Por Emanuel Leite Jr., no blog Viomundo:
Em abril deste ano, a Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro (Portugal), promoveu o Seminário de Doutorado “Sistemas Partidários sob Pressão: Populismo, Realinhamentos Políticos e Eleições”.
Participaram do evento o professor Dr. João Carvalho, do CIES (Instituto Universitário de Lisboa), que falou sobre “A direita francesa perante a ameaça da Front National: das eleições presidenciais de 2007 a 2017”; e o professor Dr. Riccardo Marchi, do CEI (Instituto Universitário de Lisboa) – o pesquisador italiano fez apresentação sobre a ameaça populista à democracia ocidental, traçando um panorama da extrema direita pela Europa.
Diante deste contexto da ameaça aos sistemas partidários que, no fim, representa uma ameaça ao sistema democrático, entendi que seria interessante apresentar aos pesquisadores europeus a figura de Jair Bolsonaro.
Para a minha apresentação, escrevi um ensaio em que analiso o discurso de Jair Bolsonaro a partir da perspectiva do pesquisador Mihnea S. Stoica que, ao estudar os mitos políticos descritos por Raoul Girardet, concluiu que a retórica populista faz uso dos quatro mitos apontados pelo historiador francês.
Algo que pode ser identificado, também, no discurso de Bolsonaro.
Este ensaio deverá sair como um capítulo de livro em uma publicação vindoura do NEDAL – Núcleo de Estudos e Debates da América Latina.
O que vou apresentar no presente texto é uma versão reduzida daquele artigo.
Introdução
No Reino Unido, o governo Conservador, por receio de perder parte de seu eleitorado mais à direita para o discurso do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), convocou o referendo sobre a saída do país da União Europeia. E o Brexit, maior bandeira política do UKIP, triunfou.
Na França, Marine Le Pen levou a sua Frente Nacional (FN) ao segundo turno nas eleições presidenciais de 2017, sendo derrotada pelo liberal Emmanuel Macron.
Na Alemanha, a Alternativa para a Alemanha (AfD) teve 12,6% dos votos nas eleições legislativas federais, sendo o terceiro partido mais votado, conquistando 94 cadeiras no Bundestag (tornando-se o primeiro partido da extrema-direita a conseguir lugar no parlamento alemão desde o fim da II Guerra Mundial).
Na Holanda, o Partido para a Liberdade (PVV) obteve votação que lhe permitiu se tornar a segunda força no parlamento, ao conquistar 20 assentos.
Na Áustria, o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) vem reconquistando apoio nas urnas, aumentando seu espectro eleitoral a cada nova eleição parlamentar desde 2002, tendo ficado com 40 de 183 lugares do Conselho Nacional nas eleições de 2013; nas eleições presidenciais de 2016, viu seu candidato Norbert Hofer ficar à frente no primeiro turno com 35,1% dos votos e, embora derrotado no segundo turno, ter conquistado 46,2% dos votos.
Na Polônia a “Lei e Justiça” e na Hungria a Fidesz (União Cívica Húngara), comandam governos populistas e nacionalistas, que flertam com o autoritarismo.
No caso húngaro, ainda há o Movimento por uma Hungria Melhor (Jobbik), ainda mais radical e que nas eleições parlamentares de 2014 ficou com a terceira maior bancada: 23 assentos.
Saindo do Velho Continente, nos Estados Unidos, o bilionário Donald Trump foi eleito Presidente.
Embora apresentem diferenças em alguns aspectos – como no caso da diferença entre o UKIP e a Frente Nacional, com o partido britânico sendo mais liberal no aspecto econômico, enquanto o francês defende uma maior intervenção estatal, por exemplo –, em comum, além do chauvinismo, os partidos, movimentos ou lideranças políticas seja do nacional-populismo ou da nova direita radical partilham a narrativa populista, com a polarização entre “nós” e “eles”, tanto na dimensão vertical — nós, “pessoas comuns”, contra as elites política e intelectual, que pensam apenas neles próprios e indiferentes aos nossos problemas –, quanto na dimensão horizontal — os que são “como nós”, aqueles que compartilham a mesma forma de vida, e os de fora, “ameaçam o nosso estilo de vida”.
Todos eles clamam falar em nome do “povo”, colocando-se como a voz dos que não são ouvidos.
Deputado Federal em sétimo mandato, Jair Bolsonaro (PSC) é o expoente mais emblemático deste fenômeno no Brasil.
Também com um discurso patriótico, Bolsonaro, militar da reserva e que, há alguns anos, quando já exercia função parlamentar, disse que o então Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ter sido fuzilado, tem conquistado a admiração de parcela da população descontente com a classe política.
Evidencia outra característica da recente ascensão dos movimentos populistas europeus e também da vitória de Donald Trump nos EUA – a da catalisação da descrença no sistema da representatividade democrática.
Populismo
No Brasil e na América Latina, o termo populismo é geralmente associado a governos de esquerda: o Peronismo na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil; mais recentemente o Chavismo na Venezuela e os governos da Bolívia e do Equador.
Entretanto, como Ernesto Laclau atesta, “não se pode entender ‘populismo’ como um tipo de movimento - identificado com uma base social específica ou uma orientação ideológica em particular - mas como uma lógica política”.
Mény e Surel afirmam que o conceito de populismo vai muito além da descrição de países de Terceiro Mundo governados por líderes carismáticos, uma vez que também pode ser utilizado para se referir a muitos casos recentes na Europa Ocidental.
Bem como, acrescento, ao triunfo de Donald Trump nos Estados Unidos.
Para Paul Taggart, a falta de valores fundamentais do populismo explica porque este conceito pode ser aplicado a posições ideológicas discrepantes, como esquerda e direita, e acrescenta que populistas já foram “revolucionários, reacionários, esquerdistas, direitistas, autoritários e libertários”.
Então, o que é populismo?
Margaret Canovan pergunta “de que coisa estamos falando, com quais características?”
Sendo o populismo não um movimento identitário de uma ideologia em particular, mas uma “lógica política” (Laclau), a sua manifestação apresenta características que podem ser identificadas e relacionadas.
Começando pelo aspecto básico e comum em qualquer narrativa populista: a divisão dicotômica da sociedade.
O estabelecimento de dois campos antagônicos e conflitantes: a polarização “nós” vs. “eles”.
O “nós” representa o povo, o “cidadão comum”, “os homens e as mulheres esquecidas”, em oposição a “eles”, as elites políticas e aos intelectuais politicamente corretos.
Os populistas, naturalmente, clamam defender o lado “certo” deste conflito, colocando-se como a voz do povo.
E esta é uma característica se encaixa na narrativa de Bolsonaro, que se coloca como o defensor do “povo brasileiro”, a quem promete resgatar o país da elite política corrompida.
Além disso, Bolsonaro não esconde sua repulsa aos intelectuais, associando-os, em regra, à esquerda - que, em sua visão, deve ser combatida.
Ainda no tocante à corrupção, lembremos como se deu a ascensão dos populistas na Itália no início dos anos 1990, como a Lega Nord e, especialmente, a Forza Italia, de Silvio Berlusconi, que chegou ao poder.
Foi na esteira da operação “Mãos Limpas” que os populistas italianos capitalizaram para si grande parte do apoio popular, argumentando que os resultados das investigações e dos processos judiciais ratificavam aquilo que diziam há anos: a corrupção era endêmica na classe política e nas instituições do país.
A operação “Mãos Limpas”, como se sabe, serviu de inspiração para as investigações da “Lava Jato” no Brasil.
E não nos parece coincidência que Bolsonaro faça questão de destacar que seu nome não consta entre os “corruptos”.
Outro traço marcante do populismo é a capitalização da desilusão popular com o sistema político, em especial com a representatividade democrática.
As pessoas se sentem traídas pela classe política, não reconhecendo nela a legitimidade de sua representação.
Os partidos são incapazes de atender à demanda do povo, pois seus programas não representam as aspirações populares.
Não por acaso, quando fala da “Lava Jato”, Bolsonaro acusa as cúpulas partidárias e se demarca de seu próprio partido, o Partido Social Cristão (PSC), como se viu em sua palestra na Hebraica do Rio de Janeiro em abril, quando deu a entender que o partido ao qual é filiado não vai escapar ileso às investigações.
Esta crise de representatividade, fator que os movimentos populistas procuram aproveitar ao longo da história, é um aspecto que nos ajuda a compreender o crescimento da popularidade de Jair Bolsonaro.
O deputado explora não apenas o momento de crise econômica e política do Brasil, como também a crise de representatividade política, capitalizando a simpatia de uma parcela da população que não mais se reconhece nos partidos políticos tradicionais.
A sociedade é composta por vários grupos distintos, o que caracteriza o pluralismo.
Saber lidar com este pluralismo, tratar as diferenças sem que estas signifiquem discriminações absurdas ou arbitrárias é marca de uma sociedade democrática.
Não à toa, os populistas de direita rejeitam as “garantias ‘horizontais’ do constitucionalismo”, pois “a segurança oferecida pelos ‘direitos’ (especialmente individuais e direitos das minorias) ou o recurso a regras jurídicas complexas para injustiças são anátema para populistas”, como observa Taggart.
Por isso que populistas como Bolsonaro focam “primeiramente, na construção de tensão entre o desejo popular e a democracia constitucional”, usando expressão de Wolfgang Müller.
Para Bolsonaro, “as minorias têm que se curvar às maiorias” e “a lei deve existir para defender as maiorias”.
Este conflito – “nós” maioria, “eles” minoria – exemplifica a aversão do pensamento Bolsonariano à pluralidade democrática.
Os mitos políticos e a retórica populista de Jair Bolsonaro
Para Stoica, os mitos políticos representam “uma explicação ideológica do fenômeno político que constitui uma fonte de crença para um grupo social específico” e, portanto, considera que os mitos políticos, “como parte integral do discurso político”, servem de instrumento essencial para a legitimação ideológica de práticas políticas, estabelecendo os alicerces para várias ações.
Partindo deste pressuposto, Stoica analisa os mitos políticos descritos por Raoul Girardet e conclui que que a retórica populista adotada por diversos partidos europeus faz uso dos quatro mitos: da conspiração, do salvador, da era dourada e da unidade.
O discurso de Bolsonaro reúne diversas características do populismo apontadas pela literatura. E também recorre aos quatro mitos apontados por Girardet.
Mito da Conspiração
Stoica explica que o mito da conspiração consiste na ideia de um grupo oculto possuir um plano articulado para a dominação mundial e que, uma vez assumido o poder, estes iriam governar contra a vontade geral.
Um grupo tomaria o comando e exerceria o poder autoritário, contrariando as demandas e os desejos do “povo”.
Por se tratar de um mito, evidentemente que a conspiração contra o “povo” ganha contornos de secretismo, com os conspiradores atuando em uma bem estruturada organização, sob a proteção das sombras, sem que as pessoas saibam os seus reais objetivos.
Este é um mito de fácil identificação na narrativa de Bolsonaro.
Crítico do Partido dos Trabalhadores (PT) e completamente averso a qualquer política pública que identifique como sendo de esquerda, Bolsonaro afirma que o grande plano dos governos petistas era implementar o comunismo no Brasil.
Para isso, logicamente, o PT não agiria sozinho.
Seria preciso contar com a colaboração de uma entidade extremamente organizada que, não sendo oculta – uma vez que sua existência é de domínio público –, mascara a sua atuação, fingindo ter uma importância bem menor do que suas verdadeiras pretensões. E este grupo seria o Foro de São Paulo.
Ao contrário do mito propagado por Bolsonaro, o Foro de São Paulo nunca foi secreto, nunca teve como membro o grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e jamais pretendeu implementar o comunismo na América Latina.
O Foro existe como um fórum de debates e reflexões de grupos de esquerda a respeito das questões do continente.
O mito da conspiração da suposta ameaça de transformação do Brasil em um país comunista também é visto em campanhas que o deputado e seus filhos (também eles políticos) participam como “Escola sem partido” ou “escolas livres do comunismo”.
Mito do Salvador
Se os conspiradores tramam contra o povo na escuridão, nada mais adequado do que a existência de uma figura mitológica que traga a luz para o povo: o salvador.
Segundo Stoica, Giradert considera que o mito do salvador é caracterizado por uma “forte dimensão coletiva”, seja relacionada ao herói (em tempos de paz ou de guerra), a figura providencial ou mesmo um profeta.
Este mito é construído a partir da capitalização da insatisfação e desilusão popular com a representação política.
Bolsonaro é a voz do povo na divisão dicotômica do “nós” contra “eles” (corruptos), que agem em defesa de seus próprios interesses e não em prol dos desejos do “povo brasileiro”.
O mito do salvador se configura no político que não aparece nas denúncias da “Lava Jato”, o herói que tem sido carregado pelo povo nas cidades que percorre aos gritos de “BolsoMito”.
Mito da Era Dourada
Stoica correlaciona este mito com a representação simbólica da infância.
O sentimento de inocência e felicidade de um lado e a segurança da autoridade patriarcal do outro.
A segurança advém de um grupo social protegido e fechado, com uma estrutura hierárquica bem definida, assegurando a todos os membros da comunidade a ordem, disciplina e o respeito.
Este mito seria como uma fuga da realidade, uma vez que Stoica esclarece que Giradert o aponta como a recusa a aceitar o contexto político contemporâneo, representando, assim, o sentimento de vingança.
No caso de Bolsonaro, o mito da era dourada é facilmente perceptível em seu saudosismo da ditadura militar, período que o deputado considera glorioso, com “20 anos de ordem e progresso”, tempo “da família, do respeito e da segurança”.
Na visão do parlamentar, a ditadura livrou o Brasil de se tornar uma nova Cuba – o que reforça o mito da conspiração e sua aversão a uma ameaça comunista (que não existia em 1964 e não existe no século 21, frise-se).
Em seu voto no processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, Bolsonaro fez dedicatória à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, às Forças Armadas Brasil, além do Brasil e de colocar “Deus acima de tudo”.
Durante o regime militar, Ustra foi chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo, órgão de repressão do governo militar.
Sob seu comando, de acordo com a Comissão da Verdade, no mínimo 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e 500 foram torturadas.
Há alguns anos, quando não passava de um Deputado Federal desconhecido, Bolsonaro chegou a afirmar que se um dia fosse Presidente da República iria fechar o Congresso Nacional.
Como aconteceu precisamente no período da ditadura militar que, após o Ato Institucional Número 5 (AI-5) de 1968, manteve o Congresso fechado por pouco mais de 10 meses.
Agora, levando sua postulação à Presidência da República mais a sério, Bolsonaro muda o tom.
Em entrevista à Folha de São Paulo publicada no dia 13 de março de 2017, disse que “não vai pregar fechar o Congresso” e que apenas havia “expressado uma indignação popular”, atirando para o ente “povo” o desejo de ver o Congresso fechado.
Algo usual na retórica populista, Bolsonaro se apresenta como a voz do povo, afirmando reiteradas vezes que diz aquilo que povo quer ouvir e gostaria de dizer se tivesse oportunidade.
Mito da Unidade
O último dos quatro mitos políticos é o da unidade, que, segundo Stoica, “não pode ser dissociado da ideia de um destino (político) comum ou partilhado”, passando a imagem de um grupo de pessoas que luta pelos mesmos ideais e vivem sob harmonia.
A ideia de comunidade partilhada, entretanto, é limitada na retórica populista. A definição de “povo”, neste modo de ver o mundo, restringe-se apenas aqueles que são considerados “verdadeiros”, podendo ser uma “exclusão mais ou menos simbólica”, como, por exemplo, excluir os “corruptos ricos ou da elite”, como na visão dicotômica do populismo, ou pode se aproximar de uma segregação racial, como se via nos discursos de Jörg Haider da FPÖ e se verifica em Marine Le Pen, da Frente Nacional.
Embora negue ser homofóbico, Bolsonaro já defendeu a agressão física por parte dos pais que desconfiem de que o filho seja homossexual.
Também foi condenado a indenizar, por danos morais, em R$150 mil o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), do Ministério da Justiça, por dizer que não corria o risco de ter um filho gay pois seus filhos “tiveram boa educação” e também por declarações racistas.
Denominou de “kit gay” um projeto do Ministério da Educação (MEC) contra a homofobia nas escolas e foi contrário à iniciativa do governo, alegando se tratar de um ativismo “gay” nas escolas.
Embora negue ser racista, o parlamentar já declarou que considerava a possibilidade de um de seus quatro filhos se apaixonar por uma mulher negra uma “promiscuidade”.
Recentemente, foi condenado em primeira instância ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, devido a uma afirmação em palestra na Hebraica-RJ em que comentou sua ida a uma comunidade quilombola: “Fui num quilombo, e o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”.
Embora negue ser misógino, o deputado já protagonizou diversos episódios de ofensas às mulheres.
Seu episódio mais conhecido se trata da declaração à Deputada Federal Maria do Rosário, em que disse que não a estupraria porque ela não merecia.
Em abril, na Hebraica, Bolsonaro falou que teve quatro filhos homens e, no quinto, “fraquejou” e veio uma menina.
Em sua aversão às minorias, o deputado também possui episódio de xenofobia.
Já declarou que os refugiados “haitianos, senegaleses, bolivianos e tudo que é escória do mundo que, agora, está chegando os sírios também. A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problema demais para resolver”.
Assim como os “New Radical Right (NRR)”, como usa Herbert Kitschelt, Bolsonaro tem adotado nos últimos tempos um discurso de liberalismo de mercado, além de possuir uma agenda autoritária e episódio de xenofobia. Mas, também, compartilha com o movimento do NRR a repulsa a políticas redistributivas e ações afirmativas, como as implementadas durante os governos do PT.
É contra as cotas raciais (que considera uma forma de fomentar o “ódio entre os brasileiros”), contra o “Bolsa Família” (“curral eleitoral”) e se declarou contrário à demarcação de reservas indígenas e quilombolas.
Bolsonaro defende a castração química de estupradores, a redução da maioridade penal para 12 anos, a pena de morte, prisão perpétua e trabalhos forçados para presos (estes três últimos, impossíveis de acontecer, uma vez que se tratam de clausula pétrea da Constituição da República de 1988).
É, ainda, contrário aos direitos humanos, que considera proteger apenas os bandidos.
Defende que só se combate violência com “porrada”, que se o “bandido tem pistola, [a gente] tem que ter fuzil” e é favorável à liberação do porte de arma de fogo irrestrito.
Por fim, sendo um adepto de que a vontade da maioria deve prevalecer sobre os direitos das minorias, o deputado já afirmou, em evento na cidade de Campina Grande, na Paraíba, “sem essa de Estado Laico, somos um Estado Cristão” e acrescentou “Vamos fazer um Brasil para as maiorias. A minorias têm que se curvar às maiorias. A lei deve existir para defender as maiorias. As minorias se adequam ou, simplesmente, desapareçam”.
O mito da unidade, portanto, concretiza-se na promessa de constituição de uma sociedade em que as vontades e preferências da maioria (cristã?) prevaleceriam sobre todos os demais cidadãos.
Bolsonaro se coloca, assim, como o garantidor da harmonia (unidade) social da maioria (cristã?).
Conclusão
Embora para Bolsonaro, em sua visão estreita e superficial do mundo, o “populismo é a última fase do comunismo”, e aqui reiterando não apenas o mito da conspiração como também a própria divisão dicotômica da sociedade, uma análise ao seu discurso evidencia como sua retórica se encaixa tanto naquelas características que são comuns aos movimentos populistas, quanto no recurso aos quatro mitos políticos de Raoul Giradert aplicados a uma narrativa populista.
Em sua divisão de “nós” contra “eles”, o “BolsoMito”, o “salvador” do povo brasileiro (mas apenas da “maioria cristã”, pois a minoria deve se curvar perante o desejo da maioria), e nos seus posicionamentos acerca de questões sociais e econômicas, podemos concluir que Jair Messias Bolsonaro tem uma postura que se aproxima ora da New Radical Right, ora do nacional-populismo, fenômenos que se verificam no recente crescimento do populismo de direita um pouco por toda a Europa.
* Emanuel Leite Jr. é bacharel em Direito, jornalista, doutorando em Políticas Públicas na Universidade de Aveiro (Portugal).
Participaram do evento o professor Dr. João Carvalho, do CIES (Instituto Universitário de Lisboa), que falou sobre “A direita francesa perante a ameaça da Front National: das eleições presidenciais de 2007 a 2017”; e o professor Dr. Riccardo Marchi, do CEI (Instituto Universitário de Lisboa) – o pesquisador italiano fez apresentação sobre a ameaça populista à democracia ocidental, traçando um panorama da extrema direita pela Europa.
Diante deste contexto da ameaça aos sistemas partidários que, no fim, representa uma ameaça ao sistema democrático, entendi que seria interessante apresentar aos pesquisadores europeus a figura de Jair Bolsonaro.
Para a minha apresentação, escrevi um ensaio em que analiso o discurso de Jair Bolsonaro a partir da perspectiva do pesquisador Mihnea S. Stoica que, ao estudar os mitos políticos descritos por Raoul Girardet, concluiu que a retórica populista faz uso dos quatro mitos apontados pelo historiador francês.
Algo que pode ser identificado, também, no discurso de Bolsonaro.
Este ensaio deverá sair como um capítulo de livro em uma publicação vindoura do NEDAL – Núcleo de Estudos e Debates da América Latina.
O que vou apresentar no presente texto é uma versão reduzida daquele artigo.
Introdução
No Reino Unido, o governo Conservador, por receio de perder parte de seu eleitorado mais à direita para o discurso do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), convocou o referendo sobre a saída do país da União Europeia. E o Brexit, maior bandeira política do UKIP, triunfou.
Na França, Marine Le Pen levou a sua Frente Nacional (FN) ao segundo turno nas eleições presidenciais de 2017, sendo derrotada pelo liberal Emmanuel Macron.
Na Alemanha, a Alternativa para a Alemanha (AfD) teve 12,6% dos votos nas eleições legislativas federais, sendo o terceiro partido mais votado, conquistando 94 cadeiras no Bundestag (tornando-se o primeiro partido da extrema-direita a conseguir lugar no parlamento alemão desde o fim da II Guerra Mundial).
Na Holanda, o Partido para a Liberdade (PVV) obteve votação que lhe permitiu se tornar a segunda força no parlamento, ao conquistar 20 assentos.
Na Áustria, o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) vem reconquistando apoio nas urnas, aumentando seu espectro eleitoral a cada nova eleição parlamentar desde 2002, tendo ficado com 40 de 183 lugares do Conselho Nacional nas eleições de 2013; nas eleições presidenciais de 2016, viu seu candidato Norbert Hofer ficar à frente no primeiro turno com 35,1% dos votos e, embora derrotado no segundo turno, ter conquistado 46,2% dos votos.
Na Polônia a “Lei e Justiça” e na Hungria a Fidesz (União Cívica Húngara), comandam governos populistas e nacionalistas, que flertam com o autoritarismo.
No caso húngaro, ainda há o Movimento por uma Hungria Melhor (Jobbik), ainda mais radical e que nas eleições parlamentares de 2014 ficou com a terceira maior bancada: 23 assentos.
Saindo do Velho Continente, nos Estados Unidos, o bilionário Donald Trump foi eleito Presidente.
Embora apresentem diferenças em alguns aspectos – como no caso da diferença entre o UKIP e a Frente Nacional, com o partido britânico sendo mais liberal no aspecto econômico, enquanto o francês defende uma maior intervenção estatal, por exemplo –, em comum, além do chauvinismo, os partidos, movimentos ou lideranças políticas seja do nacional-populismo ou da nova direita radical partilham a narrativa populista, com a polarização entre “nós” e “eles”, tanto na dimensão vertical — nós, “pessoas comuns”, contra as elites política e intelectual, que pensam apenas neles próprios e indiferentes aos nossos problemas –, quanto na dimensão horizontal — os que são “como nós”, aqueles que compartilham a mesma forma de vida, e os de fora, “ameaçam o nosso estilo de vida”.
Todos eles clamam falar em nome do “povo”, colocando-se como a voz dos que não são ouvidos.
Deputado Federal em sétimo mandato, Jair Bolsonaro (PSC) é o expoente mais emblemático deste fenômeno no Brasil.
Também com um discurso patriótico, Bolsonaro, militar da reserva e que, há alguns anos, quando já exercia função parlamentar, disse que o então Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ter sido fuzilado, tem conquistado a admiração de parcela da população descontente com a classe política.
Evidencia outra característica da recente ascensão dos movimentos populistas europeus e também da vitória de Donald Trump nos EUA – a da catalisação da descrença no sistema da representatividade democrática.
Populismo
No Brasil e na América Latina, o termo populismo é geralmente associado a governos de esquerda: o Peronismo na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil; mais recentemente o Chavismo na Venezuela e os governos da Bolívia e do Equador.
Entretanto, como Ernesto Laclau atesta, “não se pode entender ‘populismo’ como um tipo de movimento - identificado com uma base social específica ou uma orientação ideológica em particular - mas como uma lógica política”.
Mény e Surel afirmam que o conceito de populismo vai muito além da descrição de países de Terceiro Mundo governados por líderes carismáticos, uma vez que também pode ser utilizado para se referir a muitos casos recentes na Europa Ocidental.
Bem como, acrescento, ao triunfo de Donald Trump nos Estados Unidos.
Para Paul Taggart, a falta de valores fundamentais do populismo explica porque este conceito pode ser aplicado a posições ideológicas discrepantes, como esquerda e direita, e acrescenta que populistas já foram “revolucionários, reacionários, esquerdistas, direitistas, autoritários e libertários”.
Então, o que é populismo?
Margaret Canovan pergunta “de que coisa estamos falando, com quais características?”
Sendo o populismo não um movimento identitário de uma ideologia em particular, mas uma “lógica política” (Laclau), a sua manifestação apresenta características que podem ser identificadas e relacionadas.
Começando pelo aspecto básico e comum em qualquer narrativa populista: a divisão dicotômica da sociedade.
O estabelecimento de dois campos antagônicos e conflitantes: a polarização “nós” vs. “eles”.
O “nós” representa o povo, o “cidadão comum”, “os homens e as mulheres esquecidas”, em oposição a “eles”, as elites políticas e aos intelectuais politicamente corretos.
Os populistas, naturalmente, clamam defender o lado “certo” deste conflito, colocando-se como a voz do povo.
E esta é uma característica se encaixa na narrativa de Bolsonaro, que se coloca como o defensor do “povo brasileiro”, a quem promete resgatar o país da elite política corrompida.
Além disso, Bolsonaro não esconde sua repulsa aos intelectuais, associando-os, em regra, à esquerda - que, em sua visão, deve ser combatida.
Ainda no tocante à corrupção, lembremos como se deu a ascensão dos populistas na Itália no início dos anos 1990, como a Lega Nord e, especialmente, a Forza Italia, de Silvio Berlusconi, que chegou ao poder.
Foi na esteira da operação “Mãos Limpas” que os populistas italianos capitalizaram para si grande parte do apoio popular, argumentando que os resultados das investigações e dos processos judiciais ratificavam aquilo que diziam há anos: a corrupção era endêmica na classe política e nas instituições do país.
A operação “Mãos Limpas”, como se sabe, serviu de inspiração para as investigações da “Lava Jato” no Brasil.
E não nos parece coincidência que Bolsonaro faça questão de destacar que seu nome não consta entre os “corruptos”.
Outro traço marcante do populismo é a capitalização da desilusão popular com o sistema político, em especial com a representatividade democrática.
As pessoas se sentem traídas pela classe política, não reconhecendo nela a legitimidade de sua representação.
Os partidos são incapazes de atender à demanda do povo, pois seus programas não representam as aspirações populares.
Não por acaso, quando fala da “Lava Jato”, Bolsonaro acusa as cúpulas partidárias e se demarca de seu próprio partido, o Partido Social Cristão (PSC), como se viu em sua palestra na Hebraica do Rio de Janeiro em abril, quando deu a entender que o partido ao qual é filiado não vai escapar ileso às investigações.
Esta crise de representatividade, fator que os movimentos populistas procuram aproveitar ao longo da história, é um aspecto que nos ajuda a compreender o crescimento da popularidade de Jair Bolsonaro.
O deputado explora não apenas o momento de crise econômica e política do Brasil, como também a crise de representatividade política, capitalizando a simpatia de uma parcela da população que não mais se reconhece nos partidos políticos tradicionais.
A sociedade é composta por vários grupos distintos, o que caracteriza o pluralismo.
Saber lidar com este pluralismo, tratar as diferenças sem que estas signifiquem discriminações absurdas ou arbitrárias é marca de uma sociedade democrática.
Não à toa, os populistas de direita rejeitam as “garantias ‘horizontais’ do constitucionalismo”, pois “a segurança oferecida pelos ‘direitos’ (especialmente individuais e direitos das minorias) ou o recurso a regras jurídicas complexas para injustiças são anátema para populistas”, como observa Taggart.
Por isso que populistas como Bolsonaro focam “primeiramente, na construção de tensão entre o desejo popular e a democracia constitucional”, usando expressão de Wolfgang Müller.
Para Bolsonaro, “as minorias têm que se curvar às maiorias” e “a lei deve existir para defender as maiorias”.
Este conflito – “nós” maioria, “eles” minoria – exemplifica a aversão do pensamento Bolsonariano à pluralidade democrática.
Os mitos políticos e a retórica populista de Jair Bolsonaro
Para Stoica, os mitos políticos representam “uma explicação ideológica do fenômeno político que constitui uma fonte de crença para um grupo social específico” e, portanto, considera que os mitos políticos, “como parte integral do discurso político”, servem de instrumento essencial para a legitimação ideológica de práticas políticas, estabelecendo os alicerces para várias ações.
Partindo deste pressuposto, Stoica analisa os mitos políticos descritos por Raoul Girardet e conclui que que a retórica populista adotada por diversos partidos europeus faz uso dos quatro mitos: da conspiração, do salvador, da era dourada e da unidade.
O discurso de Bolsonaro reúne diversas características do populismo apontadas pela literatura. E também recorre aos quatro mitos apontados por Girardet.
Mito da Conspiração
Stoica explica que o mito da conspiração consiste na ideia de um grupo oculto possuir um plano articulado para a dominação mundial e que, uma vez assumido o poder, estes iriam governar contra a vontade geral.
Um grupo tomaria o comando e exerceria o poder autoritário, contrariando as demandas e os desejos do “povo”.
Por se tratar de um mito, evidentemente que a conspiração contra o “povo” ganha contornos de secretismo, com os conspiradores atuando em uma bem estruturada organização, sob a proteção das sombras, sem que as pessoas saibam os seus reais objetivos.
Este é um mito de fácil identificação na narrativa de Bolsonaro.
Crítico do Partido dos Trabalhadores (PT) e completamente averso a qualquer política pública que identifique como sendo de esquerda, Bolsonaro afirma que o grande plano dos governos petistas era implementar o comunismo no Brasil.
Para isso, logicamente, o PT não agiria sozinho.
Seria preciso contar com a colaboração de uma entidade extremamente organizada que, não sendo oculta – uma vez que sua existência é de domínio público –, mascara a sua atuação, fingindo ter uma importância bem menor do que suas verdadeiras pretensões. E este grupo seria o Foro de São Paulo.
Ao contrário do mito propagado por Bolsonaro, o Foro de São Paulo nunca foi secreto, nunca teve como membro o grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e jamais pretendeu implementar o comunismo na América Latina.
O Foro existe como um fórum de debates e reflexões de grupos de esquerda a respeito das questões do continente.
O mito da conspiração da suposta ameaça de transformação do Brasil em um país comunista também é visto em campanhas que o deputado e seus filhos (também eles políticos) participam como “Escola sem partido” ou “escolas livres do comunismo”.
Mito do Salvador
Se os conspiradores tramam contra o povo na escuridão, nada mais adequado do que a existência de uma figura mitológica que traga a luz para o povo: o salvador.
Segundo Stoica, Giradert considera que o mito do salvador é caracterizado por uma “forte dimensão coletiva”, seja relacionada ao herói (em tempos de paz ou de guerra), a figura providencial ou mesmo um profeta.
Este mito é construído a partir da capitalização da insatisfação e desilusão popular com a representação política.
Bolsonaro é a voz do povo na divisão dicotômica do “nós” contra “eles” (corruptos), que agem em defesa de seus próprios interesses e não em prol dos desejos do “povo brasileiro”.
O mito do salvador se configura no político que não aparece nas denúncias da “Lava Jato”, o herói que tem sido carregado pelo povo nas cidades que percorre aos gritos de “BolsoMito”.
Mito da Era Dourada
Stoica correlaciona este mito com a representação simbólica da infância.
O sentimento de inocência e felicidade de um lado e a segurança da autoridade patriarcal do outro.
A segurança advém de um grupo social protegido e fechado, com uma estrutura hierárquica bem definida, assegurando a todos os membros da comunidade a ordem, disciplina e o respeito.
Este mito seria como uma fuga da realidade, uma vez que Stoica esclarece que Giradert o aponta como a recusa a aceitar o contexto político contemporâneo, representando, assim, o sentimento de vingança.
No caso de Bolsonaro, o mito da era dourada é facilmente perceptível em seu saudosismo da ditadura militar, período que o deputado considera glorioso, com “20 anos de ordem e progresso”, tempo “da família, do respeito e da segurança”.
Na visão do parlamentar, a ditadura livrou o Brasil de se tornar uma nova Cuba – o que reforça o mito da conspiração e sua aversão a uma ameaça comunista (que não existia em 1964 e não existe no século 21, frise-se).
Em seu voto no processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, Bolsonaro fez dedicatória à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, às Forças Armadas Brasil, além do Brasil e de colocar “Deus acima de tudo”.
Durante o regime militar, Ustra foi chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo, órgão de repressão do governo militar.
Sob seu comando, de acordo com a Comissão da Verdade, no mínimo 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e 500 foram torturadas.
Há alguns anos, quando não passava de um Deputado Federal desconhecido, Bolsonaro chegou a afirmar que se um dia fosse Presidente da República iria fechar o Congresso Nacional.
Como aconteceu precisamente no período da ditadura militar que, após o Ato Institucional Número 5 (AI-5) de 1968, manteve o Congresso fechado por pouco mais de 10 meses.
Agora, levando sua postulação à Presidência da República mais a sério, Bolsonaro muda o tom.
Em entrevista à Folha de São Paulo publicada no dia 13 de março de 2017, disse que “não vai pregar fechar o Congresso” e que apenas havia “expressado uma indignação popular”, atirando para o ente “povo” o desejo de ver o Congresso fechado.
Algo usual na retórica populista, Bolsonaro se apresenta como a voz do povo, afirmando reiteradas vezes que diz aquilo que povo quer ouvir e gostaria de dizer se tivesse oportunidade.
Mito da Unidade
O último dos quatro mitos políticos é o da unidade, que, segundo Stoica, “não pode ser dissociado da ideia de um destino (político) comum ou partilhado”, passando a imagem de um grupo de pessoas que luta pelos mesmos ideais e vivem sob harmonia.
A ideia de comunidade partilhada, entretanto, é limitada na retórica populista. A definição de “povo”, neste modo de ver o mundo, restringe-se apenas aqueles que são considerados “verdadeiros”, podendo ser uma “exclusão mais ou menos simbólica”, como, por exemplo, excluir os “corruptos ricos ou da elite”, como na visão dicotômica do populismo, ou pode se aproximar de uma segregação racial, como se via nos discursos de Jörg Haider da FPÖ e se verifica em Marine Le Pen, da Frente Nacional.
Embora negue ser homofóbico, Bolsonaro já defendeu a agressão física por parte dos pais que desconfiem de que o filho seja homossexual.
Também foi condenado a indenizar, por danos morais, em R$150 mil o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), do Ministério da Justiça, por dizer que não corria o risco de ter um filho gay pois seus filhos “tiveram boa educação” e também por declarações racistas.
Denominou de “kit gay” um projeto do Ministério da Educação (MEC) contra a homofobia nas escolas e foi contrário à iniciativa do governo, alegando se tratar de um ativismo “gay” nas escolas.
Embora negue ser racista, o parlamentar já declarou que considerava a possibilidade de um de seus quatro filhos se apaixonar por uma mulher negra uma “promiscuidade”.
Recentemente, foi condenado em primeira instância ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, devido a uma afirmação em palestra na Hebraica-RJ em que comentou sua ida a uma comunidade quilombola: “Fui num quilombo, e o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”.
Embora negue ser misógino, o deputado já protagonizou diversos episódios de ofensas às mulheres.
Seu episódio mais conhecido se trata da declaração à Deputada Federal Maria do Rosário, em que disse que não a estupraria porque ela não merecia.
Em abril, na Hebraica, Bolsonaro falou que teve quatro filhos homens e, no quinto, “fraquejou” e veio uma menina.
Em sua aversão às minorias, o deputado também possui episódio de xenofobia.
Já declarou que os refugiados “haitianos, senegaleses, bolivianos e tudo que é escória do mundo que, agora, está chegando os sírios também. A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problema demais para resolver”.
Assim como os “New Radical Right (NRR)”, como usa Herbert Kitschelt, Bolsonaro tem adotado nos últimos tempos um discurso de liberalismo de mercado, além de possuir uma agenda autoritária e episódio de xenofobia. Mas, também, compartilha com o movimento do NRR a repulsa a políticas redistributivas e ações afirmativas, como as implementadas durante os governos do PT.
É contra as cotas raciais (que considera uma forma de fomentar o “ódio entre os brasileiros”), contra o “Bolsa Família” (“curral eleitoral”) e se declarou contrário à demarcação de reservas indígenas e quilombolas.
Bolsonaro defende a castração química de estupradores, a redução da maioridade penal para 12 anos, a pena de morte, prisão perpétua e trabalhos forçados para presos (estes três últimos, impossíveis de acontecer, uma vez que se tratam de clausula pétrea da Constituição da República de 1988).
É, ainda, contrário aos direitos humanos, que considera proteger apenas os bandidos.
Defende que só se combate violência com “porrada”, que se o “bandido tem pistola, [a gente] tem que ter fuzil” e é favorável à liberação do porte de arma de fogo irrestrito.
Por fim, sendo um adepto de que a vontade da maioria deve prevalecer sobre os direitos das minorias, o deputado já afirmou, em evento na cidade de Campina Grande, na Paraíba, “sem essa de Estado Laico, somos um Estado Cristão” e acrescentou “Vamos fazer um Brasil para as maiorias. A minorias têm que se curvar às maiorias. A lei deve existir para defender as maiorias. As minorias se adequam ou, simplesmente, desapareçam”.
O mito da unidade, portanto, concretiza-se na promessa de constituição de uma sociedade em que as vontades e preferências da maioria (cristã?) prevaleceriam sobre todos os demais cidadãos.
Bolsonaro se coloca, assim, como o garantidor da harmonia (unidade) social da maioria (cristã?).
Conclusão
Embora para Bolsonaro, em sua visão estreita e superficial do mundo, o “populismo é a última fase do comunismo”, e aqui reiterando não apenas o mito da conspiração como também a própria divisão dicotômica da sociedade, uma análise ao seu discurso evidencia como sua retórica se encaixa tanto naquelas características que são comuns aos movimentos populistas, quanto no recurso aos quatro mitos políticos de Raoul Giradert aplicados a uma narrativa populista.
Em sua divisão de “nós” contra “eles”, o “BolsoMito”, o “salvador” do povo brasileiro (mas apenas da “maioria cristã”, pois a minoria deve se curvar perante o desejo da maioria), e nos seus posicionamentos acerca de questões sociais e econômicas, podemos concluir que Jair Messias Bolsonaro tem uma postura que se aproxima ora da New Radical Right, ora do nacional-populismo, fenômenos que se verificam no recente crescimento do populismo de direita um pouco por toda a Europa.
* Emanuel Leite Jr. é bacharel em Direito, jornalista, doutorando em Políticas Públicas na Universidade de Aveiro (Portugal).
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