Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Movimento 1 – as hipóteses de trabalho
Para tornar mais objetiva a análise vamos definir um conjunto de evidências prévias:
Evidência 1 – Jair Bolsonaro é um defensor do estado de exceção. Ponto. Havendo condições, implantará o Estado de Exceção em um país em que já se quebrou a mística da democracia estável que existia desde a Constituição de 1988.
Evidência 2 – Bolsonaro já apontou os movimentos populares como alvo de repressão. As mudanças em andamento na legislação, tentam enquadrar toda manifestação social na categoria de terrorismo.
Evidência 3 – antes mesmo de assumirem, os governadores eleitos de São Paulo e Rio de Janeiro já acenaram com um liberou geral para a violência policial em alta escala – com autorização para matar. Há perspectiva de massacres continuados e legalizados nas duas maiores cidades brasileiras.
Evidência 4 – o estado de exceção já está disseminado pela sociedade brasileira, na atuação concatenada de juízes e procuradores, na explosão de violência nas ruas e nas redes sociais, no avanço das milícias nas periferias das grandes cidades e favelas, nos abusos da Lava Jato. Ou seja, está fincada em uma base ampla da opinião pública.
Movimento 3 – como agem os ditadores
Sobre as estratégias de destruição das democracias, há um levantamento precioso no livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblat.
Dizem eles:
A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade. Elas são aprovadas pelo Parlamento ou julgadas constitucionais por supremas cortes. Muitas são adotadas sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo – e mesmo elogiável –, como combater a corrupção, “limpar” as eleições, aperfeiçoar a qualidade da democracia.
O livro lista uma série de medidas possíveis de serem tomadas, de acordo com as regras democráticas.
A democracia tutelada
Segundo os autores, na maioria das autocracias contemporâneas, não se eliminam todos os traços de dissensão. A estratégia consiste em marginalizar jogadores importantes, como políticos de oposição, lideres empresariais simpáticos à oposição, meios de comunicação, figuras culturais que desfrutem de status moral público. Ou se impede sua participação ou se recorre a subornos, oferecendo cargos públicos favores e outras prerrogativas.
A compra dos “árbitros”
Para tanto, é relevante o que os autores chamam de “a compra dos árbitros”, no caso instituições jurídicas e policiais. Autoridades fazendárias podem ser acionadas para atacar políticos, empresas e meios de comunicações críticos. A polícia poderá reprimir violentamente manifestações de oposição ao governo, ao mesmo tempo em que tolerará violências perpetradas por assassinos pró-governo, dizem os autores.
(...) Enquanto ditadores da velha guarda costumavam prender, exilar ou até matar seus rivais, os autocratas contemporâneos tendem a esconder sua repressão debaixo de um verniz de legalidade. É por isso que capturar os árbitros é tão importante.
O suborno e da chantagem
Um dos casos relatados foi o do Peru, no período Alberto Fujimori, o presidente eleito em 1990 que, depois, se converteu em ditador.
Seu braço direito, Vladimiro Montesinos, do Serviço Nacional de Inteligência, se valeu de todos os expedientes para enquadrar recalcitrantes. Gravou vídeos de políticos, juízes, congressistas, empresários, jornalistas, pagando ou recebendo subornos. Antes da implantação da ditadura, filmou autoridades em bordéis e outras atividades ilegais. Em sua folha de pagamento mantinha três magistrados da Suprema Corte, dois membros do tribunal Constitucional e um número “inacreditável” de juízes e promotores públicos. No final dos anos 90, toda rede de televisão relevante, jornais diários e tabloides populares estavam na folha de pagamento do governo. Na superfície, o Peru parecia viver uma democracia.
No Brasil pré-impeachment, já havia suspeitas de tentativas de chantagem contra três Ministros do STF.
A perseguição aos adversários
Um resultado direto da “compra de árbitros” é o poder de condenar oposicionistas. A condenação e prisão de Lula não é um episódio isolado. No final dos anos 90, na Malásia, o primeiro-ministro Mahatir Moahamad usou força policial para prender e condenar o oposicionista mais relevante, Anawar Ibrahim, sob acusação de sodomia.
Na Venezuela, Leopoldo López, líder da oposição, foi preso e acusado de “incitação à violência” durante a onda de protestos contra o governo em 2014. Sem comprovação maior, alegou-se que a incitação havia sido “subliminar”.
As mudanças constitucionais
Outra maneira de implantar o estado de exceção é através de mudanças constitucionais, no sistema eleitoral ou nas cortes superiores.
Em 2002, na Malásia, para impedir a vitória da oposição, as autoridades redesenharam os distritos eleitorais, contrariando as tendências demográficas, reduzindo o número de cadeiras em regiões dominadas pela oposição.
Em 1999, o governo Hugo Chávez convocou eleições para uma Constituinte, concedendo a ela mesmo o direito de dissolver todas as demais instituições do Estado, incluindo a Suprema Corte. Ministros temerosos tentaram contemporizar a decretaram a iniciativa como constitucional. Dois meses depois, a Suprema Corte foi dissolvida e substituída por um novo Tribunal Supremo de Justiça.
A ação contra os carteis midiáticos
A parte mais vulnerável dos cartéis midiáticos são as ações fiscais. Gozando de plenos poderes no período que antecede as ditaduras, acabam se enrolando em manobras fiscais que, mais tarde, voltam-se contra eles próprios. É o caso das vulnerabilidades fiscais e penais (caso FIFA) das Organizações Globo.
Na Turquia, o conglomerado Doğan Yayin controlava 50% do mercado de mídia, o jornal mais lido do país, o Hurriyat, e vários canais de televisão. Em 2009, o governo o multou em quase 2,5 bilhões de dólares – mais do que o patrimônio líquido da empresa – por evasão fiscal. O grupo foi obrigado a vender grande parte de seus veículos, comprados por empresários favoráveis ao governo.
Na Rússia, Putin mandou prender Vladimir Gusinsky, dono de uma rede de TV independente, por “apropriação financeira indébita”. Foi-lhe oferecido a liberdade, em troca de abrir mão de sua rede, a NTV.
O mesmo ocorreu com o bilionário Boris Berezovsky, acionista controlador da emissora de televisão ORT. Quando passou a incomodar Putin, foi desenterrado um caso antigo de fraude e Berezovski foi preso, exilado, deixando o grupo nas mãos de um sócio minoritário, que “gentilmente os pôs à disposição de Putin”.
Na Venezuela, Chávez investigou as irregularidades financeiras cometidas por Guilhermo Zuloaga, dono da Globovisión. Precisou fugir do país para não ser preso e acabou vendendo a emissora a um empresário simpático ao governo.
Na Turquia de Erdoğan, as autoridades financeiras confiscaram o império industrial de Cem Uzan, o maior do país, por suas pretensões de lançar o Partido Jovem (PJ) e concorrer às eleições. Uzan fugiu para a França e seu grupo entrou em colapso.
A segurança nacional
Há vários gatilhos que podem ser acionados para legitimar momentos de exceção. Em 1969, depois de reeleito presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos passou a estudar situações que seriam propícias para prorrogar seu mandato. Em julho de 1972, Manila foi sacudida por uma série de atentados a bomba sem autoria definida.
Em seguida, houve uma aparente tentativa de assassinar o Secretário de Defesa, sendo responsabilizados “terroristas comunistas”. Implantou a lei marcial com palavras vãs: “Meus compatriotas … [isto] não é uma tomada militar do poder.” Garantiu 14 anos de ditadura.
Depois do 11 de setembro, dos atentados às torres Gêmeas, 93,55% dos norte-americanos aceitavam abrir mão de algumas liberdades civis para conter o terrorismo. Da mesma maneira que, na Segunda Guerra, o ataque contra Pearl Harbor levou a opinião pública a apoiar o confinamento de nipo-americanos em campos de concentração internos.
Depois que seu partido, o AKP, perdeu maioria parlamentar em junho de 2015, uma série de ataques terroristas do Estado islâmico permitiu a Erdoğan antecipar as eleições e retomar o controle do Parlamento, expurgando 100 mil juízes e funcionários públicos, fechando vários jornais e ordenando mais de 50 mil prisões.
Movimento 4 – as ameaças imediatas
Como se viu, um Presidente antidemocrático tem inúmeras possibilidades de atacar a democracia. E a estratégia usual é o desgaste diário, a soma de pequenas medidas, aparentemente irrelevantes, que acabam levando a desfechos autoritários.
Há alguns movimentos nítidos em direção ao arbítrio.
A Força-Tarefa de Inteligência
O Decreto nº 9.527, de 15 de outubro de 2018, assinado por Michel Temer, foi o passo mais ousado em direção à criminalização dos oposicionistas. Ele passa a tratar o crime organizado como uma questão de segurança nacional. E constitui uma força presidida pelo general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, constituída pelos serviços de inteligência da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, com o apoio da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda), Receita, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Segurança Pública; Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública.
Entre causas relevantes, como os crimes cibernéticos e o terrorismo, o PNI (Plano Nacional de Inteligência) relaciona as seguintes ameaças à segurança nacional:
- Interferência externa, que é a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do País com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais;
- Ações contrárias à soberania nacional, que atentam contra a autodeterminação, a não-ingerência nos assuntos internos e o respeito incondicional à Constituição e às leis.
Utilizar essas definições para enfrentar ameaças externas reais ou criminalizar movimentos populares, ou manifestações de críticos, dependerá apenas dos limites que forem impostos pelo STF.
Esta semana, o senador Magno Malta (não reeleito) apresentou proposta para ampliar a Lei Antiterrorismo, incluindo na definição de crimes “coagir governo” a “fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por motivação política, ideológica ou social”.
O superministério de Sérgio Moro
O juiz Sérgio Moro é um ativista político que já demonstrou várias vezes pretender ultrapassar os limites da legalidade – como ocorreu com o vazamento das conversas de Dilma Rousseff e Lula, a detenção de jornalista crítico e liberando depoimentos de Antônio Palocci nas vésperas das eleições. E, agora, aceitando o convite para ser Ministro do candidato beneficiado por suas ações.
Indicado Ministro, terá sob sua supervisão a Segurança Pública (e a Polícia Federal), a Secretaria de Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Se, de fato, acredita poder mudar o mundo com o direito penal, em pouco tempo terá embates grandiosos com Bolsonaro.
Se, ao contrário, embarcou no projeto de poder de Bolsonaro, se verá investido de um formidável poder intimidatório, valendo-se do poder do Executivo para disseminar denúncias contra críticos, ações contra Universidades (escudados nos pareceres da CGU), investidas contra movimentos sociais.
Movimento 5 – a tolerância zero contra o arbítrio
Nas últimas semanas, três instituições acordaram para os riscos da escalada do arbítrio: a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal e a mídia mainstream. Há sinais de que o Alto Comando das Forças Armadas tem preocupação em relação aos riscos para a disciplina militar, desse liberou geral de Bolsonaro que tem muita ressonância nos escalões de baixo.
STF e PGR poderão agir apenas nos temas coletivos. Na base, haverá uma escalada de violência, em denúncias judiciais ou, pior, em violência explícita contra movimentos populares e contra pobres e negros de periferia.
Mais que nunca, a informação passa a ter uma função civilizatória, alertando não apenas a opinião pública informada, mas os organismos internacionais, a imprensa internacional, os tribunais superiores.
É hora de ver se o jornalismo e os tribunais se mostram, finalmente, à altura de suas responsabilidades.
Movimento 1 – as hipóteses de trabalho
Para tornar mais objetiva a análise vamos definir um conjunto de evidências prévias:
Evidência 1 – Jair Bolsonaro é um defensor do estado de exceção. Ponto. Havendo condições, implantará o Estado de Exceção em um país em que já se quebrou a mística da democracia estável que existia desde a Constituição de 1988.
Evidência 2 – Bolsonaro já apontou os movimentos populares como alvo de repressão. As mudanças em andamento na legislação, tentam enquadrar toda manifestação social na categoria de terrorismo.
Evidência 3 – antes mesmo de assumirem, os governadores eleitos de São Paulo e Rio de Janeiro já acenaram com um liberou geral para a violência policial em alta escala – com autorização para matar. Há perspectiva de massacres continuados e legalizados nas duas maiores cidades brasileiras.
Evidência 4 – o estado de exceção já está disseminado pela sociedade brasileira, na atuação concatenada de juízes e procuradores, na explosão de violência nas ruas e nas redes sociais, no avanço das milícias nas periferias das grandes cidades e favelas, nos abusos da Lava Jato. Ou seja, está fincada em uma base ampla da opinião pública.
Movimento 2 – a defesa inicial da democracia
Nos primeiros dias após as eleições, eclodiram abusos, mas, por outro lado, manifestações amplas em defesa da democracia. Advogados criminalistas organizaram comitês em defesa das futuras vítimas, a Procuradoria Geral da República tomou medidas contra as invasões de universidades, procuradores atuaram em vários estados contra tentativas de intimidação de professores, houve protestos generalizados contra as ameaças de Bolsonaro à Folha de São Paulo. E até o Ministro Luís Roberto Barroso anunciou que o STF estará coeso em defesa das minorias.
Democracia salva? Nem tanto.
Nos primeiros dias após as eleições, eclodiram abusos, mas, por outro lado, manifestações amplas em defesa da democracia. Advogados criminalistas organizaram comitês em defesa das futuras vítimas, a Procuradoria Geral da República tomou medidas contra as invasões de universidades, procuradores atuaram em vários estados contra tentativas de intimidação de professores, houve protestos generalizados contra as ameaças de Bolsonaro à Folha de São Paulo. E até o Ministro Luís Roberto Barroso anunciou que o STF estará coeso em defesa das minorias.
Democracia salva? Nem tanto.
Movimento 3 – como agem os ditadores
Sobre as estratégias de destruição das democracias, há um levantamento precioso no livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblat.
Dizem eles:
A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade. Elas são aprovadas pelo Parlamento ou julgadas constitucionais por supremas cortes. Muitas são adotadas sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo – e mesmo elogiável –, como combater a corrupção, “limpar” as eleições, aperfeiçoar a qualidade da democracia.
O livro lista uma série de medidas possíveis de serem tomadas, de acordo com as regras democráticas.
A democracia tutelada
Segundo os autores, na maioria das autocracias contemporâneas, não se eliminam todos os traços de dissensão. A estratégia consiste em marginalizar jogadores importantes, como políticos de oposição, lideres empresariais simpáticos à oposição, meios de comunicação, figuras culturais que desfrutem de status moral público. Ou se impede sua participação ou se recorre a subornos, oferecendo cargos públicos favores e outras prerrogativas.
A compra dos “árbitros”
Para tanto, é relevante o que os autores chamam de “a compra dos árbitros”, no caso instituições jurídicas e policiais. Autoridades fazendárias podem ser acionadas para atacar políticos, empresas e meios de comunicações críticos. A polícia poderá reprimir violentamente manifestações de oposição ao governo, ao mesmo tempo em que tolerará violências perpetradas por assassinos pró-governo, dizem os autores.
(...) Enquanto ditadores da velha guarda costumavam prender, exilar ou até matar seus rivais, os autocratas contemporâneos tendem a esconder sua repressão debaixo de um verniz de legalidade. É por isso que capturar os árbitros é tão importante.
O suborno e da chantagem
Um dos casos relatados foi o do Peru, no período Alberto Fujimori, o presidente eleito em 1990 que, depois, se converteu em ditador.
Seu braço direito, Vladimiro Montesinos, do Serviço Nacional de Inteligência, se valeu de todos os expedientes para enquadrar recalcitrantes. Gravou vídeos de políticos, juízes, congressistas, empresários, jornalistas, pagando ou recebendo subornos. Antes da implantação da ditadura, filmou autoridades em bordéis e outras atividades ilegais. Em sua folha de pagamento mantinha três magistrados da Suprema Corte, dois membros do tribunal Constitucional e um número “inacreditável” de juízes e promotores públicos. No final dos anos 90, toda rede de televisão relevante, jornais diários e tabloides populares estavam na folha de pagamento do governo. Na superfície, o Peru parecia viver uma democracia.
No Brasil pré-impeachment, já havia suspeitas de tentativas de chantagem contra três Ministros do STF.
A perseguição aos adversários
Um resultado direto da “compra de árbitros” é o poder de condenar oposicionistas. A condenação e prisão de Lula não é um episódio isolado. No final dos anos 90, na Malásia, o primeiro-ministro Mahatir Moahamad usou força policial para prender e condenar o oposicionista mais relevante, Anawar Ibrahim, sob acusação de sodomia.
Na Venezuela, Leopoldo López, líder da oposição, foi preso e acusado de “incitação à violência” durante a onda de protestos contra o governo em 2014. Sem comprovação maior, alegou-se que a incitação havia sido “subliminar”.
As mudanças constitucionais
Outra maneira de implantar o estado de exceção é através de mudanças constitucionais, no sistema eleitoral ou nas cortes superiores.
Em 2002, na Malásia, para impedir a vitória da oposição, as autoridades redesenharam os distritos eleitorais, contrariando as tendências demográficas, reduzindo o número de cadeiras em regiões dominadas pela oposição.
Em 1999, o governo Hugo Chávez convocou eleições para uma Constituinte, concedendo a ela mesmo o direito de dissolver todas as demais instituições do Estado, incluindo a Suprema Corte. Ministros temerosos tentaram contemporizar a decretaram a iniciativa como constitucional. Dois meses depois, a Suprema Corte foi dissolvida e substituída por um novo Tribunal Supremo de Justiça.
A ação contra os carteis midiáticos
A parte mais vulnerável dos cartéis midiáticos são as ações fiscais. Gozando de plenos poderes no período que antecede as ditaduras, acabam se enrolando em manobras fiscais que, mais tarde, voltam-se contra eles próprios. É o caso das vulnerabilidades fiscais e penais (caso FIFA) das Organizações Globo.
Na Turquia, o conglomerado Doğan Yayin controlava 50% do mercado de mídia, o jornal mais lido do país, o Hurriyat, e vários canais de televisão. Em 2009, o governo o multou em quase 2,5 bilhões de dólares – mais do que o patrimônio líquido da empresa – por evasão fiscal. O grupo foi obrigado a vender grande parte de seus veículos, comprados por empresários favoráveis ao governo.
Na Rússia, Putin mandou prender Vladimir Gusinsky, dono de uma rede de TV independente, por “apropriação financeira indébita”. Foi-lhe oferecido a liberdade, em troca de abrir mão de sua rede, a NTV.
O mesmo ocorreu com o bilionário Boris Berezovsky, acionista controlador da emissora de televisão ORT. Quando passou a incomodar Putin, foi desenterrado um caso antigo de fraude e Berezovski foi preso, exilado, deixando o grupo nas mãos de um sócio minoritário, que “gentilmente os pôs à disposição de Putin”.
Na Venezuela, Chávez investigou as irregularidades financeiras cometidas por Guilhermo Zuloaga, dono da Globovisión. Precisou fugir do país para não ser preso e acabou vendendo a emissora a um empresário simpático ao governo.
Na Turquia de Erdoğan, as autoridades financeiras confiscaram o império industrial de Cem Uzan, o maior do país, por suas pretensões de lançar o Partido Jovem (PJ) e concorrer às eleições. Uzan fugiu para a França e seu grupo entrou em colapso.
A segurança nacional
Há vários gatilhos que podem ser acionados para legitimar momentos de exceção. Em 1969, depois de reeleito presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos passou a estudar situações que seriam propícias para prorrogar seu mandato. Em julho de 1972, Manila foi sacudida por uma série de atentados a bomba sem autoria definida.
Em seguida, houve uma aparente tentativa de assassinar o Secretário de Defesa, sendo responsabilizados “terroristas comunistas”. Implantou a lei marcial com palavras vãs: “Meus compatriotas … [isto] não é uma tomada militar do poder.” Garantiu 14 anos de ditadura.
Depois do 11 de setembro, dos atentados às torres Gêmeas, 93,55% dos norte-americanos aceitavam abrir mão de algumas liberdades civis para conter o terrorismo. Da mesma maneira que, na Segunda Guerra, o ataque contra Pearl Harbor levou a opinião pública a apoiar o confinamento de nipo-americanos em campos de concentração internos.
Depois que seu partido, o AKP, perdeu maioria parlamentar em junho de 2015, uma série de ataques terroristas do Estado islâmico permitiu a Erdoğan antecipar as eleições e retomar o controle do Parlamento, expurgando 100 mil juízes e funcionários públicos, fechando vários jornais e ordenando mais de 50 mil prisões.
Movimento 4 – as ameaças imediatas
Como se viu, um Presidente antidemocrático tem inúmeras possibilidades de atacar a democracia. E a estratégia usual é o desgaste diário, a soma de pequenas medidas, aparentemente irrelevantes, que acabam levando a desfechos autoritários.
Há alguns movimentos nítidos em direção ao arbítrio.
A Força-Tarefa de Inteligência
O Decreto nº 9.527, de 15 de outubro de 2018, assinado por Michel Temer, foi o passo mais ousado em direção à criminalização dos oposicionistas. Ele passa a tratar o crime organizado como uma questão de segurança nacional. E constitui uma força presidida pelo general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, constituída pelos serviços de inteligência da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, com o apoio da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda), Receita, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Segurança Pública; Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública.
Entre causas relevantes, como os crimes cibernéticos e o terrorismo, o PNI (Plano Nacional de Inteligência) relaciona as seguintes ameaças à segurança nacional:
- Interferência externa, que é a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do País com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais;
- Ações contrárias à soberania nacional, que atentam contra a autodeterminação, a não-ingerência nos assuntos internos e o respeito incondicional à Constituição e às leis.
Utilizar essas definições para enfrentar ameaças externas reais ou criminalizar movimentos populares, ou manifestações de críticos, dependerá apenas dos limites que forem impostos pelo STF.
Esta semana, o senador Magno Malta (não reeleito) apresentou proposta para ampliar a Lei Antiterrorismo, incluindo na definição de crimes “coagir governo” a “fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por motivação política, ideológica ou social”.
O superministério de Sérgio Moro
O juiz Sérgio Moro é um ativista político que já demonstrou várias vezes pretender ultrapassar os limites da legalidade – como ocorreu com o vazamento das conversas de Dilma Rousseff e Lula, a detenção de jornalista crítico e liberando depoimentos de Antônio Palocci nas vésperas das eleições. E, agora, aceitando o convite para ser Ministro do candidato beneficiado por suas ações.
Indicado Ministro, terá sob sua supervisão a Segurança Pública (e a Polícia Federal), a Secretaria de Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Se, de fato, acredita poder mudar o mundo com o direito penal, em pouco tempo terá embates grandiosos com Bolsonaro.
Se, ao contrário, embarcou no projeto de poder de Bolsonaro, se verá investido de um formidável poder intimidatório, valendo-se do poder do Executivo para disseminar denúncias contra críticos, ações contra Universidades (escudados nos pareceres da CGU), investidas contra movimentos sociais.
Movimento 5 – a tolerância zero contra o arbítrio
Nas últimas semanas, três instituições acordaram para os riscos da escalada do arbítrio: a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal e a mídia mainstream. Há sinais de que o Alto Comando das Forças Armadas tem preocupação em relação aos riscos para a disciplina militar, desse liberou geral de Bolsonaro que tem muita ressonância nos escalões de baixo.
STF e PGR poderão agir apenas nos temas coletivos. Na base, haverá uma escalada de violência, em denúncias judiciais ou, pior, em violência explícita contra movimentos populares e contra pobres e negros de periferia.
Mais que nunca, a informação passa a ter uma função civilizatória, alertando não apenas a opinião pública informada, mas os organismos internacionais, a imprensa internacional, os tribunais superiores.
É hora de ver se o jornalismo e os tribunais se mostram, finalmente, à altura de suas responsabilidades.
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