Por Rubén Armendáriz, no site Carta Maior:
Pela primeira vez desde 2006, uma cúpula presidencial do Mercado Comum do Sul (Mercosul) não estará acompanhada pelo tradicional evento paralelo oficial dedicado a temas sociais, com a participação dos ministros dessas áreas, por decisão do país que exerce a presidência pro tempore, a Argentina – obviamente apoiada pelos demais membros.
Na próxima sexta-feira, dia 21 de julho, o Hotel Intercontinental da cidade de Mendoza receberá Michel Temer, o presidente de facto do Brasil, país que assumirá a presidência pro tempore do organismo que suspendeu a Venezuela e ficou reduzido ao tridente de presidentes conservadores – o argentino Mauricio Macri, o paraguaio Rodolfo Cartes, e o próprio Temer – e um quarto (o uruguaio Tabaré Vásquez) que embora eleito por uma coalizão de esquerda não tem força para se desmarcar da tendência seguida por seus pares.
A cúpula de chefes de Estado será precedida por mesas de discussão – nas quais participarão funcionários governamentais de menor hierarquia – sobre a integração entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, e se fará uma avaliação dos avanços para se chegar ao esperado acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que tem enfrentado certa oposição nos últimos meses.
O prato principal do encontro será servido no dia anterior, quando a Faculdade de Artes e Desenho da Universidade de Cuyo, no Parque Independência da mesma cidade de Mendoza, será sede da Cúpula dos Povos, um evento convocado pelas organizações sociais, a partir do desprezo recebido pelas mesmas por parte dos presidentes.
Organizações políticas, sociais, culturais e sindicais dos países da região – do Caribe até a Patagônia – trabalhadores, camponeses, indígenas, jovens, intelectuais e idosos, pessoas de todos os setores sociais, de todos os âmbitos, mulheres e homens amantes da paz se reunirão para fazer com que a voz de todos os povos seja ouvida, num forte grito contra as políticas neoliberais e antipopulares de alguns governos da região.
O texto da convocatória lembra que “esses governos de ideário neoliberal tentam reverter os avanços socioeconômicos e trabalhistas alcançados na última década. Seu discurso está cheio de palavras vazias e o pior é que suas políticas perpetuam um modelo que torna os nossos países cada vez mais miseráveis e injustos”.
Neste contexto, os Estados Unidos não abandona sua estratégia de dominação geopolítica, e tenta por todos os meios reafirmar sua hegemonia no continente, com tratados de livre comércio bilaterais ou regionais, “assistência” técnico-militar, desestabilização de governos eleitos democraticamente, bloqueios econômicos (contra Cuba e Venezuela) golpes de Estado parlamentares (como em Honduras, no Paraguai e no Brasil), ingerência e ameaças de intervenção militar (na Venezuela), pretendendo inclusive impor sua política interna de “segurança nacional” em toda a região.
Diante disso, a Cúpula dos Povos analisará a construção da soberania regional no contexto global, o que significa dizer não ao endividamento, à entrega dos recursos naturais, à ingerência estrangeira em nossa região e às diversas formas de colonialismo. Se trata da construção de uma região política, econômica e culturalmente soberana.
Ainda assim, também será avaliada uma possível conformação de uma nova institucionalidade, dedicada a enfrentar o neoliberalismo, além de analisar o estado da democracia na América do Sul, o que supõe um debate acerca dos limites da institucionalidade e as alternativas para uma nova, em sintonia com um projeto emancipatório para os nossos países e para a região como um todo.
Preocupados pelo fato de o Mercosul e os governos que o conformam terem reorientado o projeto de integração regional, na direção de um modelo de dependência baseado exclusivamente nos tratados de livre comércio, (entre eles o badalado acordo Mercosul – União Europeia), funcional ao capital transnacional e contrária a qualquer possibilidade de desenvolvimento autônomo e inclusivo, a Cúpula dos Povos promoverá um debate sobre a importância da inserção econômica internacional para uma real independência dos países.
Após uma análise ampla da situação dos movimentos sociais e a necessidade de defender os direitos conquistados, se faz necessário revisar as formas de organização do campo popular e regional. Ainda assim, será realizado também um encontro com os parlamentares do Mercosul, e se entregará um documento ao presidente boliviano Evo Morales, para que ele o apresente aos mandatários do Mercosul. A Bolívia é um membro associado ao Mercosul e seu ingresso como membro pleno do grupo tem sido bloqueado até agora.
O Foro de Montevidéu como memória para a Cúpula dos Povos
Na próxima sexta-feira, dia 21 de julho, o Hotel Intercontinental da cidade de Mendoza receberá Michel Temer, o presidente de facto do Brasil, país que assumirá a presidência pro tempore do organismo que suspendeu a Venezuela e ficou reduzido ao tridente de presidentes conservadores – o argentino Mauricio Macri, o paraguaio Rodolfo Cartes, e o próprio Temer – e um quarto (o uruguaio Tabaré Vásquez) que embora eleito por uma coalizão de esquerda não tem força para se desmarcar da tendência seguida por seus pares.
A cúpula de chefes de Estado será precedida por mesas de discussão – nas quais participarão funcionários governamentais de menor hierarquia – sobre a integração entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, e se fará uma avaliação dos avanços para se chegar ao esperado acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que tem enfrentado certa oposição nos últimos meses.
O prato principal do encontro será servido no dia anterior, quando a Faculdade de Artes e Desenho da Universidade de Cuyo, no Parque Independência da mesma cidade de Mendoza, será sede da Cúpula dos Povos, um evento convocado pelas organizações sociais, a partir do desprezo recebido pelas mesmas por parte dos presidentes.
Organizações políticas, sociais, culturais e sindicais dos países da região – do Caribe até a Patagônia – trabalhadores, camponeses, indígenas, jovens, intelectuais e idosos, pessoas de todos os setores sociais, de todos os âmbitos, mulheres e homens amantes da paz se reunirão para fazer com que a voz de todos os povos seja ouvida, num forte grito contra as políticas neoliberais e antipopulares de alguns governos da região.
O texto da convocatória lembra que “esses governos de ideário neoliberal tentam reverter os avanços socioeconômicos e trabalhistas alcançados na última década. Seu discurso está cheio de palavras vazias e o pior é que suas políticas perpetuam um modelo que torna os nossos países cada vez mais miseráveis e injustos”.
Neste contexto, os Estados Unidos não abandona sua estratégia de dominação geopolítica, e tenta por todos os meios reafirmar sua hegemonia no continente, com tratados de livre comércio bilaterais ou regionais, “assistência” técnico-militar, desestabilização de governos eleitos democraticamente, bloqueios econômicos (contra Cuba e Venezuela) golpes de Estado parlamentares (como em Honduras, no Paraguai e no Brasil), ingerência e ameaças de intervenção militar (na Venezuela), pretendendo inclusive impor sua política interna de “segurança nacional” em toda a região.
Diante disso, a Cúpula dos Povos analisará a construção da soberania regional no contexto global, o que significa dizer não ao endividamento, à entrega dos recursos naturais, à ingerência estrangeira em nossa região e às diversas formas de colonialismo. Se trata da construção de uma região política, econômica e culturalmente soberana.
Ainda assim, também será avaliada uma possível conformação de uma nova institucionalidade, dedicada a enfrentar o neoliberalismo, além de analisar o estado da democracia na América do Sul, o que supõe um debate acerca dos limites da institucionalidade e as alternativas para uma nova, em sintonia com um projeto emancipatório para os nossos países e para a região como um todo.
Preocupados pelo fato de o Mercosul e os governos que o conformam terem reorientado o projeto de integração regional, na direção de um modelo de dependência baseado exclusivamente nos tratados de livre comércio, (entre eles o badalado acordo Mercosul – União Europeia), funcional ao capital transnacional e contrária a qualquer possibilidade de desenvolvimento autônomo e inclusivo, a Cúpula dos Povos promoverá um debate sobre a importância da inserção econômica internacional para uma real independência dos países.
Após uma análise ampla da situação dos movimentos sociais e a necessidade de defender os direitos conquistados, se faz necessário revisar as formas de organização do campo popular e regional. Ainda assim, será realizado também um encontro com os parlamentares do Mercosul, e se entregará um documento ao presidente boliviano Evo Morales, para que ele o apresente aos mandatários do Mercosul. A Bolívia é um membro associado ao Mercosul e seu ingresso como membro pleno do grupo tem sido bloqueado até agora.
O Foro de Montevidéu como memória para a Cúpula dos Povos
Recentemente, o Foro sobre o Futuro da Integração (realizado em Montevidéu, em junho de 2017), contou com a participação de parlamentares, sindicalistas, empresários, acadêmicos, trabalhadores, camponeses e estudantes, deixando algumas preocupações que certamente serão debatidas também na Cúpula Social de Mendoza.
O Foro destacou que os projetos de integração devem favorecer a participação popular, devem ser reconhecidos e identificados pelas bases sociais, também reconhecer a soberania em seu sentido mais nobre, o da vontade popular. Atualmente, nos encontramos num momento onde a tendência é o desmantelamento da participação social no Mercosul e na Unasul, e essa situação deve ser enfrentada.
O evento também discutiu o fato de que a participação popular vem sendo privatizada pelos grupos de interesse, por uma mal chamada sociedade civil (fundações e ONGs) que visam apenas legitimar a saída de cena do Estado e da política como instrumento de transformação, para o estabelecimento da ordem ditada pelo mercado, e do papel deste como orientador dos destinos dos nossos países, para transformar nossa região numa zona de livre comércio funcional aos interesses do capital transnacional.
Se destacou também que os governo e organismos de integração vinham prestando mais atenção em movimentos alinhados a determinados governos, com suas participações nas cúpulas sociais sendo mediadas pelas chancelarias. Houve encontros de dirigentes de certos movimentos, mas não mobilizações ou participação do público em geral, com o fim comum de cimentar a integração política, econômica, cultural e social.
Foi feito um alerta para o campo popular, que está conformado por organizações segmentadas. Os movimentos camponeses e os movimentos urbanos são organizações populares com trajetória e muita presença territorial, que carecem de representação política. As demandas de cada um dos movimentos sociais podem variar, apesar de compartilhar um eixo comum, articulador de uma frente sem hegemonia, que deve ser a construção de uma integração regional inclusiva.
O Foro ressaltou, ademais, que a integração não pode ser compreendida sem a necessidade do desenvolvimento econômico e social dos países, que não pode ser o mero crescimento de uma forma geral, sem considerar o por quê, para quê e para quem se busca esse objetivo. Num período de crescentes inter-relações globais e reposicionamentos geopolíticos, o desenvolvimento deve ser encarado com um desafio regional e não meramente nacional.
Ainda assim, o documento final indicou alguns elementos de aspecto econômico que são elementares para o processo e que devem ser atendidos de forma simultânea pela proposta dos povos: a soberania, a produção com valor agregado, o conhecimento tecnológico e um mercado ampliado regional de economias, que hoje se encontram muito parcialmente integradas. Paralelamente, os acordos de complementação econômica da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração) devem recuperar sua centralidade.
O Foro também recordou que muitos dos atuais governos da região não mostram interesse em defender prioritariamente a unidade regional. A separação da Venezuela do Mercosul foi uma decisão contra a imprescindível unidade regional, e uma medida que não está baseada nas normas e protocolos de defesa da democracia, mas sim por posições políticas intervencionistas. Paralelamente, chama a atenção que a Argentina consiga avançar de forma independente rumo a um TLC com o Chile.
Finalmente, se advogou pela reconstrução da identidade social e do imaginário histórico e cultural da integração como uma perspectiva imprescindível, e não na forma meramente nostálgica ou declamativa, mas incorporando as diversas organizações sociais a esta tarefa de construção. Os centros de estudo, as universidades e os sindicatos deveriam trabalhar na formação de cátedras livres sobre a Integração, onde se poderia ir construindo o trabalho comum rumo à unidade regional, na conclusão do Foro.
Neste fim de semana, será a vez de Mendoza discutir este tema, em paralelo a uma silenciosa e silenciada cúpula dos presidentes, desse esvaziado Mercosul, que terá sua contraparte na Cúpula dos Povos, onde as organizações sociais, sindicais, camponesas, culturais e estudantis farão sua voz ser ouvida. A mesma que a presidência argentina do organismo regional preferiu calar.
* Rubén Armendáriz é investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). Tradução de Victor Farinelli.
O Foro destacou que os projetos de integração devem favorecer a participação popular, devem ser reconhecidos e identificados pelas bases sociais, também reconhecer a soberania em seu sentido mais nobre, o da vontade popular. Atualmente, nos encontramos num momento onde a tendência é o desmantelamento da participação social no Mercosul e na Unasul, e essa situação deve ser enfrentada.
O evento também discutiu o fato de que a participação popular vem sendo privatizada pelos grupos de interesse, por uma mal chamada sociedade civil (fundações e ONGs) que visam apenas legitimar a saída de cena do Estado e da política como instrumento de transformação, para o estabelecimento da ordem ditada pelo mercado, e do papel deste como orientador dos destinos dos nossos países, para transformar nossa região numa zona de livre comércio funcional aos interesses do capital transnacional.
Se destacou também que os governo e organismos de integração vinham prestando mais atenção em movimentos alinhados a determinados governos, com suas participações nas cúpulas sociais sendo mediadas pelas chancelarias. Houve encontros de dirigentes de certos movimentos, mas não mobilizações ou participação do público em geral, com o fim comum de cimentar a integração política, econômica, cultural e social.
Foi feito um alerta para o campo popular, que está conformado por organizações segmentadas. Os movimentos camponeses e os movimentos urbanos são organizações populares com trajetória e muita presença territorial, que carecem de representação política. As demandas de cada um dos movimentos sociais podem variar, apesar de compartilhar um eixo comum, articulador de uma frente sem hegemonia, que deve ser a construção de uma integração regional inclusiva.
O Foro ressaltou, ademais, que a integração não pode ser compreendida sem a necessidade do desenvolvimento econômico e social dos países, que não pode ser o mero crescimento de uma forma geral, sem considerar o por quê, para quê e para quem se busca esse objetivo. Num período de crescentes inter-relações globais e reposicionamentos geopolíticos, o desenvolvimento deve ser encarado com um desafio regional e não meramente nacional.
Ainda assim, o documento final indicou alguns elementos de aspecto econômico que são elementares para o processo e que devem ser atendidos de forma simultânea pela proposta dos povos: a soberania, a produção com valor agregado, o conhecimento tecnológico e um mercado ampliado regional de economias, que hoje se encontram muito parcialmente integradas. Paralelamente, os acordos de complementação econômica da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração) devem recuperar sua centralidade.
O Foro também recordou que muitos dos atuais governos da região não mostram interesse em defender prioritariamente a unidade regional. A separação da Venezuela do Mercosul foi uma decisão contra a imprescindível unidade regional, e uma medida que não está baseada nas normas e protocolos de defesa da democracia, mas sim por posições políticas intervencionistas. Paralelamente, chama a atenção que a Argentina consiga avançar de forma independente rumo a um TLC com o Chile.
Finalmente, se advogou pela reconstrução da identidade social e do imaginário histórico e cultural da integração como uma perspectiva imprescindível, e não na forma meramente nostálgica ou declamativa, mas incorporando as diversas organizações sociais a esta tarefa de construção. Os centros de estudo, as universidades e os sindicatos deveriam trabalhar na formação de cátedras livres sobre a Integração, onde se poderia ir construindo o trabalho comum rumo à unidade regional, na conclusão do Foro.
Neste fim de semana, será a vez de Mendoza discutir este tema, em paralelo a uma silenciosa e silenciada cúpula dos presidentes, desse esvaziado Mercosul, que terá sua contraparte na Cúpula dos Povos, onde as organizações sociais, sindicais, camponesas, culturais e estudantis farão sua voz ser ouvida. A mesma que a presidência argentina do organismo regional preferiu calar.
* Rubén Armendáriz é investigador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). Tradução de Victor Farinelli.
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