Por Carlos Drummond, na revista CartaCapital:
Segundo a organização Global Justice Now, 69 das 100 maiores receitas anuais em 2015 provieram de corporações empresariais globais e 31 de Estados Nacionais. A ONG registrou aumento de seis megaempresas em relação ao ano anterior. O valor das dez maiores, de 285 trilhões de dólares, superou o dos 180 países mais pobres, de 280 trilhões. O trabalho soma-se a vários outros realizados desde que a ONU divulgou, anos atrás, que cerca de metade dos 100 maiores PIBs do mundo era composta de multinacionais, estas mensuradas pelas suas receitas.
Considerados os campeões em inovação, o Facebook e o Google concentram uma capacidade crescente de moldar a atenção das pessoas e as gerações que crescem na era digital terão dificuldade em restaurá-la, chamou atenção Soros. O domínio dos monopólios digitais tem consequências políticas de longo alcance, mostra a manipulação de informações nas eleições de 2016 nos EUA. A perspectiva mais alarmante, segundo Soros, é a aliança entre os monopólios de informação e os complexos de vigilância desenvolvidos pelos grandes Estados Nacionais.
A característica distintiva das empresas da plataforma de internet, disse o empresário, é que elas são redes e desfrutam de retornos marginais (por unidade adicional vendida) crescentes. Isso explica seu agigantamento: em oito anos e meio, o Facebook conseguiu 1 bilhão de usuários e precisou de metade desse tempo para alcançar o segundo bilhão.
A essa taxa, o Facebook converterá o planeta em menos de três anos. O Facebook e o Google controlam mais da metade de todas as receitas de publicidade na internet. Inúmeros provedores de conteúdo contribuem para a rentabilidade dos donos das redes sociais por não poderem evitar o uso das suas plataformas e terem de aceitar os termos que lhes são oferecidos.
A lucratividade excepcional daquelas empresas resulta, em grande parte, de fugirem do pagamento pelo conteúdo que oferecem. As companhias afirmam estar apenas distribuindo informações, mas o fato de serem quase monopolistas nessa atividade as torna um serviço público, e nessa condição deveriam estar sujeitas a regulamentos mais rigorosos visando à preservação da concorrência, da inovação e de um acesso universal justo e aberto, criticou Soros.
O empresário destacou a superioridade da definição de poder de monopólio na União Europeia em relação aos Estados Unidos. A aplicação da lei nos EUA concentra-se, principalmente, em monopólios criados por aquisições, enquanto a lei da Europa proíbe o abuso do poder de monopólio, independentemente de como foi alcançado.
Além disso, a legislação americana adotou uma doutrina estranha: ela mede o prejuízo como um aumento no preço pago pelos clientes por serviços recebidos – e isso é quase impossível de provar quando a maioria dos serviços é prestada gratuitamente. O procedimento não leva em consideração as valiosas plataformas de dados que as empresas coletam de seus usuários. As leis europeias de proteção de privacidade e de dados são muito mais fortes do que as americanas. A UE levou sete anos para construir um caso contra o Google, mas seu sucesso influencia hoje ações nos Estados Unidos contra os monopólios.
O poder descontrolado dos monopólios empresariais é um problema imenso, alertou o Nobel de Economia Joseph Stiglitz no artigo intitulado “America has a monopoly problem – and it’s huge”, publicado em outubro. Dominada pelas grandes corporações, disse, a economia falhou para a maioria e enriqueceu poucos. As consequências são graves.
“Costumávamos pensar que os altos lucros eram um sinal do sucesso do funcionamento da economia americana, efeitos de um produto melhor, um serviço de qualidade superior. Mas, agora, sabemos que maiores lucros podem resultar de uma maneira mais eficaz de explorar os consumidores e discriminar preços extraindo o excedente do comprador, cujo principal efeito é redistribuir a renda para o novo super-rico”, analisa Stiglitz.
A lei antitruste Sherman de 1890 visava coibir a concentração de poder econômico para revitalizar a sociedade e a democracia, diz, mas um exército de economistas e legisladores estreitou o seu escopo, presumiu que o mercado é de fato naturalmente competitivo e isso ensejou a proliferação e o fortalecimento dos monopólios. O aumento no poder de mercado de poucas empresas em cada setor levou a uma elevação nos preços em relação aos custos e isso diminuiu o padrão de vida e reduziu os salários dos trabalhadores.
O economista atribui grande parte do crescimento da desigualdade a uma redistribuição de renda a partir dos trabalhadores e dos poupadores comuns para os proprietários desses oligopólios e monopólios. Parte disso, analisa, pode ser resultado natural da evolução da economia, do crescimento das indústrias com efeitos sociais, econômicos e ambientais, de mudança na demanda para os serviços locais, mas muito se deve a uma alteração das regras implícitas do jogo e à adoção de novos padrões antitruste mais permissivos que facilitaram a criação, o abuso e a alavancagem do poder de mercado de poucos grupos.
Múltiplos estudos, prossegue Stiglitz, confirmaram um aumento dramático da parcela do preço acima do custo de produção e distribuição (mark-up), como seria de esperar a partir do crescimento do poder de mercado. Mordecai Kurz, da Universidade de Stanford, mostrou recentemente que quase 80% do valor patrimonial das empresas com ações ou outros títulos negociados com o público são atribuíveis às rendas, representando quase um quarto do valor adicionado total e com grande concentração no setor de tecnologia da informação. Tudo isso é uma mudança marcante em comparação com 30 anos atrás.
Os efeitos adversos da desigualdade resultante são óbvios, continua o economista, mas há numerosas consequências indiretas que resultam em uma economia com desempenho mais pobre. Primeiro, a riqueza originada da capitalização das rendas, que ele denomina de riqueza-renda, esvazia a formação de capital.
A fraca formação de capital dos anos recentes é parte e parcela do crescimento das rendas e da riqueza-renda, levando à estagnação econômica. Segundo, com monopólios o retorno marginal do investimento é menor do que o retorno médio – eles sabem que os seus preços podem cair se eles produzirem mais –, o que explica o resultado anômalo de imensos lucros corporativos, mas baixas taxas de investimento corporativo, mesmo com o custo de capital desabando.
Terceiro, as distorções na alocação de recursos associadas ao poder de mercado levam a uma economia menos eficiente. Quarto, o poder de mercado em particular tem sido usado para sufocar a inovação – exatamente o oposto do que deveria acontecer, segundo a Escola de Chicago. Há evidência do declínio do ritmo de criação de novas firmas inovadoras, especialmente daquelas lideradas por jovens empreendedores.
Quinto, a habilidade desses novos monstros empresariais de evitar tributação significa que o público está sendo privado de receitas essenciais para investir em infraestrutura, pessoal e tecnologia – novamente contribuindo para a estagnação e distorção da economia com a outorga, a essas firmas, de uma vantagem competitiva injusta.
Sexto, com o dinheiro movendo-se da base da pirâmide para o topo, o que significa o gasto de uma parcela menor da renda, a demanda agregada é enfraquecida, a menos que seja compensada por outras macropolíticas. Na década decorrida desde a Grande Recessão, a política fiscal foi restringida, e, devido a essas restrições, a política monetária não conseguiu preencher a lacuna.
“Devemos nos preocupar com essa aglomeração de poder de mercado, não só por causa das suas consequências econômicas, mas também em razão dos seus efeitos políticos. Uma desigualdade econômica crescente leva a uma desigualdade política crescente, que pode e tem sido usada para criar regras do jogo que perpetuam a iniquidade econômica”, chama atenção Stiglitz.
Empresas gigantes criam demandas nem sempre benéficas à sociedade. A General Motors fez uma campanha em 1952 pelo desmonte dos sistemas de trânsito urbano com o objetivo de estimular o uso de automóveis. “O que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos”, disse na época o presidente da empresa, Charles Wilson. Não foi bem assim.
O lobby da montadora minou o transporte público, com consequências profundas em várias áreas e que mantém a economia estadunidense refém dos combustíveis fósseis até hoje, observa Neva Goodwin em trabalho sobre o impacto social das corporações multinacionais. Outro exemplo citado é a criação, pela Nestlé, de demanda pela sua fórmula alimentar infantil nos países subdesenvolvidos.
O crescimento do Facebook e do Google ameaça a economia e a sociedade, alertou o bilionário George Soros em Davos em seu discurso anual sobre as perspectivas mundiais, mas os monopólios globais da tecnologia da informação são só a parte mais vistosa de um problema de proporções imensas. Com crescimento desenfreado em especial a partir dos anos 1980, as multinacionais conquistaram um poder sem precedentes e exercem controle indireto sobre os Estados Nacionais e as sociedades.
As megaempresas transnacionais são os novos Leviatãs, na definição cunhada em 2005 pelos economistas Alfred D. Chandler e Bruce Mazlish, que consideraram o poderio do bloco privado superior ao do Estado Nacional, rotulado com aquela metáfora bíblica pelo filósofo Thomas Hobbes no século XVII.
As megaempresas transnacionais são os novos Leviatãs, na definição cunhada em 2005 pelos economistas Alfred D. Chandler e Bruce Mazlish, que consideraram o poderio do bloco privado superior ao do Estado Nacional, rotulado com aquela metáfora bíblica pelo filósofo Thomas Hobbes no século XVII.
Segundo a organização Global Justice Now, 69 das 100 maiores receitas anuais em 2015 provieram de corporações empresariais globais e 31 de Estados Nacionais. A ONG registrou aumento de seis megaempresas em relação ao ano anterior. O valor das dez maiores, de 285 trilhões de dólares, superou o dos 180 países mais pobres, de 280 trilhões. O trabalho soma-se a vários outros realizados desde que a ONU divulgou, anos atrás, que cerca de metade dos 100 maiores PIBs do mundo era composta de multinacionais, estas mensuradas pelas suas receitas.
Considerados os campeões em inovação, o Facebook e o Google concentram uma capacidade crescente de moldar a atenção das pessoas e as gerações que crescem na era digital terão dificuldade em restaurá-la, chamou atenção Soros. O domínio dos monopólios digitais tem consequências políticas de longo alcance, mostra a manipulação de informações nas eleições de 2016 nos EUA. A perspectiva mais alarmante, segundo Soros, é a aliança entre os monopólios de informação e os complexos de vigilância desenvolvidos pelos grandes Estados Nacionais.
A característica distintiva das empresas da plataforma de internet, disse o empresário, é que elas são redes e desfrutam de retornos marginais (por unidade adicional vendida) crescentes. Isso explica seu agigantamento: em oito anos e meio, o Facebook conseguiu 1 bilhão de usuários e precisou de metade desse tempo para alcançar o segundo bilhão.
A essa taxa, o Facebook converterá o planeta em menos de três anos. O Facebook e o Google controlam mais da metade de todas as receitas de publicidade na internet. Inúmeros provedores de conteúdo contribuem para a rentabilidade dos donos das redes sociais por não poderem evitar o uso das suas plataformas e terem de aceitar os termos que lhes são oferecidos.
A lucratividade excepcional daquelas empresas resulta, em grande parte, de fugirem do pagamento pelo conteúdo que oferecem. As companhias afirmam estar apenas distribuindo informações, mas o fato de serem quase monopolistas nessa atividade as torna um serviço público, e nessa condição deveriam estar sujeitas a regulamentos mais rigorosos visando à preservação da concorrência, da inovação e de um acesso universal justo e aberto, criticou Soros.
O empresário destacou a superioridade da definição de poder de monopólio na União Europeia em relação aos Estados Unidos. A aplicação da lei nos EUA concentra-se, principalmente, em monopólios criados por aquisições, enquanto a lei da Europa proíbe o abuso do poder de monopólio, independentemente de como foi alcançado.
Além disso, a legislação americana adotou uma doutrina estranha: ela mede o prejuízo como um aumento no preço pago pelos clientes por serviços recebidos – e isso é quase impossível de provar quando a maioria dos serviços é prestada gratuitamente. O procedimento não leva em consideração as valiosas plataformas de dados que as empresas coletam de seus usuários. As leis europeias de proteção de privacidade e de dados são muito mais fortes do que as americanas. A UE levou sete anos para construir um caso contra o Google, mas seu sucesso influencia hoje ações nos Estados Unidos contra os monopólios.
O poder descontrolado dos monopólios empresariais é um problema imenso, alertou o Nobel de Economia Joseph Stiglitz no artigo intitulado “America has a monopoly problem – and it’s huge”, publicado em outubro. Dominada pelas grandes corporações, disse, a economia falhou para a maioria e enriqueceu poucos. As consequências são graves.
“Costumávamos pensar que os altos lucros eram um sinal do sucesso do funcionamento da economia americana, efeitos de um produto melhor, um serviço de qualidade superior. Mas, agora, sabemos que maiores lucros podem resultar de uma maneira mais eficaz de explorar os consumidores e discriminar preços extraindo o excedente do comprador, cujo principal efeito é redistribuir a renda para o novo super-rico”, analisa Stiglitz.
A lei antitruste Sherman de 1890 visava coibir a concentração de poder econômico para revitalizar a sociedade e a democracia, diz, mas um exército de economistas e legisladores estreitou o seu escopo, presumiu que o mercado é de fato naturalmente competitivo e isso ensejou a proliferação e o fortalecimento dos monopólios. O aumento no poder de mercado de poucas empresas em cada setor levou a uma elevação nos preços em relação aos custos e isso diminuiu o padrão de vida e reduziu os salários dos trabalhadores.
O economista atribui grande parte do crescimento da desigualdade a uma redistribuição de renda a partir dos trabalhadores e dos poupadores comuns para os proprietários desses oligopólios e monopólios. Parte disso, analisa, pode ser resultado natural da evolução da economia, do crescimento das indústrias com efeitos sociais, econômicos e ambientais, de mudança na demanda para os serviços locais, mas muito se deve a uma alteração das regras implícitas do jogo e à adoção de novos padrões antitruste mais permissivos que facilitaram a criação, o abuso e a alavancagem do poder de mercado de poucos grupos.
Múltiplos estudos, prossegue Stiglitz, confirmaram um aumento dramático da parcela do preço acima do custo de produção e distribuição (mark-up), como seria de esperar a partir do crescimento do poder de mercado. Mordecai Kurz, da Universidade de Stanford, mostrou recentemente que quase 80% do valor patrimonial das empresas com ações ou outros títulos negociados com o público são atribuíveis às rendas, representando quase um quarto do valor adicionado total e com grande concentração no setor de tecnologia da informação. Tudo isso é uma mudança marcante em comparação com 30 anos atrás.
Os efeitos adversos da desigualdade resultante são óbvios, continua o economista, mas há numerosas consequências indiretas que resultam em uma economia com desempenho mais pobre. Primeiro, a riqueza originada da capitalização das rendas, que ele denomina de riqueza-renda, esvazia a formação de capital.
A fraca formação de capital dos anos recentes é parte e parcela do crescimento das rendas e da riqueza-renda, levando à estagnação econômica. Segundo, com monopólios o retorno marginal do investimento é menor do que o retorno médio – eles sabem que os seus preços podem cair se eles produzirem mais –, o que explica o resultado anômalo de imensos lucros corporativos, mas baixas taxas de investimento corporativo, mesmo com o custo de capital desabando.
Terceiro, as distorções na alocação de recursos associadas ao poder de mercado levam a uma economia menos eficiente. Quarto, o poder de mercado em particular tem sido usado para sufocar a inovação – exatamente o oposto do que deveria acontecer, segundo a Escola de Chicago. Há evidência do declínio do ritmo de criação de novas firmas inovadoras, especialmente daquelas lideradas por jovens empreendedores.
Quinto, a habilidade desses novos monstros empresariais de evitar tributação significa que o público está sendo privado de receitas essenciais para investir em infraestrutura, pessoal e tecnologia – novamente contribuindo para a estagnação e distorção da economia com a outorga, a essas firmas, de uma vantagem competitiva injusta.
Sexto, com o dinheiro movendo-se da base da pirâmide para o topo, o que significa o gasto de uma parcela menor da renda, a demanda agregada é enfraquecida, a menos que seja compensada por outras macropolíticas. Na década decorrida desde a Grande Recessão, a política fiscal foi restringida, e, devido a essas restrições, a política monetária não conseguiu preencher a lacuna.
“Devemos nos preocupar com essa aglomeração de poder de mercado, não só por causa das suas consequências econômicas, mas também em razão dos seus efeitos políticos. Uma desigualdade econômica crescente leva a uma desigualdade política crescente, que pode e tem sido usada para criar regras do jogo que perpetuam a iniquidade econômica”, chama atenção Stiglitz.
Empresas gigantes criam demandas nem sempre benéficas à sociedade. A General Motors fez uma campanha em 1952 pelo desmonte dos sistemas de trânsito urbano com o objetivo de estimular o uso de automóveis. “O que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos”, disse na época o presidente da empresa, Charles Wilson. Não foi bem assim.
O lobby da montadora minou o transporte público, com consequências profundas em várias áreas e que mantém a economia estadunidense refém dos combustíveis fósseis até hoje, observa Neva Goodwin em trabalho sobre o impacto social das corporações multinacionais. Outro exemplo citado é a criação, pela Nestlé, de demanda pela sua fórmula alimentar infantil nos países subdesenvolvidos.
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