Por Pedro Breier, no blog Cafezinho:
Começo este panorama inicial pela posse de Bolsonaro, a qual acompanhei por mais ou menos uma hora. Peguei o emocionante trecho em que Bolsonaro deu um estrondoso chá de cadeira no público, na imprensa e nos que acompanhavam pela televisão ou pela internet. O presidente tomava um café com os presidentes da Câmara e do Senado enquanto todos lhe esperavam, apalermados.
Meu destaque daquele fatídico dia vai para a cobertura da imprensa. Mais especificamente, de Boris Casoy e Amanda Klein, da RedeTV!, que produziram uma monstruosa quantidade de frases absurdas, as quais pareciam ter sido enviadas diretamente pela assessoria de imprensa do nosso novo presidente. Coisas como “agora as nomeações vão ser todas técnicas” e “acabou o toma lá, dá cá, segundo o presidente”. Não há mais, pelo jeito, preocupação em sequer esconder o alinhamento ou a falta de objetividade da cobertura. Acompanhemos como agirá a Globo, que não se bica muito com a família Bolsonaro.
As abundantes nomeações, para cargos no governo, de políticos que não se elegeram em 2018 são um belo exemplo de nomeações estritamente técnicas. Se acabou o toma lá, dá cá, imagino que nada será exigido em troca dos partidos desses derrotados da eleição.
É como a nomeação de Sérgio Moro para o ministério após este retirar o líder das pesquisas do páreo, condenando-o sem provas. Ou a nomeação do genro de Léo Pinheiro para a presidência da caixa; Pinheiro é o delator que mudou sua versão dos fatos para incriminar Lula, também sem provas. Deve ser tudo apenas uma mistura inocente entre estrita meritocracia e esquisitas coincidências.
Outro fato ocorrido no primeiro dia do novo governo é tão grave que não permite qualquer tipo de ironia. O esvaziamento da Funai, ao ser transferida para o Ministério da Agricultura a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas é, provavelmente, a medida mais triste de Bolsonaro até o momento. A expressão “colocar a raposa para cuidar do galinheiro” encaixa à perfeição aqui. No embalo da medida, a terra indígena Arara, no Pará, foi invadida por madeireiros há poucos dias. Essa verdadeira tragédia ambiental, social e cultural pode se tornar corriqueira no próximo período.
Voltemos ao assunto “nomeações técnicas”. Causou furor a escolha do filho do vice-presidente, o general Mourão, para o cargo de assessor especial do novo presidente do Banco do Brasil. Hamilton Mourão, filho do general, teve seu salário triplicado ao assumir o cargo.
A pitoresca deputada Joice Hasselmann (PSL), cuja votação avassaladora em São Paulo foi impulsionada por sua popularidade entre o público de direita na internet, postou, sobre o tema, um tweet do ex-tucano e agora bolsonarista Xico Graziano, no qual este afirma que a espetacular promoção do filho de Mourão é “normal” e que “quem estranha tá de sacanagem”. O post de Joice teve uma enxurrada de comentários. Dê uma olhada no post da deputada clicando aqui. Entre os comentários com maior número de reações há, é claro, as tiradas de sarro de pessoas de esquerda. Também aparecem, contudo, muitos eleitores de Bolsonaro decepcionados. Em outros posts da deputada é fácil encontrar outro tanto de desiludidos com a turma do PSL que prometeu mudar tudo isso daí.
Menciono tal fato porque ele é emblemático de que a correlação de forças começou a mudar. São apenas dez dias de governo e figuras como Joice já sentem na pele a diferença entre ser metralhadora giratória e ser vidraça. Imaginem como estará o capital político de Bolsonaro daqui a alguns meses, após a imparável sucessão de burradas dos integrantes do governo e a probabilíssima ausência de qualquer feito revelante em prol da população.
Uma matéria de ontem do Uol demonstra com acuidade o nível de insanidade do nosso momento político: “Olavo de Carvalho questiona se a Terra orbita o Sol; o que diz a ciência?”
Olavo de Carvalho é o homem que indicou “apenas” os ministros da educação e das relações exteriores. Como disse o Chico Buarque, “Com esses ministros, é preferível que a Cultura não tenha ministério”.
As patacoadas do novo governo continuam sucedendo-se implacavelmente – e não há sinais de que serão interrompidas:
- Um edital para compra de livros didáticos que autorizava citações sem bibliografia, materiais com erros de revisão e a existência de publicidade foi divulgado. O governo recuou após a avalanche de críticas.
- O Brasil saiu do Pacto Global para a Migração da ONU. É irrisório o número de imigrantes que buscam o Brasil como destino; a medida deve prejudicar inúmeros brasileiros que migram para o exterior.
- Bolsonaro falou em diminuição da alíquota máxima do IR e em aumento do IOF. Foi desmentido por Onyx Lorenzoni e pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. O presidente deve se abster de fazer novas declarações sobre economia.
- Onyx, ministro da Casa Civil, protagonizou o momento mais cômico do novo governo (até agora). Segundo a coluna Painel, da Folha, as demissões em massa de funcionários considerados “petistas” fizeram com que faltasse gente para tocar pedidos de exoneração e nomeações.
Você consegue imaginar um cenário em que essa mistura esdrúxula de loucura anticomunista/anti-intelectual com ultraliberalismo econômico resulte em algo diferente do caos? Nem eu.
Me parece ser questão de (nem tanto) tempo (assim), portanto, o derretimento da popularidade de Bolsonaro.
E é aí que entra o papel do campo popular. Se fizermos um bom trabalho, a virtualmente inevitável desmoralização do presidente pode ser acompanhada do debacle desse conjunto de ideias e valores conservadores e reacionários que coloca energia em coisas absolutamente ridículas ao mesmo tempo em que escanteia, não por acaso, as questões fulcrais para o país – alguém tem notícia de alguma medida do governo para melhorar o nível de emprego no país, aliás?
Estou no time dos que pensam que é saudável, sim, a avalanche de piadas e memes sobre coisas como o apoteótico anúncio da ministra Damares Alves de que, a partir de agora, meninos vestem azul e meninas vestem rosa. Entretanto, seremos sábios se direcionarmos toda essa criatividade também para temas mais complexos, como reforma da previdência ou o ataque à Justiça do Trabalho. Dá mais trabalho, mas certamente rola.
A irreverência e o humor são armas poderosas na disputa ideológica. Se a política pode ser definida como a arte do convencimento, que sejamos inteligentes e criativos para convencer usando a bizarrice do governo Bolsonaro a nosso favor.
A serenidade e a alegria são os estados internos benéficos que devemos buscar para aproveitar nosso potencial criativo na luta. Mas como, se estamos sob a égide do governo mais boçal da história do Brasil e à beira de uma tragédia social sem precedentes?
Assim ensinam os grandes mestres espirituais da história da humanidade: se dependermos do que acontece externamente a nós, estamos mal arranjados. O externo é caótico, muda o tempo todo e, não raro, pode nos jogar para baixo.
Se aceitarmos a transitoriedade das coisas do mundo, podemos tornarmo-nos cada vez mais capazes de alcançar a serena paz e a sutil alegria que estão sempre disponíveis, dentro de nós mesmos, caso foquemos toda nossa atenção no momento presente. Dica quente para ajudar no processo: meditação.
Assim, lutando uma batalha por vez com tranquilidade, disposição e criatividade, passaremos incólumes (ou quase) por este momento de fortes turbulências e saborearemos a inexorável vitória sobre as trevas. A luta fica mais gostosa se for travada com alegria.
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