Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Bolsonaro é fascista. Haddad democrata. O ex-capitão é ignorante. Haddad é preparado. Para o militar reformado, o SUS gasta muito e educação tem que estar na mão de militares ou ser ministrada à distância. Já Haddad defende a saúde pública e é um dos maiores especialistas brasileiros em educação, responsável por índices expressivos de inclusão no ensino técnico e superior no país. O candidato do PSL defende a tortura, desconfia dos métodos democráticos e chama a CNBB de “banda podre”, num dos mais vis atos de desrespeito religioso já registrado na história política brasileira. O candidato do PT é humanista, tem histórico de defesa dos valores democráticos e respeita o pluralismo religioso, sem deixar de afirmar a caráter laico do Estado.
Em economia, o candidato da extrema-direita vai acentuar a crise com medidas voltadas para o mercado financeiro, retirar direitos dos trabalhadores e entregar patrimônio estratégico e enfraquecer o país no contexto do comércio internacional. O candidato social-democrata tem um programa de geração de empregos, ampliação de direitos trabalhistas, distribuição de renda e relações multilaterais, além da defesa das riquezas nacionais. O militar quer entregar o meio ambiente ao agronegócio e se retirar dos fóruns internacionais do setor, o professor defende o desenvolvimento sustentável e o cumprimento do acordo climático. Bolsonaro ataca a liberdade individual, é preconceituoso, racista e homofóbico convicto. Haddad é um intelectual liberal, que respeita as diferenças, celebra a diversidade como uma conquista da civilização.
Todo mundo sabe disso e de muito mais. A lista de horrores defendida pela candidatura de Bolsonaro alimenta seu programa de governo, suas manifestações de ódio e seu incentivo à violência, por vezes explícito. Em outras ocasiões, tem exibido postura hipócrita de se colocar à parte dos horrores que estão sendo perpetrados em nome: ameaças à imprensa, agressões a mulheres e mortes de opositores. O apoio recebido da klu klux klan e o repúdio da líder direitista francesa Marine Le Pen (que se horrorizou com as declarações do candidato…) são apenas duas constatações de que Bolsonaro é pior do que se pensa. No entanto, o resultado das pesquisas parece contemplar uma situação paradoxal: o monstro tem sido defendido como um herói por parte expressiva da população.
Há muitas explicações para isso, da obsessão da mídia pelo antipetismo ao recalque e ressentimento no campo psicológico. São vertentes possíveis para dar conta da situação, que podem ser somadas a outras perspectivas no campo da ciência política, da onda conservadora que varre o planeta e mesmo da mudança de padrão do sistema econômico, cada vez mais volátil e desnacionalizado e, por isso, patrocinador atilado de ditadores. Soma-se a isso as regressões no campo dos valores de solidariedade, que se traduzem em atos de xenofobia e discriminação de classe. E mesmo a crescente explosão das religiões de fundo autoritário e moralista, que lucram com a ferida que divide as pessoas entre conscritos e excluídos, ao preço do dízimo e dos privilégios com a proximidade do poder.
No entanto, mais que explicar, está na hora de agir. E talvez a melhor referência para a ação, além do trabalho dos pensadores, cientistas e artistas em sua tarefa de clarear o horizonte turvo, seja a compreensão de outro fator, absolutamente contemporâneo, que ajuda a se aproximar do fenômeno: a força tribal das redes sociais. Nesta eleição, até mesmo de forma mais intensa que na disputa que elegeu Trump como presidente dos EUA, a manipulação das redes sociais tem sido um fator decisivo. Com o protagonismo dos grupos de whatsapp, na verdade um conjunto de pequenas redes interligadas por uma guerrilha de desinformações direcionada, perdeu-se a dimensão de superfície comum.
Nessa plataforma, não há um território único na recepção, mas há um emissor unificado na produção de distribuição de mensagens que depois explodem como uma galáxia. Sem a base de uma opinião pública minimamente partilhada, capaz de questionar e apelar para a racionalidade do que é veiculado, as pessoas ficam à mercê dos vínculos mais primários. O que vale é o reforço do preconceito por partidários que professam o mesmo erro de origem. Nesse cenário, a imprensa conta pouco, o argumento racional não entra em cena, o debate público não existe. O reforço é dado pela sensação de pertencimento e de eminência da derrota do adversário. O jogo político se reduz à disputa de um lugar em que não cabe o outro. A lógica não é do convencimento, mas do extermínio.
E é nesse contexto que é dada a convocação para salvar a democracia no Brasil. Ao lado das grandes ações e dos debates convencionais de programas e propostas nos meios de comunicação e em todos os espaços; da busca das alianças em todos os setores da política, da economia e da sociedade; do questionamento dos excessos e do uso de recursos privados nessa campanha ilegal, ilegítima e mentirosa, além de tudo isso, é preciso entrar no terreno do adversário. Não se trata de usar dos mesmos recursos e da estratégia da falsidade, mas de jogar o jogo da proximidade com o eleitor. É preciso recuperar o empenho pela ação direta, pessoa a pessoa, olho no olho, palmo a palmo.
Outras eleições, e mesmo o resultado do primeiro turno, mostram que é possível reverter resultados dados como certos. O que o atual pleito está mostrando é que há um novo terreno de disputa de votos, que passa por uma ação quase individualizada, persistente, continuada, tolerante (nem sempre é fácil…), que precisa buscar energia no mais destacado dos temores do futuro sem liberdade. Não podemos aceitar que o fascismo é a realidade revelada do brasileiro, mas devemos considerá-lo como consequência de um projeto de despolitização e incentivo à exclusão da diferença, que passa a ser considerada uma ameaça. A reversão desse quadro - o próprio resultado até aqui da campanha mostrou - está na capacidade de buscar os iguais. Se o ódio pode muito, a fraternidade há de poder mais. Sempre foi essa a base da esquerda.
No entanto há que se deixar claro que não se trata do mínimo assentimento à barbárie. Os verdadeiros fascistas, ditadores e torturadores continuam merecendo todo o asco e nojo de que somos capazes. Hoje e amanhã.
Em economia, o candidato da extrema-direita vai acentuar a crise com medidas voltadas para o mercado financeiro, retirar direitos dos trabalhadores e entregar patrimônio estratégico e enfraquecer o país no contexto do comércio internacional. O candidato social-democrata tem um programa de geração de empregos, ampliação de direitos trabalhistas, distribuição de renda e relações multilaterais, além da defesa das riquezas nacionais. O militar quer entregar o meio ambiente ao agronegócio e se retirar dos fóruns internacionais do setor, o professor defende o desenvolvimento sustentável e o cumprimento do acordo climático. Bolsonaro ataca a liberdade individual, é preconceituoso, racista e homofóbico convicto. Haddad é um intelectual liberal, que respeita as diferenças, celebra a diversidade como uma conquista da civilização.
Todo mundo sabe disso e de muito mais. A lista de horrores defendida pela candidatura de Bolsonaro alimenta seu programa de governo, suas manifestações de ódio e seu incentivo à violência, por vezes explícito. Em outras ocasiões, tem exibido postura hipócrita de se colocar à parte dos horrores que estão sendo perpetrados em nome: ameaças à imprensa, agressões a mulheres e mortes de opositores. O apoio recebido da klu klux klan e o repúdio da líder direitista francesa Marine Le Pen (que se horrorizou com as declarações do candidato…) são apenas duas constatações de que Bolsonaro é pior do que se pensa. No entanto, o resultado das pesquisas parece contemplar uma situação paradoxal: o monstro tem sido defendido como um herói por parte expressiva da população.
Há muitas explicações para isso, da obsessão da mídia pelo antipetismo ao recalque e ressentimento no campo psicológico. São vertentes possíveis para dar conta da situação, que podem ser somadas a outras perspectivas no campo da ciência política, da onda conservadora que varre o planeta e mesmo da mudança de padrão do sistema econômico, cada vez mais volátil e desnacionalizado e, por isso, patrocinador atilado de ditadores. Soma-se a isso as regressões no campo dos valores de solidariedade, que se traduzem em atos de xenofobia e discriminação de classe. E mesmo a crescente explosão das religiões de fundo autoritário e moralista, que lucram com a ferida que divide as pessoas entre conscritos e excluídos, ao preço do dízimo e dos privilégios com a proximidade do poder.
No entanto, mais que explicar, está na hora de agir. E talvez a melhor referência para a ação, além do trabalho dos pensadores, cientistas e artistas em sua tarefa de clarear o horizonte turvo, seja a compreensão de outro fator, absolutamente contemporâneo, que ajuda a se aproximar do fenômeno: a força tribal das redes sociais. Nesta eleição, até mesmo de forma mais intensa que na disputa que elegeu Trump como presidente dos EUA, a manipulação das redes sociais tem sido um fator decisivo. Com o protagonismo dos grupos de whatsapp, na verdade um conjunto de pequenas redes interligadas por uma guerrilha de desinformações direcionada, perdeu-se a dimensão de superfície comum.
Nessa plataforma, não há um território único na recepção, mas há um emissor unificado na produção de distribuição de mensagens que depois explodem como uma galáxia. Sem a base de uma opinião pública minimamente partilhada, capaz de questionar e apelar para a racionalidade do que é veiculado, as pessoas ficam à mercê dos vínculos mais primários. O que vale é o reforço do preconceito por partidários que professam o mesmo erro de origem. Nesse cenário, a imprensa conta pouco, o argumento racional não entra em cena, o debate público não existe. O reforço é dado pela sensação de pertencimento e de eminência da derrota do adversário. O jogo político se reduz à disputa de um lugar em que não cabe o outro. A lógica não é do convencimento, mas do extermínio.
E é nesse contexto que é dada a convocação para salvar a democracia no Brasil. Ao lado das grandes ações e dos debates convencionais de programas e propostas nos meios de comunicação e em todos os espaços; da busca das alianças em todos os setores da política, da economia e da sociedade; do questionamento dos excessos e do uso de recursos privados nessa campanha ilegal, ilegítima e mentirosa, além de tudo isso, é preciso entrar no terreno do adversário. Não se trata de usar dos mesmos recursos e da estratégia da falsidade, mas de jogar o jogo da proximidade com o eleitor. É preciso recuperar o empenho pela ação direta, pessoa a pessoa, olho no olho, palmo a palmo.
Outras eleições, e mesmo o resultado do primeiro turno, mostram que é possível reverter resultados dados como certos. O que o atual pleito está mostrando é que há um novo terreno de disputa de votos, que passa por uma ação quase individualizada, persistente, continuada, tolerante (nem sempre é fácil…), que precisa buscar energia no mais destacado dos temores do futuro sem liberdade. Não podemos aceitar que o fascismo é a realidade revelada do brasileiro, mas devemos considerá-lo como consequência de um projeto de despolitização e incentivo à exclusão da diferença, que passa a ser considerada uma ameaça. A reversão desse quadro - o próprio resultado até aqui da campanha mostrou - está na capacidade de buscar os iguais. Se o ódio pode muito, a fraternidade há de poder mais. Sempre foi essa a base da esquerda.
No entanto há que se deixar claro que não se trata do mínimo assentimento à barbárie. Os verdadeiros fascistas, ditadores e torturadores continuam merecendo todo o asco e nojo de que somos capazes. Hoje e amanhã.
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