Por Clara Moreira Maranha, no site Brasil Debate:
Quando falamos em tributos, desde os tempos mais primórdios, descritos nas linhas da Bíblia Sagrada, nos livros que tratam de Roma antiga, ou das memórias da era do ouro em Minas Gerais, falamos objetivamente em contribuições suportadas historicamente pelos povos oprimidos.
Entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, a atividade financeira do tributo tornou-se um exercício de cidadania e de construção de um Estado Social. No seu bojo, as necessidades coletivas ganharam corpo, e a vida societária uma possibilidade concreta de existência.
Teoricamente, o direito tributário revelou-se como um ordenamento comum a toda sociedade, através do sujeito ativo e passivo, da prestação (objeto) e do vínculo jurídico que entoam a obrigação tributária. Mas o que nos interessa saber?
Nos interessa saber que o Estado Social que corrobora para a redução da desigualdade e pobreza sobrevive especialmente com a arrecadação de tributos, que, por sua vez, tem sua atividade fundada em princípios a fim de se alcançar a justiça social.
Tais princípios que norteiam o Direito Tributário estão insertos no Art. 3º da Constituição Federal, e que, teoricamente – repito, teoricamente – trazem uma obrigação social de se construir uma sociedade livre, justa e solidária a fim de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.
O Brasil apresenta uma das mais perversas distribuições de renda e riquezas do planeta e, diante desse quadro, podemos deduzir que a concentração de fortuna está estritamente ligada à concentração de poder, que determina, por exemplo, a não implementação da tributação sobre grandes fortunas.
O rol desse time que limita a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), ou seja, a ação do Estado de bem-estar social na vida dos brasileiros, tem desde senadores que são favoráveis ao trabalho escravo e se beneficiam com os ajustes fiscais até deputados que atuam diretamente com a sonegação fiscal, bem como com o desmonte de empresas estatais em prol apenas do seu enriquecimento pessoal.
De certo, a abertura política e a busca pela democratização brasileira deram ao tributo um caráter individual e graduações segundo a capacidade econômica do contribuinte, exceto com o imposto sobre grandes fortunas, nunca implementado por não constar dos interesses da elite brasileira.
Parece uma piada de mau gosto, mas, talvez, seja mais uma sátira colonialista que sobrevive há mais de 500 anos no nosso país, que diz que já as guardas imperiais tinham o dever solene de proteger o patrimônio dos mais ricos em detrimento do sofrimento do povo trabalhador.
Dentre os tributos, IRPF, IPVA, IPTU, ICMS, IPI, ISS, IOF todos são, de maneira geral, suportados pelo contribuinte comum, enquanto o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) padece de regulamentação, que não ocorreu até os dias atuais, por se tratar de um imposto que atingirá o bolso dos mais ricos.
A cobrança tributária do IGF, para muitos economistas e juristas, cooperaria para a devida distribuição dos recursos, observando de maneira horizontal o tratamento igual dos indivíduos considerados iguais e, na dimensão vertical, um tratamento desigual aos indivíduos considerados desiguais, avaliando, assim, a realidade concreta das pessoas.
Não por acaso, os 10% mais ricos da população brasileira detêm mais de 75% da riqueza do país e têm uma carga tributária proporcionalmente menor, o que agrava o quadro de desigualdade social, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgado pelo jornal Estadão[1].
Embora estejam descritas na Constituição Federal, normas inibidoras de privilégios e discriminações fiscais não são realizáveis, na medida em que o poder continua nas mãos de quem sempre o teve: um parlamento branco e rico, que constrói a impraticabilidade da democracia no Estado brasileiro.
Se há uma certeza entre nós é que a Constituição Federal de 1988, ainda que prevendo a possibilidade da tributação no seu Art. 153, VII, tem na sua inaplicabilidade um total desrespeito a toda população brasileira.
O sentimento de impunidade e a falta de consentimento popular para não se tributar alguns e tributar outros, sem avaliar a capacidade contributiva, aprofunda a crise social no Estado Brasileiro.
É preciso que esse debate seja colocado para a população em geral, que sofre com a má distribuição de renda, com a falta do acesso às políticas públicas, que vive nas favelas com o fuzil apontado no nariz, e que arca com despesas acima da sua capacidade real contributiva.
Resta claro que o desequilíbrio fiscal é um desrespeito às normas constitucionais, uma afronta ao povo brasileiro e um exercício contínuo de má-fé pelos poderes Legislativo e Judiciário, que, inclusive, já se manifestaram acerca do IGF sob o argumento de “falta de pertinência do tema”.
Inúmeros projetos de lei para determinar a implementação do referido tributo foram realizados. Em 2015, prevendo a necessidade de um ajuste fiscal mediante a crise que se alavancava no mundo inteiro, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apresentou um novo projeto de proposição para a instituição do imposto para os milionários brasileiros.
O projeto de lei do Senado 139/2017, cuja motivação é Instituir o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), definindo o patrimônio líquido como fato gerador, fixando as alíquotas progressivas e as hipóteses de abatimento do valor do imposto, permanece paralisado.
Em outras palavras, todos os projetos de lei, relacionados à imposição da cobrança daquelas pessoas que possuem o patrimônio líquido superior a um valor considerado riqueza também não se alavancaram.
Não há superação para uma crise econômica e política se não há em nós a percepção necessária de existência de um Estado social equilibrado, cujo objetivo consiste em cumprir o fornecimento dos serviços sociais e garantias dos direitos universais a todo brasileiro e brasileira.
Aproveitar a efervescência das eleições e dedicar o nosso voto e a nossa contribuição aos candidatos que verdadeiramente nos representam e que possuem projetos que tratam de uma distribuição de renda mais igualitária é um primeiro passo para o exercício efetivo de um Estado social. Dos candidatos à eleição presidencial no Brasil, Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT) possuem projeto de regulamentação do IGF.
O desafio da nossa era é romper o discurso do ódio e da intolerância na nossa sociedade, mas, mais do que isso, é construir um projeto de Estado sem sacrificar a arrecadação pública, tomar medidas pró-crescimento do mercado doméstico e fazer valer a letra da Constituição Federal bem mais do que nos livros doutrinários, mas na vida real do povo brasileiro.
Nota
[1] http://www.estadao.com.br/noticias/geral,no-brasil-10-são-donos-de-tres-quartos-das-riquezas,173407
Quando falamos em tributos, desde os tempos mais primórdios, descritos nas linhas da Bíblia Sagrada, nos livros que tratam de Roma antiga, ou das memórias da era do ouro em Minas Gerais, falamos objetivamente em contribuições suportadas historicamente pelos povos oprimidos.
Entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, a atividade financeira do tributo tornou-se um exercício de cidadania e de construção de um Estado Social. No seu bojo, as necessidades coletivas ganharam corpo, e a vida societária uma possibilidade concreta de existência.
Teoricamente, o direito tributário revelou-se como um ordenamento comum a toda sociedade, através do sujeito ativo e passivo, da prestação (objeto) e do vínculo jurídico que entoam a obrigação tributária. Mas o que nos interessa saber?
Nos interessa saber que o Estado Social que corrobora para a redução da desigualdade e pobreza sobrevive especialmente com a arrecadação de tributos, que, por sua vez, tem sua atividade fundada em princípios a fim de se alcançar a justiça social.
Tais princípios que norteiam o Direito Tributário estão insertos no Art. 3º da Constituição Federal, e que, teoricamente – repito, teoricamente – trazem uma obrigação social de se construir uma sociedade livre, justa e solidária a fim de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.
O Brasil apresenta uma das mais perversas distribuições de renda e riquezas do planeta e, diante desse quadro, podemos deduzir que a concentração de fortuna está estritamente ligada à concentração de poder, que determina, por exemplo, a não implementação da tributação sobre grandes fortunas.
O rol desse time que limita a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), ou seja, a ação do Estado de bem-estar social na vida dos brasileiros, tem desde senadores que são favoráveis ao trabalho escravo e se beneficiam com os ajustes fiscais até deputados que atuam diretamente com a sonegação fiscal, bem como com o desmonte de empresas estatais em prol apenas do seu enriquecimento pessoal.
De certo, a abertura política e a busca pela democratização brasileira deram ao tributo um caráter individual e graduações segundo a capacidade econômica do contribuinte, exceto com o imposto sobre grandes fortunas, nunca implementado por não constar dos interesses da elite brasileira.
Parece uma piada de mau gosto, mas, talvez, seja mais uma sátira colonialista que sobrevive há mais de 500 anos no nosso país, que diz que já as guardas imperiais tinham o dever solene de proteger o patrimônio dos mais ricos em detrimento do sofrimento do povo trabalhador.
Dentre os tributos, IRPF, IPVA, IPTU, ICMS, IPI, ISS, IOF todos são, de maneira geral, suportados pelo contribuinte comum, enquanto o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) padece de regulamentação, que não ocorreu até os dias atuais, por se tratar de um imposto que atingirá o bolso dos mais ricos.
A cobrança tributária do IGF, para muitos economistas e juristas, cooperaria para a devida distribuição dos recursos, observando de maneira horizontal o tratamento igual dos indivíduos considerados iguais e, na dimensão vertical, um tratamento desigual aos indivíduos considerados desiguais, avaliando, assim, a realidade concreta das pessoas.
Não por acaso, os 10% mais ricos da população brasileira detêm mais de 75% da riqueza do país e têm uma carga tributária proporcionalmente menor, o que agrava o quadro de desigualdade social, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgado pelo jornal Estadão[1].
Embora estejam descritas na Constituição Federal, normas inibidoras de privilégios e discriminações fiscais não são realizáveis, na medida em que o poder continua nas mãos de quem sempre o teve: um parlamento branco e rico, que constrói a impraticabilidade da democracia no Estado brasileiro.
Se há uma certeza entre nós é que a Constituição Federal de 1988, ainda que prevendo a possibilidade da tributação no seu Art. 153, VII, tem na sua inaplicabilidade um total desrespeito a toda população brasileira.
O sentimento de impunidade e a falta de consentimento popular para não se tributar alguns e tributar outros, sem avaliar a capacidade contributiva, aprofunda a crise social no Estado Brasileiro.
É preciso que esse debate seja colocado para a população em geral, que sofre com a má distribuição de renda, com a falta do acesso às políticas públicas, que vive nas favelas com o fuzil apontado no nariz, e que arca com despesas acima da sua capacidade real contributiva.
Resta claro que o desequilíbrio fiscal é um desrespeito às normas constitucionais, uma afronta ao povo brasileiro e um exercício contínuo de má-fé pelos poderes Legislativo e Judiciário, que, inclusive, já se manifestaram acerca do IGF sob o argumento de “falta de pertinência do tema”.
Inúmeros projetos de lei para determinar a implementação do referido tributo foram realizados. Em 2015, prevendo a necessidade de um ajuste fiscal mediante a crise que se alavancava no mundo inteiro, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apresentou um novo projeto de proposição para a instituição do imposto para os milionários brasileiros.
O projeto de lei do Senado 139/2017, cuja motivação é Instituir o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), definindo o patrimônio líquido como fato gerador, fixando as alíquotas progressivas e as hipóteses de abatimento do valor do imposto, permanece paralisado.
Em outras palavras, todos os projetos de lei, relacionados à imposição da cobrança daquelas pessoas que possuem o patrimônio líquido superior a um valor considerado riqueza também não se alavancaram.
Não há superação para uma crise econômica e política se não há em nós a percepção necessária de existência de um Estado social equilibrado, cujo objetivo consiste em cumprir o fornecimento dos serviços sociais e garantias dos direitos universais a todo brasileiro e brasileira.
Aproveitar a efervescência das eleições e dedicar o nosso voto e a nossa contribuição aos candidatos que verdadeiramente nos representam e que possuem projetos que tratam de uma distribuição de renda mais igualitária é um primeiro passo para o exercício efetivo de um Estado social. Dos candidatos à eleição presidencial no Brasil, Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT) possuem projeto de regulamentação do IGF.
O desafio da nossa era é romper o discurso do ódio e da intolerância na nossa sociedade, mas, mais do que isso, é construir um projeto de Estado sem sacrificar a arrecadação pública, tomar medidas pró-crescimento do mercado doméstico e fazer valer a letra da Constituição Federal bem mais do que nos livros doutrinários, mas na vida real do povo brasileiro.
Nota
[1] http://www.estadao.com.br/noticias/geral,no-brasil-10-são-donos-de-tres-quartos-das-riquezas,173407
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