Por Rafael Tatemoto, no jornal Brasil de Fato:
Em meio a escândalos de corrupção que envolvem diretamente o presidente Michel Temer (PMDB), uma pergunta ronda a cabeça de muitas pessoas: por que as manifestações de rua contra a corrupção cessaram?
Algumas respostas já apareceram. Em declarações ao jornal Valor Econômico, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), foi objetivo ao comparar o cenário atual à conjuntura passada: “Não é a mesma circunstância. É diferente. O PSDB tem quatro ministros de Estado. O PSDB não tinha ministros no governo do PT”.
O cantor Lobão, um dos ícones das manifestações em defesa do golpe contra Dilma Rousseff (PT), foi na mesma linha: “Mesmo se [Temer] fez falcatrua, se está todo ligado à rede de corrupção, respeitem a interinidade. A economia pela primeira vez tem inflação negativa, depois de 11 anos. Então deixem o cara terminar”, disse à Folha de S.Paulo.
Onde, então, foi parar o discurso “não temos bandidos de estimação” dos protestos convocados por movimentos de direita? Para Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que faz pesquisas sobre manifestações no Brasil desde os protestos de junho de 2013, organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua utilizaram o discurso sobre a corrupção apenas como pretexto para atingir seus objetivos políticos. Segundo ela, a mobilização deste argumento, no atual contexto, tem gerado dificuldade para esses coletivos se posicionarem.
“Supunha-se que a corrupção era o lema principal da luta deles. Depois de obtido o impeachment de Dilma Rousseff, viu-se que não era”, afirma, com base em pesquisas de campo conduzidas na universidade. Um dado apontado a partir de tais levantamentos indica que, atualmente, há divergências entre as direções dos movimentos e os participantes das manifestações.
Confira abaixo a entrevista:
Passado o processo de impeachment, como é possível qualificar o posicionamento daqueles favoráveis à saída de Dilma em relação ao governo Temer?
O que a gente observa nos dados é que há uma divergência muito clara entre os movimentos que convocaram as manifestações e as pessoas que foram.
O mais importante para mim é que os movimentos que convocaram são claramente a favor de uma agenda neoliberal. É claro que não vão se posicionar muito contra o governo Temer, já que ele está fazendo o que eles querem: reforma trabalhista, da Previdência, PEC 241 [que definiu um teto para os gastos públicos]. Esses movimentos defendem o Estado mínimo. Os dados indicam que as pessoas que vão para rua não querem essas reformas. É possível ver a diferença entre o objetivo político desses movimentos, seu programa neoliberal, e as pessoas que vão para rua indignadas com a corrupção, mas não querem as reformas.
São grupos com agenda política definida e que souberam estrategicamente capitalizar um sentimento na população. Houve um potencial muito grande em 2013 que eles canalizaram. De outro lado, há um cenário internacional que favorece o discurso de austeridade. Foram vários fatores [que levaram ao seu sucesso].
Há diferenças entre esses movimentos?
O Vem Para Rua é neoliberal, mas ele já percebeu que não pode se colocar assim em público, defende nos bastidores. Ele simplesmente ignora essa pauta e continua na questão da corrupção.
O MBL faz o contrário. Defende as reformas, as privatizações, o Estado mínimo. Ele coloca isso na sua página. Os próprios seguidores reagiram muito mal e questionaram. É claro, porque impacta a classe média.
E o que explica a ausência de manifestações de rua contra Temer por parte destes setores?
Há uma coisa muito interessante, que é o antipetismo. A gente perguntou: por qual razão vocês vão à rua?. Muitas pessoas, nos questionários, repetem à exaustão que se denominam antipetistas. Mesmo que a pessoa saiba que o Temer é corrupto, o PSDB também, ela pensa que os partidos são corruptos, mas o sentimento fundamental é de rejeição ao PT. Foi um sentimento muito bem explorado pelos movimentos.
A gente viu, em 2013, muita indignação social. A esquerda, na minha opinião, não soube muito bem fazer a leitura, canalizar [esse sentimento]. Os movimentos de direita souberam muito bem canalizar esse descontentamento, essa insatisfação, no antipetismo. O antipetismo, de alguma forma, foi a força mobilizadora que os unificou.
Não é possível dizer que há um aspecto material, da dinâmica de classes, nesse posicionamento?
Tem aspectos materiais e aspectos, eu diria, até mesmo psicológicos da classe média. Quando a gente faz a entrevista, muitas vezes aparece um argumento: 'Nós, a classe média, somos os pagadores de impostos - há sempre essa visão clientelista do Estado -, mas o PT governou para quem? Para os mais ricos e os mais pobres'. Eu digo que há um sentimento de 'orfandade' da classe média.
Outra coisa importante é que nas 'manifestações verde e amarelo', nós perguntamos muito sobre as políticas de mobilidade social: cotas, Bolsa Família. Perguntamos até sobre o Mais Médicos. Cerca de 80% das pessoas eram contra essas políticas. Aí é possível observar que há um componente de classe, de fato. Por que ser contra essas políticas? Há essa ideia de rejeitar a mobilidade social de quem está embaixo. A classe média não se sentiu contemplada, se sentiu traída. Aí tem uma questão muito emocional também.
Mesmo com essa divergência, não há, de outro lado, uma referência nesses grupos que permanece?
Totalmente. Eles são a referência. Já me perguntaram "e se a esquerda puxasse atos contra a corrupção do Temer?". Não valeria. Para eles, um ato puxado pela CUT, pelas Frentes, não seria uma referência. Quem saiu de verde e amarelo não vai sair à rua em uma manifestação convocada pela CUT. Mesmo com as divergências, esses movimentos são a referência para mobilização. Quando estes não convocam manifestações, eles não saem à rua, não reconhecem outros mobilizadores como legítimos.
Os próprios seguidores do MBL criticaram muito a proximidade com o Temer. Mas na hora de convocar manifestações, parece que ninguém está ligando muito.
Há outra questão: As pessoas não querem mais ir para rua em nome da 'estabilidade', porque, para eles, o Temer seria o único que poderia colocar o país um pouco nos trilhos até 2018. Elas têm esse argumento. 'É melhor não sair às ruas agora e [seguir] até 2018'. Não era um argumento com a Dilma, mas agora é.
Em suma, pode-se afirmar que há uma mudança no discurso desses novos grupos de direita após o impeachment?
Mudou. Supunha-se que a corrupção era o lema principal da luta deles. Depois de obtido o impeachment de Dilma Rousseff, viu-se que não era. O nível de mobilização caiu muito. A última manifestação foi em março, em defesa da Lava Jato, e foi muito mais a favor da operação do que contra o PMDB ou Temer. São coisas sutis, mas importantes. O nível de mobilização é praticamente inexistente.
A gente fala que foi um populismo de direita, que se baseia na luta contra a corrupção, uma coisa muito vazia. O que significa lutar contra a corrupção? É um mantra, chama atenção e é apelativo, mas que no fundo, é muito vazio. Esses grupos se apropriaram desse populismo de direita para atingir objetivos claramente políticos. Eu resumiria dessa forma.
O "manifestante verde e amarelo" pensa que todo mundo é corrupto, mas é pragmático. Há alguma tendência de como ele irá se comportar em 2018?
Esse cara que pensa que todo mundo é corrupto, mas age pragmaticamente, tem uma boa chance de votar em pessoas que se apresentem como outsiders, de fora da política. Por exemplo: [o prefeito de São Paulo João ]Doria ou [Jair] ]Bolsonaro.
A ideia da corrupção sempre existiu. A diferença é que hoje ela é explorada política e eleitoralmente por um discurso antipolítico. "Não sou político, sou gestor". O sentimento de que ninguém presta desemboca para um sentimento antipolítica, que beneficia os políticos que se apresentam como novos ou diferentes, mesmo que não sejam. Talvez a tendência em 2018 seja favorecer esse tipo de político. Isso também é a dinâmica eleitoral global.
Mesmo com essa relutância em atacar Temer, o discurso anticorrupção não permanece de alguma forma no debate político brasileiro?
Além do populismo político, há também um populismo jurídico. A gente sabe como a Lava Jato está se organizando. Na verdade, temos um poder político e um poder jurídico que se utiliza da luta contra corrupção como instrumento para atingir seus objetivos políticos.
Em meio a escândalos de corrupção que envolvem diretamente o presidente Michel Temer (PMDB), uma pergunta ronda a cabeça de muitas pessoas: por que as manifestações de rua contra a corrupção cessaram?
Algumas respostas já apareceram. Em declarações ao jornal Valor Econômico, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), foi objetivo ao comparar o cenário atual à conjuntura passada: “Não é a mesma circunstância. É diferente. O PSDB tem quatro ministros de Estado. O PSDB não tinha ministros no governo do PT”.
O cantor Lobão, um dos ícones das manifestações em defesa do golpe contra Dilma Rousseff (PT), foi na mesma linha: “Mesmo se [Temer] fez falcatrua, se está todo ligado à rede de corrupção, respeitem a interinidade. A economia pela primeira vez tem inflação negativa, depois de 11 anos. Então deixem o cara terminar”, disse à Folha de S.Paulo.
Onde, então, foi parar o discurso “não temos bandidos de estimação” dos protestos convocados por movimentos de direita? Para Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que faz pesquisas sobre manifestações no Brasil desde os protestos de junho de 2013, organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua utilizaram o discurso sobre a corrupção apenas como pretexto para atingir seus objetivos políticos. Segundo ela, a mobilização deste argumento, no atual contexto, tem gerado dificuldade para esses coletivos se posicionarem.
“Supunha-se que a corrupção era o lema principal da luta deles. Depois de obtido o impeachment de Dilma Rousseff, viu-se que não era”, afirma, com base em pesquisas de campo conduzidas na universidade. Um dado apontado a partir de tais levantamentos indica que, atualmente, há divergências entre as direções dos movimentos e os participantes das manifestações.
Confira abaixo a entrevista:
Passado o processo de impeachment, como é possível qualificar o posicionamento daqueles favoráveis à saída de Dilma em relação ao governo Temer?
O que a gente observa nos dados é que há uma divergência muito clara entre os movimentos que convocaram as manifestações e as pessoas que foram.
O mais importante para mim é que os movimentos que convocaram são claramente a favor de uma agenda neoliberal. É claro que não vão se posicionar muito contra o governo Temer, já que ele está fazendo o que eles querem: reforma trabalhista, da Previdência, PEC 241 [que definiu um teto para os gastos públicos]. Esses movimentos defendem o Estado mínimo. Os dados indicam que as pessoas que vão para rua não querem essas reformas. É possível ver a diferença entre o objetivo político desses movimentos, seu programa neoliberal, e as pessoas que vão para rua indignadas com a corrupção, mas não querem as reformas.
São grupos com agenda política definida e que souberam estrategicamente capitalizar um sentimento na população. Houve um potencial muito grande em 2013 que eles canalizaram. De outro lado, há um cenário internacional que favorece o discurso de austeridade. Foram vários fatores [que levaram ao seu sucesso].
Há diferenças entre esses movimentos?
O Vem Para Rua é neoliberal, mas ele já percebeu que não pode se colocar assim em público, defende nos bastidores. Ele simplesmente ignora essa pauta e continua na questão da corrupção.
O MBL faz o contrário. Defende as reformas, as privatizações, o Estado mínimo. Ele coloca isso na sua página. Os próprios seguidores reagiram muito mal e questionaram. É claro, porque impacta a classe média.
E o que explica a ausência de manifestações de rua contra Temer por parte destes setores?
Há uma coisa muito interessante, que é o antipetismo. A gente perguntou: por qual razão vocês vão à rua?. Muitas pessoas, nos questionários, repetem à exaustão que se denominam antipetistas. Mesmo que a pessoa saiba que o Temer é corrupto, o PSDB também, ela pensa que os partidos são corruptos, mas o sentimento fundamental é de rejeição ao PT. Foi um sentimento muito bem explorado pelos movimentos.
A gente viu, em 2013, muita indignação social. A esquerda, na minha opinião, não soube muito bem fazer a leitura, canalizar [esse sentimento]. Os movimentos de direita souberam muito bem canalizar esse descontentamento, essa insatisfação, no antipetismo. O antipetismo, de alguma forma, foi a força mobilizadora que os unificou.
Não é possível dizer que há um aspecto material, da dinâmica de classes, nesse posicionamento?
Tem aspectos materiais e aspectos, eu diria, até mesmo psicológicos da classe média. Quando a gente faz a entrevista, muitas vezes aparece um argumento: 'Nós, a classe média, somos os pagadores de impostos - há sempre essa visão clientelista do Estado -, mas o PT governou para quem? Para os mais ricos e os mais pobres'. Eu digo que há um sentimento de 'orfandade' da classe média.
Outra coisa importante é que nas 'manifestações verde e amarelo', nós perguntamos muito sobre as políticas de mobilidade social: cotas, Bolsa Família. Perguntamos até sobre o Mais Médicos. Cerca de 80% das pessoas eram contra essas políticas. Aí é possível observar que há um componente de classe, de fato. Por que ser contra essas políticas? Há essa ideia de rejeitar a mobilidade social de quem está embaixo. A classe média não se sentiu contemplada, se sentiu traída. Aí tem uma questão muito emocional também.
Mesmo com essa divergência, não há, de outro lado, uma referência nesses grupos que permanece?
Totalmente. Eles são a referência. Já me perguntaram "e se a esquerda puxasse atos contra a corrupção do Temer?". Não valeria. Para eles, um ato puxado pela CUT, pelas Frentes, não seria uma referência. Quem saiu de verde e amarelo não vai sair à rua em uma manifestação convocada pela CUT. Mesmo com as divergências, esses movimentos são a referência para mobilização. Quando estes não convocam manifestações, eles não saem à rua, não reconhecem outros mobilizadores como legítimos.
Os próprios seguidores do MBL criticaram muito a proximidade com o Temer. Mas na hora de convocar manifestações, parece que ninguém está ligando muito.
Há outra questão: As pessoas não querem mais ir para rua em nome da 'estabilidade', porque, para eles, o Temer seria o único que poderia colocar o país um pouco nos trilhos até 2018. Elas têm esse argumento. 'É melhor não sair às ruas agora e [seguir] até 2018'. Não era um argumento com a Dilma, mas agora é.
Em suma, pode-se afirmar que há uma mudança no discurso desses novos grupos de direita após o impeachment?
Mudou. Supunha-se que a corrupção era o lema principal da luta deles. Depois de obtido o impeachment de Dilma Rousseff, viu-se que não era. O nível de mobilização caiu muito. A última manifestação foi em março, em defesa da Lava Jato, e foi muito mais a favor da operação do que contra o PMDB ou Temer. São coisas sutis, mas importantes. O nível de mobilização é praticamente inexistente.
A gente fala que foi um populismo de direita, que se baseia na luta contra a corrupção, uma coisa muito vazia. O que significa lutar contra a corrupção? É um mantra, chama atenção e é apelativo, mas que no fundo, é muito vazio. Esses grupos se apropriaram desse populismo de direita para atingir objetivos claramente políticos. Eu resumiria dessa forma.
O "manifestante verde e amarelo" pensa que todo mundo é corrupto, mas é pragmático. Há alguma tendência de como ele irá se comportar em 2018?
Esse cara que pensa que todo mundo é corrupto, mas age pragmaticamente, tem uma boa chance de votar em pessoas que se apresentem como outsiders, de fora da política. Por exemplo: [o prefeito de São Paulo João ]Doria ou [Jair] ]Bolsonaro.
A ideia da corrupção sempre existiu. A diferença é que hoje ela é explorada política e eleitoralmente por um discurso antipolítico. "Não sou político, sou gestor". O sentimento de que ninguém presta desemboca para um sentimento antipolítica, que beneficia os políticos que se apresentam como novos ou diferentes, mesmo que não sejam. Talvez a tendência em 2018 seja favorecer esse tipo de político. Isso também é a dinâmica eleitoral global.
Mesmo com essa relutância em atacar Temer, o discurso anticorrupção não permanece de alguma forma no debate político brasileiro?
Além do populismo político, há também um populismo jurídico. A gente sabe como a Lava Jato está se organizando. Na verdade, temos um poder político e um poder jurídico que se utiliza da luta contra corrupção como instrumento para atingir seus objetivos políticos.
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