Por Ikaro Chaves e Fabíola Latino, no site da Fundação Maurício Grabois:
Não é verdade que o projeto do governo Temer para o setor elétrico brasileiro se resuma à privatização da Eletrobras. Ele vai muito além, mas assim como a irresponsável proposta de privatizar a maior empresa de energia elétrica da América Latina, a mudança no marco legal do setor aponta para um perigoso e insustentável futuro para o país.
O Brasil construiu uma das matrizes energéticas mais limpas e renováveis do mundo, muito em função do setor elétrico. A título de comparação, no ano de 2016 quase 70% da energia elétrica produzida no Brasil teve origem hidráulica, enquanto que na China, maior consumidor desse produto no mundo, mais de 60% da produção teve por base o carvão mineral. Entretanto essa vantagem econômica e ambiental está seriamente ameaçada.
A nota técnica n°5, da consulta pública 33 do Ministério das Minas e Energia (MME), lançada em julho de 2017, chamada “Proposta de aprimoramento do marco legal do setor elétrico” traz dentre outras proposições a separação entre energia e lastro (garantia de fornecimento). Hoje as usinas vendem sua garantia física, ou seja, um certificado de capacidade de produção de energia no decorrer de um ano.
Um dos problemas mais sérios do setor elétrico brasileiro, o GSF (Generation Scale Factor) que nada mais é do que a diferença entre as garantias físicas das usinas e a energia que elas efetivamente são capazes de entregar. Essa diferença tem causado sérios problemas às geradoras e no fim das contas aos consumidores, pois esse déficit hídrico é suprido pela geração termelétrica, muito mais cara, dando origem às bandeiras tarifárias.
A solução proposta é que as usinas, sejam elas hidráulicas, térmicas ou de outra fonte, vendam energia e lastro, ou seja, confiabilidade. Os critérios propostos pelo MME para valorar o tal lastro são: confiabilidade; velocidade de resposta às decisões de despacho; contribuição para as perdas de energia elétrica; economicidade proporcionada ao sistema de transmissão ou de distribuição necessário ao escoamento da energia gerada; capacidade de atendimento à demanda de energia elétrica nos momentos de maior consumo e capacidade de regulação e tensão e frequência.
As características acima listadas em tudo favorecem a geração termoelétrica, dentre outras coisas porque uma usina térmica pode ser construída próxima ao centro de carga e, desde que haja combustível, pode gerar em potência máxima sempre que solicitada. Muito diferente de uma hidrelétrica, por exemplo, que depende da disponibilidade de água para gerar, ou mesmo das usinas eólicas, totalmente dependentes do regime dos ventos.
A suspeita de que o governo trabalha na direção do aumento da geração termoelétrica a combustíveis fósseis é reforçada pelos dados do Plano Decenal de Energia (PDE) 2016-2026, fornecido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Nesse plano prevê-se para o período um incremento de 1.317 MW de energia hidrelétrica e de 2.667 MW em térmicas, além disso o PDE prevê um incremento de 23.529 MW em pequenas centrais hidrelétricas, eólicas, biomassa e solar.
Três coisas chamam a atenção no PDE: 1. A energia termoelétrica, mais cara, mais poluente e não renovável crescerá mais que o dobro da energia hidrelétrica; 2. Há uma aposta muito forte no crescimento da energia eólica; 3. Por conta da intermitência da geração eólica aposta-se numa tal “geração alternativa de ponta”, muito provavelmente térmica e que somaria nada mais nada menos que 12.198 MW.
É inadmissível que o Governo faça uma proposta completamente desalinhada dos protocolos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A COP 17 e o Rio 20, apontam a necessidade de investimento em energia limpa, renovável. O documento “O Futuro que Queremos”, resultado do Rio 20, aponta o “papel fundamental que a energia desempenha no processo de desenvolvimento, já que o acesso a serviços de energia modernos sustentáveis contribui para a erradicação da pobreza, salva vidas, melhora a saúde e atende às necessidades básicas do ser humano. Ressaltamos que esses serviços são essenciais para a inclusão social e a igualdade de gênero, e que a energia é também uma contribuição essencial para a produção.”
A hidroeletricidade é energia barata, renovável e muito menos geradora de gases de efeito estufa do que a termoeletricidade gerada por combustíveis fósseis. Os reservatórios das usinas hidrelétricas funcionam como grandes baterias de acumulação de energia na forma de energia potencial gravitacional, regulando o despacho de carga de forma eficiente e barata. Na verdade, esses reservatórios, quase sempre, trazem muito mais benefícios às populações do que apenas a geração de energia. Controlam a vazão dos rios, são utilizadas para a irrigação, a pesca, o abastecimento humano e animal e até para o lazer. O potencial hidrelétrico brasileiro é de 260 mil MW, desses apenas 30% foi utilizado e o remanescente, em condições de ser aproveitado seria capaz de mais do que dobrar nossa capacidade instalada de energia hidrelétrica.
Nos países mais desenvolvidos do mundo, quando há potencial hidrelétrico este é utilizado, é assim na Noruega, no Canadá, na França, no Japão e nos EUA, por exemplo. Já no Brasil, a despeito de nossa expertise na construção e operação de usinas hidrelétricas, os obstáculos legais para a construção de novas usinas são tão grandes que mesmo ainda possuindo imenso potencial estamos preferindo deixa-lo de lado para queimar combustíveis fósseis. Países como a Alemanha e a Espanha, onde se verifica grande crescimento das energias eólica e solar, buscam novas opções tecnológicas para resolver o problema da intermitência dos ventos e do sol, mas por lá, basicamente, quem ainda cumpre esse papel são as térmicas.
Nos anos 90, quando o governo FHC propôs sua remodelação do setor elétrico, buscou inspiração na Inglaterra, que privatizou e mercantilizou completamente o setor. Na época, especialistas alertavam que o modelo inglês não poderia ser copiado no Brasil porque enquanto o sistema elétrico britânico era baseado na geração térmica, por aqui a base era hidráulica. Pois bem, passados mais de 20 anos da reforma neoliberal no nosso setor elétrico e quando fica cada vez mais evidente a inadequação desse modelo, ao invés de readequar o marco legal à realidade brasileira de uma matriz fortemente hídrica e renovável o governo parece disposto a mudar a matriz energética brasileira, tornando-a mais parecida com a inglesa, baseada em combustíveis fosseis.
A hidroeletricidade é o complemento perfeito para suprir essa deficiência das fontes intermitentes e se os países europeus ainda tivessem potencial hidrelétrico a aproveitar certamente o fariam, mas por aqui, mesmo contando com essa dádiva da natureza, pelo visto vamos preferir pagar mais caro e poluir mais o planeta.
* Ikaro Chaves é engenheiro eletricista da Eletronorte e diretor do STIUDF; Fabíola é engenheira florestal da Eletronorte e diretora do STIUD.
O Brasil construiu uma das matrizes energéticas mais limpas e renováveis do mundo, muito em função do setor elétrico. A título de comparação, no ano de 2016 quase 70% da energia elétrica produzida no Brasil teve origem hidráulica, enquanto que na China, maior consumidor desse produto no mundo, mais de 60% da produção teve por base o carvão mineral. Entretanto essa vantagem econômica e ambiental está seriamente ameaçada.
A nota técnica n°5, da consulta pública 33 do Ministério das Minas e Energia (MME), lançada em julho de 2017, chamada “Proposta de aprimoramento do marco legal do setor elétrico” traz dentre outras proposições a separação entre energia e lastro (garantia de fornecimento). Hoje as usinas vendem sua garantia física, ou seja, um certificado de capacidade de produção de energia no decorrer de um ano.
Um dos problemas mais sérios do setor elétrico brasileiro, o GSF (Generation Scale Factor) que nada mais é do que a diferença entre as garantias físicas das usinas e a energia que elas efetivamente são capazes de entregar. Essa diferença tem causado sérios problemas às geradoras e no fim das contas aos consumidores, pois esse déficit hídrico é suprido pela geração termelétrica, muito mais cara, dando origem às bandeiras tarifárias.
A solução proposta é que as usinas, sejam elas hidráulicas, térmicas ou de outra fonte, vendam energia e lastro, ou seja, confiabilidade. Os critérios propostos pelo MME para valorar o tal lastro são: confiabilidade; velocidade de resposta às decisões de despacho; contribuição para as perdas de energia elétrica; economicidade proporcionada ao sistema de transmissão ou de distribuição necessário ao escoamento da energia gerada; capacidade de atendimento à demanda de energia elétrica nos momentos de maior consumo e capacidade de regulação e tensão e frequência.
As características acima listadas em tudo favorecem a geração termoelétrica, dentre outras coisas porque uma usina térmica pode ser construída próxima ao centro de carga e, desde que haja combustível, pode gerar em potência máxima sempre que solicitada. Muito diferente de uma hidrelétrica, por exemplo, que depende da disponibilidade de água para gerar, ou mesmo das usinas eólicas, totalmente dependentes do regime dos ventos.
A suspeita de que o governo trabalha na direção do aumento da geração termoelétrica a combustíveis fósseis é reforçada pelos dados do Plano Decenal de Energia (PDE) 2016-2026, fornecido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Nesse plano prevê-se para o período um incremento de 1.317 MW de energia hidrelétrica e de 2.667 MW em térmicas, além disso o PDE prevê um incremento de 23.529 MW em pequenas centrais hidrelétricas, eólicas, biomassa e solar.
Três coisas chamam a atenção no PDE: 1. A energia termoelétrica, mais cara, mais poluente e não renovável crescerá mais que o dobro da energia hidrelétrica; 2. Há uma aposta muito forte no crescimento da energia eólica; 3. Por conta da intermitência da geração eólica aposta-se numa tal “geração alternativa de ponta”, muito provavelmente térmica e que somaria nada mais nada menos que 12.198 MW.
É inadmissível que o Governo faça uma proposta completamente desalinhada dos protocolos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A COP 17 e o Rio 20, apontam a necessidade de investimento em energia limpa, renovável. O documento “O Futuro que Queremos”, resultado do Rio 20, aponta o “papel fundamental que a energia desempenha no processo de desenvolvimento, já que o acesso a serviços de energia modernos sustentáveis contribui para a erradicação da pobreza, salva vidas, melhora a saúde e atende às necessidades básicas do ser humano. Ressaltamos que esses serviços são essenciais para a inclusão social e a igualdade de gênero, e que a energia é também uma contribuição essencial para a produção.”
A hidroeletricidade é energia barata, renovável e muito menos geradora de gases de efeito estufa do que a termoeletricidade gerada por combustíveis fósseis. Os reservatórios das usinas hidrelétricas funcionam como grandes baterias de acumulação de energia na forma de energia potencial gravitacional, regulando o despacho de carga de forma eficiente e barata. Na verdade, esses reservatórios, quase sempre, trazem muito mais benefícios às populações do que apenas a geração de energia. Controlam a vazão dos rios, são utilizadas para a irrigação, a pesca, o abastecimento humano e animal e até para o lazer. O potencial hidrelétrico brasileiro é de 260 mil MW, desses apenas 30% foi utilizado e o remanescente, em condições de ser aproveitado seria capaz de mais do que dobrar nossa capacidade instalada de energia hidrelétrica.
Nos países mais desenvolvidos do mundo, quando há potencial hidrelétrico este é utilizado, é assim na Noruega, no Canadá, na França, no Japão e nos EUA, por exemplo. Já no Brasil, a despeito de nossa expertise na construção e operação de usinas hidrelétricas, os obstáculos legais para a construção de novas usinas são tão grandes que mesmo ainda possuindo imenso potencial estamos preferindo deixa-lo de lado para queimar combustíveis fósseis. Países como a Alemanha e a Espanha, onde se verifica grande crescimento das energias eólica e solar, buscam novas opções tecnológicas para resolver o problema da intermitência dos ventos e do sol, mas por lá, basicamente, quem ainda cumpre esse papel são as térmicas.
Nos anos 90, quando o governo FHC propôs sua remodelação do setor elétrico, buscou inspiração na Inglaterra, que privatizou e mercantilizou completamente o setor. Na época, especialistas alertavam que o modelo inglês não poderia ser copiado no Brasil porque enquanto o sistema elétrico britânico era baseado na geração térmica, por aqui a base era hidráulica. Pois bem, passados mais de 20 anos da reforma neoliberal no nosso setor elétrico e quando fica cada vez mais evidente a inadequação desse modelo, ao invés de readequar o marco legal à realidade brasileira de uma matriz fortemente hídrica e renovável o governo parece disposto a mudar a matriz energética brasileira, tornando-a mais parecida com a inglesa, baseada em combustíveis fosseis.
A hidroeletricidade é o complemento perfeito para suprir essa deficiência das fontes intermitentes e se os países europeus ainda tivessem potencial hidrelétrico a aproveitar certamente o fariam, mas por aqui, mesmo contando com essa dádiva da natureza, pelo visto vamos preferir pagar mais caro e poluir mais o planeta.
* Ikaro Chaves é engenheiro eletricista da Eletronorte e diretor do STIUDF; Fabíola é engenheira florestal da Eletronorte e diretora do STIUD.
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