vingança, legitima e retroalimenta sua participação na barbárie.
Não importa os crimes que cometeram. Quando uma pessoa cumpre pena num presídio ela deve ter sua dignidade respeitada e protegida conforme a Lei. Não permitir a vingança é a melhor lição que o Estado e, portanto, a sociedade, pode oferecer às pessoa presas.
Não se sabe quando, aonde nem quantos mais mortos em presídios brasileiros poderão vir na sequência. Enquanto o respeito aos direitos humanos não for realidade nos presídios e a Justiça brasileira não promover o desencarceramento em massa, a marcha fúnebre, infelizmente, prosseguirá!
* Ruivo Lopes é educador, pedagogo e defensor dos direitos humanos.
Há décadas, todos os anos, organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos criticam o sistema prisional brasileiro, o aumento vertiginoso do encarceramento em massa, as péssimas condições das instituições dos presídios e as práticas sistemáticas de tortura, maus tratos e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
É inaceitável, negligente e, portanto, criminosa a narrativa de que presos organizados em grupos dominem, rivalizem e promovam tantas mortes horríveis no seio de instituições inertes que pertencem ao sistema de Justiça e Segurança Pública brasileiros. Ninguém é inocente quando pessoas cumprindo pena sob a guarda do Estado - em qualquer circunstâncias - tem a sua dignidade humana brutalmente atacada.
Admitir que pessoas presas em condições desumanas e degradantes, que são regra nos presídios brasileiros, tem o controle das unidades é admitir a falência do Estado. Instituições de privação de liberdade são instituições totais e disciplinares, como diria Foucault, mas para o secretário de Segurança do Amazonas, que afirmou numa entrevista que, apesar do massacre, a situação já estava "sob controle", isso parece conveniência.
O sistema de Justiça, por pior e seletivo que seja - pessoas negras e pobres são regra nos presídios brasileiros -, deveria ser um anteparo da barbárie. É o sistema de Justiça que deveria exercer o controle sobre as unidades prisionais como previsto na Constituição, na Lei de Execuções Penais e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Brasil. Quando negligente, o Estado brasileiro passa também a ser conivente com a barbárie e, portanto, também comete crime de responsabilidade.
Um juiz que participou da negociação com os presos para convencê-los a terminar a rebelião, disse, na ocasião, que nunca tinha visto nada parecido em sua vida, referindo-se aos corpos mutilados encontrados no presídio. Ora, no momento da rebelião, havia no presídio 1.224 pessoas presas, embora a lotação seja de 454. O juiz ainda não tinha visto, comunicado e alertado sobre a superlotação, como manda a Lei, causa de inúmeras rebeliões nos presídios brasileiros?
Desde o massacre de ao menos 111 pessoas presas, no extinto Carandiru, em 1992, em São Paulo, sucessivos governos fracassam e negligenciam o tratamento dado às pessoas presas no Brasil. Em 2002, 27 pessoas foram mortas no presídio Urso Branco, em Rondônia; em 2004, mais 30 mortos no presídio Benfica, no Rio de Janeiro; e em 2013, mais 13 mortos em Pedrinhas, no Maranhão. Agora, ao menos mais 60, em Manaus.
Enquanto o Judiciário parece determinar prisões e penas a atacado, o número de pessoas presas no Brasil só tem aumentado contando atualmente com 656 mil pessoas presas. E os números não param de crescer ano a ano, chamando atenção de organizações de defesa dos direitos humanos que pedem pelo fim do encarceramento em massa no País.
Cada vez mais entorpecida por um sentimento de vingança, a sociedade brasileira parece anestesiada diante da gravidade de que em se tratando de mortes que ocorreram sob a guarda do Estado, ela também é responsável. Confundindo justiça com vingança, legitima e retroalimenta sua participação na barbárie.
Não importa os crimes que cometeram. Quando uma pessoa cumpre pena num presídio ela deve ter sua dignidade respeitada e protegida conforme a Lei. Não permitir a vingança é a melhor lição que o Estado e, portanto, a sociedade, pode oferecer às pessoa presas.
Não se sabe quando, aonde nem quantos mais mortos em presídios brasileiros poderão vir na sequência. Enquanto o respeito aos direitos humanos não for realidade nos presídios e a Justiça brasileira não promover o desencarceramento em massa, a marcha fúnebre, infelizmente, prosseguirá!
* Ruivo Lopes é educador, pedagogo e defensor dos direitos humanos.
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