Por Bruno Santos de Moraes, no site Carta Maior:
Os efeitos sociais negativos do neoliberalismo em países subdesenvolvidos são conhecidos, e a “tempestade perfeita” seguida de recessão econômica mundial está sendo fundamentada na mídia internacional por analistas importantes. O que desejo expor aqui, então, é que não estou vendo nenhum alarde no Brasil sobre a relação catastrófica para a população das duas coisas acontecendo simultaneamente – neoliberalismo e recessão. No atual estágio de globalização que as nações compartilham, nosso país não pode se prender a uma “expectativa sem lastro” baseada em uma onda populista, restringindo os olhares somente aos problemas internos do nosso país sem verificar as questões externas que nos influenciam. É direito do cidadão brasileiro saber os riscos que corre.
O termo “tempestade perfeita” é usado por alguns analistas para identificar diversos fatores negativos na economia que, juntos, culminam em uma recessão. Dentre os fatores que estão sendo identificados nesta quase inevitável recessão, prevista para o ano de 2020, temos: a insustentabilidade das políticas de estímulo fiscal feitas nos EUA no pós-crash de 2008; superaquecimento da economia norte americana com a inflação subindo acima da meta; perigo de inflação também em outras economias do mundo, forçando os Bancos Centrais a também fazer ajustes monetários; disputa comercial entre EUA e China, com medidas protecionistas do governo estadunidense, devem impactar crescimento econômico mundial; analistas indicam também que, assim como no período pré-2008, a taxa de alavancagem dos EUA está muito alta, provando que Wall Street não aprendeu (ou não quer aprender) com o crash de 2008, já que os motivos desta próxima recessão são similares às daquele ano; há ainda uma crise política nos EUA, com um forte indicativo de abertura de processo de impeachment contra o atual presidente Donald Trump. Contudo, o fator mais preocupante desta nova recessão prevista é que os governos no mundo não serão capazes de fornecer ajuda financeira como feito em 2008, dado o alto nível da dívida pública dos países – o que pode tornar esta nova recessão muito mais intensa e duradoura.
Concomitante a esse cenário externo ruim previsto, no Brasil a busca do novo governo em adotar medidas para aumento da taxa de emprego acarretará elevação geral de preços com o aquecimento da economia. O governo tem um cenário de mais de 13 milhões de pessoas desocupadas (dados do IBGE) para oportunizar trabalho. Contudo, por conta da acentuação da reforma trabalhista que deve acontecer (“escolhemos” mais empregos com menos direitos, ou seja, menor salário), o rendimento real médio dos brasileiros deve permanecer estável ou diminuir. Logo, apesar do provável aumento temporário do PIB e da taxa de emprego, estaremos em um cenário de elevação geral de preços com rendimento médio menor ou estável do trabalhador, além da diminuição de direitos trabalhistas. O termo “aumento geral de preços” inclui, então, aumento de custos importantes para a classe trabalhadora, como moradia, alimentação e saúde, agravados pelos processos de privatizações (que representa, na prática, que a população pagará por um serviço anteriormente gratuito).
A abertura econômica, inerente ao modelo neoliberal do novo governo, significa mais concorrentes estrangeiros se instalando no Brasil, provavelmente estadunidenses tendo em vista a busca por estreitamento de relações com os EUA. Ou seja, as empresas estrangeiras instaladas no país terão, na maioria, produtos importados dependentes e atrelados à cotação do dólar. O que preocupa nesse cenário é que as crises econômicas, inerentes ao capitalismo, tem uma característica facilmente reconhecível que é uma mudança brusca no fluxo de capitais no mundo, com os investidores optando por alocar seus capitais financeiros em ativos de menor risco em países mais sólidos. Numa provável nova crise mundial, diminui o montante financeiro em dólar no Brasil, afetando a relação entre real e dólar, com o real desvalorizando abruptamente, assim como aconteceu em 2008, aumentando 50% a cotação de julho a dezembro daquele ano. Contudo, não há indício de que nesse novo governo brasileiro, autointitulado liberal econômico, vá utilizar as reservas cambiais para controlar a cotação. Logo, uma desvalorização brusca do real devido a uma crise externa, em um mercado interno com alto volume de produtos importados e atrelados ao dólar, deve elevar o custo das empresas, que certamente será repassado ao preço final.
O nível de concorrência no mercado aberto pode se ampliar, mas certamente não irá conter no curto-médio prazo o aumento geral de preços, por maior demanda interna e por aumento de custos de produtos atrelados ao dólar, devendo surgir a necessidade de controle dos preços. Até então, a forma prática de controle inflacionário brasileiro tem sido pela taxa básica de juros, a Selic, que também é ferramenta de estímulo da economia. Assim, suscita a dúvida de como o Banco Central irá atuar num cenário de fuga de capitais e desvalorização do real por conta de crise internacional versus estímulo interno ao investimento produtivo. Em outras palavras: o BC irá elevar a taxa de juros para conter a pressão inflacionária ou permanecerá numa tendência de redução da Selic para manter sua posição neoliberal de estímulo ao empresário?
Em resumo, ao meu ver, temos o seguinte cenário previsto para o biênio 2019-2020 no Brasil: expectativas positivas da economia levam a decisões dos agentes mais tendenciosas a risco (como abrir uma empresa, fazer financiamentos longos, etc) – há aquecimento da economia, elevação da demanda interna (e de preços), aumento temporário da taxa de empregos e do PIB; há também estagnação ou redução dos rendimentos médios do trabalhador brasileiro pela acentuação da reforma trabalhista, paralelo ao alto nível de endividamento das famílias brasileiras (atualmente mais de 63 milhões de pessoas negativados segundo o SPC); a crise política brasileira se intensifica, pois a polaridade em que a sociedade brasileira se encontra não acabou, e a falta de “tato social” do presidente eleito e de seus ministros só agrava o quadro geral de tensão; elevação de custo dos produtos atrelados ao dólar pela crise internacional, sem intervenção estatal para segurar a cotação (livre mercado, certo?) em uma brusca fuga de capitais que ocorre nesses momentos de instabilidade.
A crise internacional aparece, fecha empresas, afeta empregos, aumente a inadimplência, dilui valor dos ativos. Colapso sem auxílio governamental, com o trabalhador endividado e tendo menos direitos trabalhistas, e o pequeno e médio empresário endividado e ludibriado pela expectativa positiva forjada, ambos com custo de vida elevado. O suspiro de crescimento econômico, que naturalmente já seria insustentável no longo prazo, é “cortado na raiz” por uma recessão internacional.
Diante desse cenário nebuloso, a impressão que fico é que todos os agentes que compreendem a proximidade da recessão que está por vir estão com o “gatilho” pronto para lucrarem. As grandes corporações e os grandes bancos (possuem investimentos financeiros) conseguem se beneficiar da instabilidade que uma crise proporciona – por isso não é coincidência que os ciclos entre bonanças e recessões na economia estão cada vez mais curtos. O pequeno e médio empresário e o trabalhador, que não são esclarecidos sobre esses assuntos e previsões e que são parte do investimento produtivo, sofrem as consequências mais dolorosas. Assim, torna-se alarmante o silêncio premeditado do governo e das grandes corporações brasileiros quanto à “tempestade”, pois parecem estar desviando o foco da mídia com assuntos polêmicos e forjando as expectativas positivas dos agentes para lucrarem no mercado financeiro com a recessão.
O Brasil saiu de um assistencialismo ineficiente e desorganizado para um neoliberalismo egoísta e intransigente. Celso Furtado escreveu em Os ares do mundo que “o excesso de concentração de renda provoca instabilidade, e o excesso de distribuição de renda frustra o crescimento”. Até quando ficaremos nesse pêndulo, migrando os governos indefinidamente dentro dessa polaridade, cada um mais convicto que o outro de sua posição? Até quando ficaremos “correndo atrás do próprio rabo” entre duas falácias que não admitem seus erros?
Neste momento, então, estamos presos à perversidade neoliberal, justo em um período de turbulência internacional que está por vir, e não vejo (ou não está explícito) preocupação social do governo com esta possibilidade real. Na iminência da “tempestade perfeita”, o presidente, ao invés de abrir um guarda-chuva para proteger o país (que já seria insuficiente diante da gravidade), vai pegar um fuzil. E ele ainda acha graça disso.
* Bruno Moraes é bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia e especialista em Finanças.
Os efeitos sociais negativos do neoliberalismo em países subdesenvolvidos são conhecidos, e a “tempestade perfeita” seguida de recessão econômica mundial está sendo fundamentada na mídia internacional por analistas importantes. O que desejo expor aqui, então, é que não estou vendo nenhum alarde no Brasil sobre a relação catastrófica para a população das duas coisas acontecendo simultaneamente – neoliberalismo e recessão. No atual estágio de globalização que as nações compartilham, nosso país não pode se prender a uma “expectativa sem lastro” baseada em uma onda populista, restringindo os olhares somente aos problemas internos do nosso país sem verificar as questões externas que nos influenciam. É direito do cidadão brasileiro saber os riscos que corre.
O termo “tempestade perfeita” é usado por alguns analistas para identificar diversos fatores negativos na economia que, juntos, culminam em uma recessão. Dentre os fatores que estão sendo identificados nesta quase inevitável recessão, prevista para o ano de 2020, temos: a insustentabilidade das políticas de estímulo fiscal feitas nos EUA no pós-crash de 2008; superaquecimento da economia norte americana com a inflação subindo acima da meta; perigo de inflação também em outras economias do mundo, forçando os Bancos Centrais a também fazer ajustes monetários; disputa comercial entre EUA e China, com medidas protecionistas do governo estadunidense, devem impactar crescimento econômico mundial; analistas indicam também que, assim como no período pré-2008, a taxa de alavancagem dos EUA está muito alta, provando que Wall Street não aprendeu (ou não quer aprender) com o crash de 2008, já que os motivos desta próxima recessão são similares às daquele ano; há ainda uma crise política nos EUA, com um forte indicativo de abertura de processo de impeachment contra o atual presidente Donald Trump. Contudo, o fator mais preocupante desta nova recessão prevista é que os governos no mundo não serão capazes de fornecer ajuda financeira como feito em 2008, dado o alto nível da dívida pública dos países – o que pode tornar esta nova recessão muito mais intensa e duradoura.
Concomitante a esse cenário externo ruim previsto, no Brasil a busca do novo governo em adotar medidas para aumento da taxa de emprego acarretará elevação geral de preços com o aquecimento da economia. O governo tem um cenário de mais de 13 milhões de pessoas desocupadas (dados do IBGE) para oportunizar trabalho. Contudo, por conta da acentuação da reforma trabalhista que deve acontecer (“escolhemos” mais empregos com menos direitos, ou seja, menor salário), o rendimento real médio dos brasileiros deve permanecer estável ou diminuir. Logo, apesar do provável aumento temporário do PIB e da taxa de emprego, estaremos em um cenário de elevação geral de preços com rendimento médio menor ou estável do trabalhador, além da diminuição de direitos trabalhistas. O termo “aumento geral de preços” inclui, então, aumento de custos importantes para a classe trabalhadora, como moradia, alimentação e saúde, agravados pelos processos de privatizações (que representa, na prática, que a população pagará por um serviço anteriormente gratuito).
A abertura econômica, inerente ao modelo neoliberal do novo governo, significa mais concorrentes estrangeiros se instalando no Brasil, provavelmente estadunidenses tendo em vista a busca por estreitamento de relações com os EUA. Ou seja, as empresas estrangeiras instaladas no país terão, na maioria, produtos importados dependentes e atrelados à cotação do dólar. O que preocupa nesse cenário é que as crises econômicas, inerentes ao capitalismo, tem uma característica facilmente reconhecível que é uma mudança brusca no fluxo de capitais no mundo, com os investidores optando por alocar seus capitais financeiros em ativos de menor risco em países mais sólidos. Numa provável nova crise mundial, diminui o montante financeiro em dólar no Brasil, afetando a relação entre real e dólar, com o real desvalorizando abruptamente, assim como aconteceu em 2008, aumentando 50% a cotação de julho a dezembro daquele ano. Contudo, não há indício de que nesse novo governo brasileiro, autointitulado liberal econômico, vá utilizar as reservas cambiais para controlar a cotação. Logo, uma desvalorização brusca do real devido a uma crise externa, em um mercado interno com alto volume de produtos importados e atrelados ao dólar, deve elevar o custo das empresas, que certamente será repassado ao preço final.
O nível de concorrência no mercado aberto pode se ampliar, mas certamente não irá conter no curto-médio prazo o aumento geral de preços, por maior demanda interna e por aumento de custos de produtos atrelados ao dólar, devendo surgir a necessidade de controle dos preços. Até então, a forma prática de controle inflacionário brasileiro tem sido pela taxa básica de juros, a Selic, que também é ferramenta de estímulo da economia. Assim, suscita a dúvida de como o Banco Central irá atuar num cenário de fuga de capitais e desvalorização do real por conta de crise internacional versus estímulo interno ao investimento produtivo. Em outras palavras: o BC irá elevar a taxa de juros para conter a pressão inflacionária ou permanecerá numa tendência de redução da Selic para manter sua posição neoliberal de estímulo ao empresário?
Em resumo, ao meu ver, temos o seguinte cenário previsto para o biênio 2019-2020 no Brasil: expectativas positivas da economia levam a decisões dos agentes mais tendenciosas a risco (como abrir uma empresa, fazer financiamentos longos, etc) – há aquecimento da economia, elevação da demanda interna (e de preços), aumento temporário da taxa de empregos e do PIB; há também estagnação ou redução dos rendimentos médios do trabalhador brasileiro pela acentuação da reforma trabalhista, paralelo ao alto nível de endividamento das famílias brasileiras (atualmente mais de 63 milhões de pessoas negativados segundo o SPC); a crise política brasileira se intensifica, pois a polaridade em que a sociedade brasileira se encontra não acabou, e a falta de “tato social” do presidente eleito e de seus ministros só agrava o quadro geral de tensão; elevação de custo dos produtos atrelados ao dólar pela crise internacional, sem intervenção estatal para segurar a cotação (livre mercado, certo?) em uma brusca fuga de capitais que ocorre nesses momentos de instabilidade.
A crise internacional aparece, fecha empresas, afeta empregos, aumente a inadimplência, dilui valor dos ativos. Colapso sem auxílio governamental, com o trabalhador endividado e tendo menos direitos trabalhistas, e o pequeno e médio empresário endividado e ludibriado pela expectativa positiva forjada, ambos com custo de vida elevado. O suspiro de crescimento econômico, que naturalmente já seria insustentável no longo prazo, é “cortado na raiz” por uma recessão internacional.
Diante desse cenário nebuloso, a impressão que fico é que todos os agentes que compreendem a proximidade da recessão que está por vir estão com o “gatilho” pronto para lucrarem. As grandes corporações e os grandes bancos (possuem investimentos financeiros) conseguem se beneficiar da instabilidade que uma crise proporciona – por isso não é coincidência que os ciclos entre bonanças e recessões na economia estão cada vez mais curtos. O pequeno e médio empresário e o trabalhador, que não são esclarecidos sobre esses assuntos e previsões e que são parte do investimento produtivo, sofrem as consequências mais dolorosas. Assim, torna-se alarmante o silêncio premeditado do governo e das grandes corporações brasileiros quanto à “tempestade”, pois parecem estar desviando o foco da mídia com assuntos polêmicos e forjando as expectativas positivas dos agentes para lucrarem no mercado financeiro com a recessão.
O Brasil saiu de um assistencialismo ineficiente e desorganizado para um neoliberalismo egoísta e intransigente. Celso Furtado escreveu em Os ares do mundo que “o excesso de concentração de renda provoca instabilidade, e o excesso de distribuição de renda frustra o crescimento”. Até quando ficaremos nesse pêndulo, migrando os governos indefinidamente dentro dessa polaridade, cada um mais convicto que o outro de sua posição? Até quando ficaremos “correndo atrás do próprio rabo” entre duas falácias que não admitem seus erros?
Neste momento, então, estamos presos à perversidade neoliberal, justo em um período de turbulência internacional que está por vir, e não vejo (ou não está explícito) preocupação social do governo com esta possibilidade real. Na iminência da “tempestade perfeita”, o presidente, ao invés de abrir um guarda-chuva para proteger o país (que já seria insuficiente diante da gravidade), vai pegar um fuzil. E ele ainda acha graça disso.
* Bruno Moraes é bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia e especialista em Finanças.
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