Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
Caro Presidente Lula,
Em primeiro lugar, permita-me tratá-lo assim. Isto não significa desrespeito à companheira Dilma, última presidenta legítima do Brasil. É um vezo meu. Por exemplo: nunca deixei de chamar o companheiro Leonel Brizola de “governador”. E não era porque ele fora governador do Rio de Janeiro. Era porque ele fora e é o imortal Governador da Legalidade, de 1961, uma das poucas ocasiões em que um golpe de estado posto em marcha teve de recuar e perdeu, embora a saída tenha sido, naquela ocasião, o empate técnico do Parlamentarismo.
A vontade de lhe dirigir esta carta aberta me veio de uma pluralidade de motivos. O primeiro foi a desfaçatez do déspota de plantão, que foi à TV comparar-se com José Joaquim da Silva Xavier. Ora, além de desrespeito ao nosso primeiro mártir da Independência, isto é um desrespeito a você, porque todo mundo sabe que você é o nosso Tiradentes do século XXI.
Outro motivo foi a decisão desta juíza de primeira instância de Curitiba, proibindo a visita de Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, e de Leonardo Boff, um dos mais importantes teólogos do Cristianismo de todos os tempos. São pessoas – todos vocês três – que têm a idade de ser seu pai, ou avô. Tudo o que tenho a dizer sobre ela é que um dia, se Deus e o Diabo permitirem, ela há de envelhecer. E aí, quem sabe, se dará conta da atrocidade que praticou. Bem, se não se der, seria porque se empedrou por dentro, condenada a um destino semelhante ao do gigante Adamastor, de Camões, o Mostrengo, de Fernando Pessoa.
Outro motivo foi a impropriedade, que li, de idiotas defensores dos privilégios (que confundem com direitos) dos latifundiários do extremo sul do país, de meu estado natal, o Rio Grande do Sul, invocando a legenda farroupilha para agredir a você e os participantes da sua caravana pela cidadania. Tenho a certeza de que muitos dos legendários republicanos de 1835 -1845, se vivos fossem, estariam solidários com você nesta cela de Curitiba. Para não cometer injustiças pelo esquecimento, vou me referir a três deles.
O primeiro é o menos conhecido: o Coronel Teixeira Nunes, que armou, treinou e mais que comandou, liderou as Brigadas dos Corpos de Cavalaria dos Lanceiros Negros, ex-escravos que combatiam com os Farrapos e eram o terror dos Imperiais. Eles hoje dão nome a um dos principais movimentos de Sem-Teto na capital dos gaúchos, Porto Alegre. Odiado, Teixeira Nunes foi implacavelmente perseguido e degolado pelos Imperiais num momento em que já se negociava a paz que, de fato, foi assinada algumas semanas depois de sua morte, em Ponche Verde.
Os outros dois quase dispensam apresentação: são Anita e Giuseppe Garibaldi, a “heroína e o herói de dois mundos”, combatentes libertários, testemunhas vivas até hoje da liberdade das paixões e da paixão pela liberdade. Não tenho a menor dúvida de que, vivos fossem, estariam tentando também visitá-lo, com Pérez Esquivel e Leonardo Boff.
Nossa relação, caro Presidente, vem de longe. Tenho guardado um pequeno documento que a atesta. Trata-se de um papelzinho, quase um 3 x 4, que você assinou num longínquo dia de 1980, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, naquele tempo, dito de São Bernardo, hoje do ABC. Foi o ano de uma das greves que marcaram o começo do fim da ditadura inaugurada em 1964. Eu morava então no Canadá, e organizara uma coleta de fundos, que rendeu cerca de 200 dólares canadenses, naquela época uma pequena fortuna, que lhe foram entregues pelo presidente da Associação dos Docentes da USP, a Adusp, no campus do Butantã, auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, idealizada pelo imortal Artigas. Eu pedi ao presidente da Adusp que solicitasse um recibo, para apresentar aos contribuintes canadenses. E você o escreveu e assinou: “Luís Inácio da Silva”. Você ainda não era o Lula, e era chamado pelos companheiros sindicalistas mais próximos de “Baiano”.
Bom, tivemos um mentor comum: o padre Valter Seidl, que foi meu professor no Colégio Anchieta, de Porto Alegre, e depois foi pároco da Igreja do Carmo, em Santo André, a cuja paróquia à qual o Sindicato, de que você era o presidente, pertencia. Você dizia que, se fosse eleito Presidente, o levaria para ser o capelão do Palácio do Planalto. Infelizmente ele nos deixou lá por 1996, se não me engano.
Agora estamos nesta situação: você detido nos 15 metros quadrados de uma cela em Curitiba e eu a um oceano e muitos quilômetros depois, em outro hemisfério, mas com meu coração cativo aí com o seu. Assim como – sei – há milhões de corações detidos com você, nesta cela a que o condenaram injustamente. Ela não é uma solitária, é uma “solidária”, tamanha é a solidariedade mundial com você. Imagino que os seus algozes – os Lava Jato, os Power Points, os juízes do Supremo que rasgam a Constituição, os coveiros da democracia na mídia – além da obtusidade do seu pensamento, devem sofrer com o verme da inveja que rói as suas entranhas.
Como disse o Pérez Esquivel, você liderou um movimento ascensional de dezenas de milhões de pessoas e famílias que saíram da miséria e da pobreza em direção a uma vida melhor. Além disto mostrou ao mundo e a nós mesmos o potencial de um país como o Brasil enquanto líder de uma promoção da paz no mundo. Você fez por merecer o prêmio a que agora é candidato. Não sabemos se você vai recebê-lo. O colegiado que o concede é uma incógnita. Além disto o Brasil oficial é especialista em sabotar seus candidatos ao Nobel. Isto aconteceu com Carlos Chagas, na Medicina, sabotado pela inveja de colegas que lhe negavam o mérito da caracterização da doença que hoje herdou o seu nome. Também aconteceu com D. Helder Câmara, quanto ao Nobel da Paz, em 1971. O governo ditatorial de então fez de tudo para sabotar sua candidatura. O Nobel daquele ano foi para Willy Brandt. Não que este não o merecesse. Mas consta, extra-oficialmente, que o resultado na Comissão que concede o prêmio foi 3 x 2 entre ele e D. Helder. Não duvido que o atual governo Silvério dos Reis fizesse a mesma sabotagem em relação a você.
Enfim, caro Presidente, para encerrar, lhe envio esta criação alusiva ao 21 de abril que eu e mais dois artistas plásticos elaboramos.
Valeu, Presidente. A Liberdade o aguarda, assim como o esquecimento aguarda seus algozes.
Em primeiro lugar, permita-me tratá-lo assim. Isto não significa desrespeito à companheira Dilma, última presidenta legítima do Brasil. É um vezo meu. Por exemplo: nunca deixei de chamar o companheiro Leonel Brizola de “governador”. E não era porque ele fora governador do Rio de Janeiro. Era porque ele fora e é o imortal Governador da Legalidade, de 1961, uma das poucas ocasiões em que um golpe de estado posto em marcha teve de recuar e perdeu, embora a saída tenha sido, naquela ocasião, o empate técnico do Parlamentarismo.
A vontade de lhe dirigir esta carta aberta me veio de uma pluralidade de motivos. O primeiro foi a desfaçatez do déspota de plantão, que foi à TV comparar-se com José Joaquim da Silva Xavier. Ora, além de desrespeito ao nosso primeiro mártir da Independência, isto é um desrespeito a você, porque todo mundo sabe que você é o nosso Tiradentes do século XXI.
Outro motivo foi a decisão desta juíza de primeira instância de Curitiba, proibindo a visita de Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, e de Leonardo Boff, um dos mais importantes teólogos do Cristianismo de todos os tempos. São pessoas – todos vocês três – que têm a idade de ser seu pai, ou avô. Tudo o que tenho a dizer sobre ela é que um dia, se Deus e o Diabo permitirem, ela há de envelhecer. E aí, quem sabe, se dará conta da atrocidade que praticou. Bem, se não se der, seria porque se empedrou por dentro, condenada a um destino semelhante ao do gigante Adamastor, de Camões, o Mostrengo, de Fernando Pessoa.
Outro motivo foi a impropriedade, que li, de idiotas defensores dos privilégios (que confundem com direitos) dos latifundiários do extremo sul do país, de meu estado natal, o Rio Grande do Sul, invocando a legenda farroupilha para agredir a você e os participantes da sua caravana pela cidadania. Tenho a certeza de que muitos dos legendários republicanos de 1835 -1845, se vivos fossem, estariam solidários com você nesta cela de Curitiba. Para não cometer injustiças pelo esquecimento, vou me referir a três deles.
O primeiro é o menos conhecido: o Coronel Teixeira Nunes, que armou, treinou e mais que comandou, liderou as Brigadas dos Corpos de Cavalaria dos Lanceiros Negros, ex-escravos que combatiam com os Farrapos e eram o terror dos Imperiais. Eles hoje dão nome a um dos principais movimentos de Sem-Teto na capital dos gaúchos, Porto Alegre. Odiado, Teixeira Nunes foi implacavelmente perseguido e degolado pelos Imperiais num momento em que já se negociava a paz que, de fato, foi assinada algumas semanas depois de sua morte, em Ponche Verde.
Os outros dois quase dispensam apresentação: são Anita e Giuseppe Garibaldi, a “heroína e o herói de dois mundos”, combatentes libertários, testemunhas vivas até hoje da liberdade das paixões e da paixão pela liberdade. Não tenho a menor dúvida de que, vivos fossem, estariam tentando também visitá-lo, com Pérez Esquivel e Leonardo Boff.
Nossa relação, caro Presidente, vem de longe. Tenho guardado um pequeno documento que a atesta. Trata-se de um papelzinho, quase um 3 x 4, que você assinou num longínquo dia de 1980, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, naquele tempo, dito de São Bernardo, hoje do ABC. Foi o ano de uma das greves que marcaram o começo do fim da ditadura inaugurada em 1964. Eu morava então no Canadá, e organizara uma coleta de fundos, que rendeu cerca de 200 dólares canadenses, naquela época uma pequena fortuna, que lhe foram entregues pelo presidente da Associação dos Docentes da USP, a Adusp, no campus do Butantã, auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, idealizada pelo imortal Artigas. Eu pedi ao presidente da Adusp que solicitasse um recibo, para apresentar aos contribuintes canadenses. E você o escreveu e assinou: “Luís Inácio da Silva”. Você ainda não era o Lula, e era chamado pelos companheiros sindicalistas mais próximos de “Baiano”.
Bom, tivemos um mentor comum: o padre Valter Seidl, que foi meu professor no Colégio Anchieta, de Porto Alegre, e depois foi pároco da Igreja do Carmo, em Santo André, a cuja paróquia à qual o Sindicato, de que você era o presidente, pertencia. Você dizia que, se fosse eleito Presidente, o levaria para ser o capelão do Palácio do Planalto. Infelizmente ele nos deixou lá por 1996, se não me engano.
Agora estamos nesta situação: você detido nos 15 metros quadrados de uma cela em Curitiba e eu a um oceano e muitos quilômetros depois, em outro hemisfério, mas com meu coração cativo aí com o seu. Assim como – sei – há milhões de corações detidos com você, nesta cela a que o condenaram injustamente. Ela não é uma solitária, é uma “solidária”, tamanha é a solidariedade mundial com você. Imagino que os seus algozes – os Lava Jato, os Power Points, os juízes do Supremo que rasgam a Constituição, os coveiros da democracia na mídia – além da obtusidade do seu pensamento, devem sofrer com o verme da inveja que rói as suas entranhas.
Como disse o Pérez Esquivel, você liderou um movimento ascensional de dezenas de milhões de pessoas e famílias que saíram da miséria e da pobreza em direção a uma vida melhor. Além disto mostrou ao mundo e a nós mesmos o potencial de um país como o Brasil enquanto líder de uma promoção da paz no mundo. Você fez por merecer o prêmio a que agora é candidato. Não sabemos se você vai recebê-lo. O colegiado que o concede é uma incógnita. Além disto o Brasil oficial é especialista em sabotar seus candidatos ao Nobel. Isto aconteceu com Carlos Chagas, na Medicina, sabotado pela inveja de colegas que lhe negavam o mérito da caracterização da doença que hoje herdou o seu nome. Também aconteceu com D. Helder Câmara, quanto ao Nobel da Paz, em 1971. O governo ditatorial de então fez de tudo para sabotar sua candidatura. O Nobel daquele ano foi para Willy Brandt. Não que este não o merecesse. Mas consta, extra-oficialmente, que o resultado na Comissão que concede o prêmio foi 3 x 2 entre ele e D. Helder. Não duvido que o atual governo Silvério dos Reis fizesse a mesma sabotagem em relação a você.
Enfim, caro Presidente, para encerrar, lhe envio esta criação alusiva ao 21 de abril que eu e mais dois artistas plásticos elaboramos.
Valeu, Presidente. A Liberdade o aguarda, assim como o esquecimento aguarda seus algozes.
1 comentários:
Que bom ter lido sua carta porque pude conhecer o Coronel Teixeira Nunes e relembrar dos dois Ícones do Sul com reconhecimento Nacional e Internacional compensam meu desapontamento com as ações horríveis desencadeadas por pessoas da região, atacando a Caravana do Presidente LULA, e com a "Chibata" acionada com tanta maestria por homens e pasmem por mulheres e, estas de Tribunas, no lombo do povo brasileiro.
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