Por Valerio Arcary, na revista Fórum:
Enganam-se os que pensam que Bolsonaro é, somente, um espantalho. Um espantalho político é uma ameaça imaginária. Ele não é um “bode dentro da sala”. É uma ilusão conspiratória pensar que Bolsonaro foi projetado pela classe dominante para favorecer Alckmin como um mal menor, diante do desgaste sofrido pelo PSDB e a ruína de Aécio Neves. Ilusões conspiratórias são muito populares, mas são uma armadilha mental muito comum. Pior ainda é imaginar que aqueles que, a partir da defesa da candidatura Boulos/Guajajara, alertam o perigo que Bolsonaro representa estão superestimando suas forças para legitimar o apoio crítico a uma candidatura do PT. Devemos nos proteger do enviezamento da razão.
É preciso ser rigoroso quando estudamos nossos inimigos. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer. A qualificação de qualquer corrente política ou liderança de ultradireita como fascista é uma generalização apressada, historicamente, errada e, politicamente, ineficaz. O fascismo é um perigo tão sério que devemos ser serenos na sua definição. Toda a extrema-direita é, radicalmente, reacionária. Mas nem toda a ultradireita é fascista. A base social do conservadorismo religioso neopentecostal, por exemplo, se inclina na direção de posições reacionárias, mas não é fascista. Bolsonaro não é mais somente um personagem bizarro, grotesco, e folclórico como foi Enéas Carneiro pelo Prona em 1989. Ou o Pastor Everaldo, apoiado pela Assembleia de Deus em 2014. Bolsonaro é um líder neofascista: sua retórica nacionalista exasperada, seus discursos exaltados em defesa da repressão, suas posições anticomunistas primitivas são expressão do fascismo contemporâneo.
Bolsonaro figura em primeiro lugar nas pesquisas, se Lula não for candidato. E a possibilidade de Lula ser candidato, na atual relação social e política de forças desfavorável, é nula. Poderá ou não perder audiência diante de Alckmin. Impossível prever com seriedade o desenlace dessa disputa. Nenhuma fração burguesa importante o apoia, mas ele vem conquistando simpatias. Bolsonaro não conquistou um partido político com implantação nacional e capilaridade regional, o que limitará o seu tempo de exposição na TV. A rejeição a Bolsonaro está em patamares muito elevados, e continua crescendo. É muito improvável que possa vencer as eleições, mas é necessário considerar que tem chances de ir a um eventual segundo turno. Trata-se de um erro gravíssimo subestimar um inimigo real tão perigoso.
A audiência de Bolsonaro aumentou, qualitativamente, nos últimos dois anos. Como todo fenômeno político-social complexo ela se explica pela combinação de variados fatores: o desemprego de mais de 10% da população economicamente ativa, sem comparação nos últimos quarenta anos; o empobrecimento dos setores médios; o agravamento da crise social nos últimos quatro anos, com o crescimento das facções criminosas; o impacto da operação Lava Jato; a criminalização da direção do PT, em especial, de Lula; o impacto da campanha ideológica que reduz a explicação da crise à corrupção; uma reação, furiosamente, reacionária, às lutas dos oprimidos, etc.
O fascismo se combate no terreno eleitoral, mas não poderá ser derrotado somente com um voto na urna. Há um debate na esquerda brasileira sobre qual deve ser a estratégia eleitoral. Uma estratégia eleitoral se define em função de um objetivo central. Não podem ser cinco objetivos. Quando se trata de uma luta pela consciência de dezenas de milhões não se pode lutar contra todos ao mesmo tempo. Mas nós não escolhemos as condições “ideais” para lutar. Escolhas terão que ser feitas. É razoável escolher como único inimigo somente Alckmin? É sensato preferir deixar para combater Bolsonaro somente em hipotético segundo turno?
A candidatura da imensa maioria da burguesia brasileira é Alckmin. Ela é, evidentemente, uma das favoritas para chegar ao segundo turno, por variadas razões. Mas confiar que o apoio da burguesia a Alckmin será o suficiente para tirar Bolsonaro do segundo turno parece ser, sendo sóbrio com as palavras, pouco responsável. E se a consequência desta estratégia for a ida de Alckmin e Bolsonaro para o segundo turno? Não existe esse risco? Por quê?
Sim, a liderança de Lula é muito grande. A resiliência de sua influência depois de mais de três meses preso é um dos fatos centrais da conjuntura. Acontece que a prisão de Lula é uma das consequências centrais do golpe parlamentar, e sua possibilidade de influir estará, severamente, restringida. Mesmo considerando o padrão elevado de transferência de votos que prevaleceu no Brasil nas últimas três décadas, acima de 60%, uma candidatura do PT – Wagner ou Haddad, ao que parece – projeta, na melhor das hipóteses, um horizonte entre 20% e 25%. Essa é uma votação que estaria ainda em terreno inseguro, disputando uma vaga.
Não menos grave é a hipótese de que a rejeição a Bolsonaro será suficiente para que ele seja, mais facilmente, derrotado em um segundo turno. O mais provável, se essas circunstâncias acontecerem, seria uma divisão da classe dominante. Uma vitória de Bolsonaro não estaria, a priori, portanto, descartada. O que significaria um cenário devastador para 2019.
Uma estratégia eleitoral não se define somente pela informação das pesquisas do momento. Ela só é séria se considera, honestamente, objetivos políticos de maior fôlego. Não se pode lutar contra Alckmin sem enfrentar Bolsonaro. Não se deve fazer isso porque seria uma busca por um atalho. Esse atalho não existe. É pensamento mágico. Pior, procurar esse atalho seria oportunista. Oportunista porque seria a ilusão de que podemos aproveitar as “circunstâncias”: “o problema é do Alckmin e da Avenida Paulista”. Este raciocínio é de máxima gravidade.
Tampouco se deve fazer porque seria inócuo, ineficaz, inútil. Bolsonaro vai se apresentar como o inimigo nº 1 da esquerda e denunciá-lo é uma questão de princípios, inegociável. Sim, os princípíos importam. Combater o fascismo sem arrego é um princípio. Ignorá-lo seria, também, fatal. Desmoralizaria a nossa base social.
É preciso ser rigoroso quando estudamos nossos inimigos. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer. A qualificação de qualquer corrente política ou liderança de ultradireita como fascista é uma generalização apressada, historicamente, errada e, politicamente, ineficaz. O fascismo é um perigo tão sério que devemos ser serenos na sua definição. Toda a extrema-direita é, radicalmente, reacionária. Mas nem toda a ultradireita é fascista. A base social do conservadorismo religioso neopentecostal, por exemplo, se inclina na direção de posições reacionárias, mas não é fascista. Bolsonaro não é mais somente um personagem bizarro, grotesco, e folclórico como foi Enéas Carneiro pelo Prona em 1989. Ou o Pastor Everaldo, apoiado pela Assembleia de Deus em 2014. Bolsonaro é um líder neofascista: sua retórica nacionalista exasperada, seus discursos exaltados em defesa da repressão, suas posições anticomunistas primitivas são expressão do fascismo contemporâneo.
Bolsonaro figura em primeiro lugar nas pesquisas, se Lula não for candidato. E a possibilidade de Lula ser candidato, na atual relação social e política de forças desfavorável, é nula. Poderá ou não perder audiência diante de Alckmin. Impossível prever com seriedade o desenlace dessa disputa. Nenhuma fração burguesa importante o apoia, mas ele vem conquistando simpatias. Bolsonaro não conquistou um partido político com implantação nacional e capilaridade regional, o que limitará o seu tempo de exposição na TV. A rejeição a Bolsonaro está em patamares muito elevados, e continua crescendo. É muito improvável que possa vencer as eleições, mas é necessário considerar que tem chances de ir a um eventual segundo turno. Trata-se de um erro gravíssimo subestimar um inimigo real tão perigoso.
A audiência de Bolsonaro aumentou, qualitativamente, nos últimos dois anos. Como todo fenômeno político-social complexo ela se explica pela combinação de variados fatores: o desemprego de mais de 10% da população economicamente ativa, sem comparação nos últimos quarenta anos; o empobrecimento dos setores médios; o agravamento da crise social nos últimos quatro anos, com o crescimento das facções criminosas; o impacto da operação Lava Jato; a criminalização da direção do PT, em especial, de Lula; o impacto da campanha ideológica que reduz a explicação da crise à corrupção; uma reação, furiosamente, reacionária, às lutas dos oprimidos, etc.
O fascismo se combate no terreno eleitoral, mas não poderá ser derrotado somente com um voto na urna. Há um debate na esquerda brasileira sobre qual deve ser a estratégia eleitoral. Uma estratégia eleitoral se define em função de um objetivo central. Não podem ser cinco objetivos. Quando se trata de uma luta pela consciência de dezenas de milhões não se pode lutar contra todos ao mesmo tempo. Mas nós não escolhemos as condições “ideais” para lutar. Escolhas terão que ser feitas. É razoável escolher como único inimigo somente Alckmin? É sensato preferir deixar para combater Bolsonaro somente em hipotético segundo turno?
A candidatura da imensa maioria da burguesia brasileira é Alckmin. Ela é, evidentemente, uma das favoritas para chegar ao segundo turno, por variadas razões. Mas confiar que o apoio da burguesia a Alckmin será o suficiente para tirar Bolsonaro do segundo turno parece ser, sendo sóbrio com as palavras, pouco responsável. E se a consequência desta estratégia for a ida de Alckmin e Bolsonaro para o segundo turno? Não existe esse risco? Por quê?
Sim, a liderança de Lula é muito grande. A resiliência de sua influência depois de mais de três meses preso é um dos fatos centrais da conjuntura. Acontece que a prisão de Lula é uma das consequências centrais do golpe parlamentar, e sua possibilidade de influir estará, severamente, restringida. Mesmo considerando o padrão elevado de transferência de votos que prevaleceu no Brasil nas últimas três décadas, acima de 60%, uma candidatura do PT – Wagner ou Haddad, ao que parece – projeta, na melhor das hipóteses, um horizonte entre 20% e 25%. Essa é uma votação que estaria ainda em terreno inseguro, disputando uma vaga.
Não menos grave é a hipótese de que a rejeição a Bolsonaro será suficiente para que ele seja, mais facilmente, derrotado em um segundo turno. O mais provável, se essas circunstâncias acontecerem, seria uma divisão da classe dominante. Uma vitória de Bolsonaro não estaria, a priori, portanto, descartada. O que significaria um cenário devastador para 2019.
Uma estratégia eleitoral não se define somente pela informação das pesquisas do momento. Ela só é séria se considera, honestamente, objetivos políticos de maior fôlego. Não se pode lutar contra Alckmin sem enfrentar Bolsonaro. Não se deve fazer isso porque seria uma busca por um atalho. Esse atalho não existe. É pensamento mágico. Pior, procurar esse atalho seria oportunista. Oportunista porque seria a ilusão de que podemos aproveitar as “circunstâncias”: “o problema é do Alckmin e da Avenida Paulista”. Este raciocínio é de máxima gravidade.
Tampouco se deve fazer porque seria inócuo, ineficaz, inútil. Bolsonaro vai se apresentar como o inimigo nº 1 da esquerda e denunciá-lo é uma questão de princípios, inegociável. Sim, os princípíos importam. Combater o fascismo sem arrego é um princípio. Ignorá-lo seria, também, fatal. Desmoralizaria a nossa base social.
Bolsonaro lidera um movimento. Ele responde à demanda de liderança forte face à corrupção no governo; de comando diante do agravamento da crise da segurança pública; de ressentimento diante do peso dos impostos sobre a classe média; de ruína de pequenos negócios diante da regressão econômica; de pauperização diante da inflação dos custos da educação, saúde e segurança privadas; de ordem diante das greves e manifestações; de autoridade diante do impasse da disputa política entre as instituições; de orgulho nacional diante da regressão econômica dos últimos quatro anos. Até a presença de refugiados e imigrantes venezuelanos, haitianos, bolivianos tem servido para alimentar fobias xenófobas. Responde, também, à nostalgia fantasiada das duas décadas da ditadura militar em franjas das classes médias exasperadas. Não fosse isso o bastante, conquistou visibilidade dando expressão ao ódio de ambientes sociais retrógrados e arcaicos à luta do feminismo, do movimento negro e LGBT, ou até dos ecologistas.
Ele é o porta-voz de um programa neofascista. Sobreviverá a outubro, infelizmente. Um candidato que mantém uma preferência que gira em torno de 20% há muitos meses é, também, eleitoralmente, muito competitivo. Está na disputa pelo espaço do voto conservador, muito maior que os votos do núcleo duro fascistóide. Bolsonaro precisa devorar o voto que, há décadas, tem sido arrastado pelos candidatos do PSDB.
Mas a esquerda não pode terceirizar para Alckmin a tarefa de tirar Bolsonaro do segundo turno. Ao contrário, devemos acusar Alckmin e o PSDB como responsáveis por terem tirado o monstro da jaula quando marcharam juntos nas ruas para construir a base social para o golpe parlamentar em 2016.
Bolsonaro, e aqueles que o acompanham, sabem muito bem que as lutas decisivas se farão depois das eleições. Porque eles querem nos destruir, se tiverem força para tanto. Uma esquerda séria deve combater de frente os fascistas agora, e se preparar para aquilo que virá. Vai ficar feio. Bolsonaro não é um espantalho. A hora de ver “quem tem unhas para tocar guitarra”, como dizem os portugueses, está chegando.
Ele é o porta-voz de um programa neofascista. Sobreviverá a outubro, infelizmente. Um candidato que mantém uma preferência que gira em torno de 20% há muitos meses é, também, eleitoralmente, muito competitivo. Está na disputa pelo espaço do voto conservador, muito maior que os votos do núcleo duro fascistóide. Bolsonaro precisa devorar o voto que, há décadas, tem sido arrastado pelos candidatos do PSDB.
Mas a esquerda não pode terceirizar para Alckmin a tarefa de tirar Bolsonaro do segundo turno. Ao contrário, devemos acusar Alckmin e o PSDB como responsáveis por terem tirado o monstro da jaula quando marcharam juntos nas ruas para construir a base social para o golpe parlamentar em 2016.
Bolsonaro, e aqueles que o acompanham, sabem muito bem que as lutas decisivas se farão depois das eleições. Porque eles querem nos destruir, se tiverem força para tanto. Uma esquerda séria deve combater de frente os fascistas agora, e se preparar para aquilo que virá. Vai ficar feio. Bolsonaro não é um espantalho. A hora de ver “quem tem unhas para tocar guitarra”, como dizem os portugueses, está chegando.
0 comentários:
Postar um comentário