Por Roberto Requião, no site Carta Maior:
A sociedade brasileira saiu das últimas eleições tão confusa quanto entrou. A campanha foi pobre em termos políticos. A polarização se deu, em muitos casos, em termos de comportamento individual, e não de propostas fundamentais. Nesse aspecto, não houve grandes diferenças entre os candidatos. O tema da corrupção sequestrou o debate. É curioso, mas a poucos ocorreu que corrupção é um tema da polícia e da Justiça, não de Presidência da República. O presidente da República é aquele que traça os grandes rumos do país, a grande estratégia, e não alguém que sai por aí a caçar corruptos. Ele tem mais a fazer.
Na minha interpretação, o resultado da eleição refletiu uma profunda decepção da sociedade com a elite política. Não apenas com o PT, que coletivamente levou a pecha de partido corrupto, de forma injustificada, mas contaminando a todo o sistema partidário. E a razão disso é óbvia: a situação objetiva da maioria do povo está péssima. E a razão disso está diante de nossos olhos: um nível de desemprego e subemprego sem precedentes, da ordem de quase um terço da população economicamente ativa. Isto, sim, não Jair Bolsonaro individualmente, representa o grande risco do nazismo. As pessoas pensam: se está tão ruim na democracia, porque não experimentar outros sistemas?
Para os intelectuais, os cultos, as classes dominantes, as elites dirigentes, a democracia é um bem absoluto. Para os pobres e os muito pobres o valor absoluto é a comida para si e para a família, garantida por um emprego regular. Os candidatos, todos eles, não souberam captar essa mensagem de grande parte da população. Como não captaram a segunda maior preocupação dos pobres, a segurança pública. Isso foi colocado por um dos candidatos de forma absolutamente emocional, prometendo enfrentar bala com mais bala. Diante desse discurso superficial e patético, os demais candidatos ficaram intimidados. Não surgiu, em todo o debate presidencial, a indicação de uma estratégia para enfrenar a questão da segurança politicamente.
Isso não é surpresa. Não há política de segurança por cima de uma realidade miserável atingindo quase um terço da população. As classes médias e as elites cultas tem a ilusão de que, com mais polícia e mais equipamentos de segurança, assim como com inteligência, o mantra mais recente e menos compreendido pelo povo, vai-se resolver o problema da segurança e assegurar a tranquilidade das metrópoles onde moram os ricos. Sim, é uma ilusão. As realidades de pobres e ricos se interpenetram nas cidades, pelo menos enquanto não se construírem muros que os separem fisicamente. Aí, sim, será quando a democracia não subsistirá no mundo real da nossa vida comunitária dividida.
O mais surpreendente nessa eleição não foi o resultado. O mais surpreendente foi a campanha. Ela ignorou a maior crise econômica e social de nossa história, conduzida de forma deliberada pelo neoliberalismo tosco de Michel Temer. Os críticos do PT, em suas avaliações da situação brasileira, saltaram o período Temer e foram diretamente para o período de Lula, não reconhecido pelas políticas sociais e mas identificado sobretudo pela corrupção. Já os defensores da candidatura do PT insistiram nos ganhos sociais de Lula, omitindo a política de Michel Temer, responsável direto pelo afundamento do Brasil em desemprego, e absolutamente indiferente a uma política de pleno emprego. Note-se que, nos últimos anos, a queda acumulada do PIB atingiu 8%, algo inédito em nossa história.
Eleição é sempre um campo de decisão emocional, e não da razão. Em termos rigorosamente racionais, defendi Dilma Roussef contra o impeachment, por concluir que não havia motivo racional para isso. Usando a razão, combati – como continuo combatendo – o governo Temer, com suas políticas anti-povo e anti-nacionais. Apesar de ter milhões de seguidores de todo o país, isso não foi suficiente para que eu ganhasse a minha reeleição no Paraná. Certamente que houve manipulações midiáticas contra mim, mas o motivo central, como aconteceu com outros candidatos progressistas, é que fui confundido com uma elite política que está indiferente ao interesse público.
Agora é olhar para a frente. Creio que temos que seguir em duas vertentes, uma de organização da sociedade civil e outra de reorganização do sistema partidário. Na vertente de organização da sociedade civil, que é a matriz última do poder social, é preciso que sejam organizados movimentos políticos, de caráter objetivo, porém em todos os níveis, desde o universitário ao que se convenciona chamar de povão. Esses movimentos devem ser articulados com uma visão estratégica que defina claramente os objetivos e as formas operacionais. Felicito o fato de que já tem gente cuidando disso.
A vertente política é bem mais complexa. Não acredito em propostas de articulação partidária de cima para baixo. Isso já se fez muito no Brasil com resultados pífios e insuficientes. É claro que precisamos de lideranças para articulação do novo. Mas é necessário, sobretudo, que essas lideranças se colem diretamente no interesse público. O ideal é uma convergência, a seu tempo, da vertente de articulação da sociedade civil com a vertente de rearticulação partidária. Em qualquer hipótese, deve-se estar presente sempre que uma democracia representativa, por sua natureza mesmo, não pode prescindir de estrutura partidária forte e baseada nos interesses reais do povo.
Precisamos de uma reforma política que reordene as estruturas do Estado. Entretanto, não creio que devemos nos antecipar, nesse caso, à reforma política mais ampla, capaz de fortalecer a democracia mas também de nos prevenir de assaltos oportunistas e demagógicos à democracia. Tais temas não podem ser exclusivos da comunidade política. Devem ser debatidos também, numa visão propositiva, nos níveis mais profundos da sociedade civil– isto é, vinculados ao povo através de lideranças autênticas, não manipuladas pela mídia. Dessa forma se construirá uma democracia atualizada, e não o simulacro de democracia que temos, onde os próprios representantes do povo, mediante emendas oportunistas e manipuladas, simplesmente retalharam e desfiguraram a Constituição que chamamos de cidadã.
Não estou pessimista. Com visão realista enxergo oportunidades à frente resultantes das próprias contradições de um governo que nasce sem estratégia, sem planejamento, sem equipe coerente – em uma palavra, sem rumo claro. De uma forma um tanta caricata, dou-lhes um único exemplo do que serão as múltiplas contradições do governo: Jair Bolsonaro vai levar quatro generais de exército reformados para seu governo. Alguns de áreas chave, como a de infra-estrutura. Ora, Bolsonaro herdará de Temer a Emenda 95, que congela os orçamentos públicos. As senhoras e senhores senadores acreditam que os quatro generais se conformarão com o orçamento congelado devido às graças do super-ministro Paulo Guedes?
Eles que se virem. Não aprovaram todas as medidas de Temer com vistas a aprofundar o neoliberalismo no Brasil? Não aprovaram os cortes sucessivos de gastos públicos? Não pretendem aproveitar em sua equipe e nas suas propostas o que entendem como o grande legado do governo Temer? Nós nos colocaremos naquela posição recomendada por Cristo aos apóstolos, vigiai e orai.
Se no meio das banalidades e inconsequências que vêm por aí aparecer, por acaso, uma ou outra medida em favor do povo, estamos dispostos a considerar em termos de caso a caso. No conjunto, a nossa posição por enquanto é de esperar. E não se espere que nos omitiremos enquanto vozes de oposição quando se tratar de materialização de medidas, como as sugeridas por pronunciamentos recorrentes de Bolsonaro e de seu super-ministro, na direção contrária ao da civilização.
A sociedade brasileira saiu das últimas eleições tão confusa quanto entrou. A campanha foi pobre em termos políticos. A polarização se deu, em muitos casos, em termos de comportamento individual, e não de propostas fundamentais. Nesse aspecto, não houve grandes diferenças entre os candidatos. O tema da corrupção sequestrou o debate. É curioso, mas a poucos ocorreu que corrupção é um tema da polícia e da Justiça, não de Presidência da República. O presidente da República é aquele que traça os grandes rumos do país, a grande estratégia, e não alguém que sai por aí a caçar corruptos. Ele tem mais a fazer.
Na minha interpretação, o resultado da eleição refletiu uma profunda decepção da sociedade com a elite política. Não apenas com o PT, que coletivamente levou a pecha de partido corrupto, de forma injustificada, mas contaminando a todo o sistema partidário. E a razão disso é óbvia: a situação objetiva da maioria do povo está péssima. E a razão disso está diante de nossos olhos: um nível de desemprego e subemprego sem precedentes, da ordem de quase um terço da população economicamente ativa. Isto, sim, não Jair Bolsonaro individualmente, representa o grande risco do nazismo. As pessoas pensam: se está tão ruim na democracia, porque não experimentar outros sistemas?
Para os intelectuais, os cultos, as classes dominantes, as elites dirigentes, a democracia é um bem absoluto. Para os pobres e os muito pobres o valor absoluto é a comida para si e para a família, garantida por um emprego regular. Os candidatos, todos eles, não souberam captar essa mensagem de grande parte da população. Como não captaram a segunda maior preocupação dos pobres, a segurança pública. Isso foi colocado por um dos candidatos de forma absolutamente emocional, prometendo enfrentar bala com mais bala. Diante desse discurso superficial e patético, os demais candidatos ficaram intimidados. Não surgiu, em todo o debate presidencial, a indicação de uma estratégia para enfrenar a questão da segurança politicamente.
Isso não é surpresa. Não há política de segurança por cima de uma realidade miserável atingindo quase um terço da população. As classes médias e as elites cultas tem a ilusão de que, com mais polícia e mais equipamentos de segurança, assim como com inteligência, o mantra mais recente e menos compreendido pelo povo, vai-se resolver o problema da segurança e assegurar a tranquilidade das metrópoles onde moram os ricos. Sim, é uma ilusão. As realidades de pobres e ricos se interpenetram nas cidades, pelo menos enquanto não se construírem muros que os separem fisicamente. Aí, sim, será quando a democracia não subsistirá no mundo real da nossa vida comunitária dividida.
O mais surpreendente nessa eleição não foi o resultado. O mais surpreendente foi a campanha. Ela ignorou a maior crise econômica e social de nossa história, conduzida de forma deliberada pelo neoliberalismo tosco de Michel Temer. Os críticos do PT, em suas avaliações da situação brasileira, saltaram o período Temer e foram diretamente para o período de Lula, não reconhecido pelas políticas sociais e mas identificado sobretudo pela corrupção. Já os defensores da candidatura do PT insistiram nos ganhos sociais de Lula, omitindo a política de Michel Temer, responsável direto pelo afundamento do Brasil em desemprego, e absolutamente indiferente a uma política de pleno emprego. Note-se que, nos últimos anos, a queda acumulada do PIB atingiu 8%, algo inédito em nossa história.
Eleição é sempre um campo de decisão emocional, e não da razão. Em termos rigorosamente racionais, defendi Dilma Roussef contra o impeachment, por concluir que não havia motivo racional para isso. Usando a razão, combati – como continuo combatendo – o governo Temer, com suas políticas anti-povo e anti-nacionais. Apesar de ter milhões de seguidores de todo o país, isso não foi suficiente para que eu ganhasse a minha reeleição no Paraná. Certamente que houve manipulações midiáticas contra mim, mas o motivo central, como aconteceu com outros candidatos progressistas, é que fui confundido com uma elite política que está indiferente ao interesse público.
Agora é olhar para a frente. Creio que temos que seguir em duas vertentes, uma de organização da sociedade civil e outra de reorganização do sistema partidário. Na vertente de organização da sociedade civil, que é a matriz última do poder social, é preciso que sejam organizados movimentos políticos, de caráter objetivo, porém em todos os níveis, desde o universitário ao que se convenciona chamar de povão. Esses movimentos devem ser articulados com uma visão estratégica que defina claramente os objetivos e as formas operacionais. Felicito o fato de que já tem gente cuidando disso.
A vertente política é bem mais complexa. Não acredito em propostas de articulação partidária de cima para baixo. Isso já se fez muito no Brasil com resultados pífios e insuficientes. É claro que precisamos de lideranças para articulação do novo. Mas é necessário, sobretudo, que essas lideranças se colem diretamente no interesse público. O ideal é uma convergência, a seu tempo, da vertente de articulação da sociedade civil com a vertente de rearticulação partidária. Em qualquer hipótese, deve-se estar presente sempre que uma democracia representativa, por sua natureza mesmo, não pode prescindir de estrutura partidária forte e baseada nos interesses reais do povo.
Precisamos de uma reforma política que reordene as estruturas do Estado. Entretanto, não creio que devemos nos antecipar, nesse caso, à reforma política mais ampla, capaz de fortalecer a democracia mas também de nos prevenir de assaltos oportunistas e demagógicos à democracia. Tais temas não podem ser exclusivos da comunidade política. Devem ser debatidos também, numa visão propositiva, nos níveis mais profundos da sociedade civil– isto é, vinculados ao povo através de lideranças autênticas, não manipuladas pela mídia. Dessa forma se construirá uma democracia atualizada, e não o simulacro de democracia que temos, onde os próprios representantes do povo, mediante emendas oportunistas e manipuladas, simplesmente retalharam e desfiguraram a Constituição que chamamos de cidadã.
Não estou pessimista. Com visão realista enxergo oportunidades à frente resultantes das próprias contradições de um governo que nasce sem estratégia, sem planejamento, sem equipe coerente – em uma palavra, sem rumo claro. De uma forma um tanta caricata, dou-lhes um único exemplo do que serão as múltiplas contradições do governo: Jair Bolsonaro vai levar quatro generais de exército reformados para seu governo. Alguns de áreas chave, como a de infra-estrutura. Ora, Bolsonaro herdará de Temer a Emenda 95, que congela os orçamentos públicos. As senhoras e senhores senadores acreditam que os quatro generais se conformarão com o orçamento congelado devido às graças do super-ministro Paulo Guedes?
Eles que se virem. Não aprovaram todas as medidas de Temer com vistas a aprofundar o neoliberalismo no Brasil? Não aprovaram os cortes sucessivos de gastos públicos? Não pretendem aproveitar em sua equipe e nas suas propostas o que entendem como o grande legado do governo Temer? Nós nos colocaremos naquela posição recomendada por Cristo aos apóstolos, vigiai e orai.
Se no meio das banalidades e inconsequências que vêm por aí aparecer, por acaso, uma ou outra medida em favor do povo, estamos dispostos a considerar em termos de caso a caso. No conjunto, a nossa posição por enquanto é de esperar. E não se espere que nos omitiremos enquanto vozes de oposição quando se tratar de materialização de medidas, como as sugeridas por pronunciamentos recorrentes de Bolsonaro e de seu super-ministro, na direção contrária ao da civilização.
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