Por Carol Scorce, na revista CartaCapital:
“Desde a concepção”
O Senado desarquivou no início de fevereiro uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende acrescentar ao documento um dispositivo que classifica o direito à vida como inviolável “desde a concepção”. Com o desarquivamento, a proposta volta a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O texto, de autoria do ex-senador Magno Malta (PR-ES), tem por objetivo alterar o artigo 5º da Constituição. Se aprovado, o artigo passaria a ter a seguinte redação: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
A inclusão do termo “desde a concepção” é alvo em diversos projetos que já passaram pelo Congresso, volta e meia reciclados pelos conservadores. A estratégia é encarada como uma maneira de proibir definitivamente o aborto no país, inclusive, nos casos já previstos no Código Penal, como estupro, risco à vida da mulher, e fetos anencefálicos.
Fim da cota de gênero
Hoje, 30% das candidaturas de cada partido devem ser preenchidas por um dos gêneros. Como historicamente os homens prevalecem nas disputas, a cota é o que garante maior participação das mulheres no processo eleitoral. A regra também estabelece uma reserva mínima do fundo eleitoral (financiamento público de campanha) para essas candidaturas, o que garante que elas irão adiante.
O deputado Ângelo Coronel (PSD-BA) quer acabar com essas reservas. Isso porque, segundo ele mesmo, a obrigatoriedade acabou “criando candidaturas laranjas”, em alusão ao escândalo protagonizado pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Aborto legal
Eduardo Cunha (MDB) não está mais em Brasília, mas a sombra de seus projetos paira sobre a Câmara dos Deputados. O mais polêmico deles, o PL 5069, tem por objetivo dificultar o acesso legal ao aborto previsto na lei, especialmente das vítimas de abuso sexual. O texto adiciona condicionantes ao atendimento da vítima, que terá obrigatoriamente que fazer boletim de ocorrência, algo que muitas evitam por medo, pudor ou temor de sofrer constrangimentos.
O projeto também quer dificultar o acesso à pílula do dia seguinte no SUS. Caberá ao médico decidir se o medicamento é ou não é abortivo. A proposta foi aprovada em todas as comissões e está pronta para votação em plenário, bastando ser pautada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM).
Em 2015 o projeto foi alvo de intensas manifestações contra o então deputado, que culminou no movimento “Mulheres Contra Cunha.”
Estatuto do Nascituro
O projeto, em tramitação na Câmara desde 2007, prevê proteção jurídica à criança ainda não nascida. Mais uma vez, na prática, o projeto restringe as possibilidades de avanço das questões relacionadas ao aborto, uma vez que dá ao feto status de indivíduo. Apesar de manter a possibilidade de aborto no caso de estupro, a proposta estabelece obrigações ao Estado e ao pai (o estuprador, caso seja identificado), em uma tentativa de estimular as mulheres a não abortarem.
O texto diz ainda que “se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia”, criando vínculos entre a mulher e o criminoso que praticou o estupro. O projeto está parado nas comissões e é encarado pela ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, como prioridade da pasta.
Reforma da Previdência
A proposta de Reforma de Previdência, se aprovada, irá retirar direitos e aprofundar a desigualdade entre homens e mulheres. A ideia do governo é elevar a idade mínima da aposentadoria das mulheres para 62 anos, além de estipular 20 anos como tempo mínimo de contribuição, igual para homens e mulheres.
A ideia ignora o fato delas ainda fazerem tripla jornada de trabalho, acumulando o serviço doméstico e de cuidados. A transição para um sistema de capitalização privada, onde o cálculo da aposentadoria é feito com base nos salários recebidos, e não em valores fixos, também afetará especialmente as mulheres, levando em conta que elas ainda recebem os menores salários, em especial as mulheres negras.
Posse de armas
A flexibilização no Estatuto do Desarmamento, que estabelece as regras da posse de armas, já sancionada e que pode avançar ainda mais, segundo o próprio ministro da Justiça, Sérgio Moro, é como um agravante às já altas taxas de feminicídio.
Segundo recente levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 80% das agressões contra mulheres são praticadas por alguém próximo, como marido, namorado, pai, ex-companheiro ou até vizinho. E 40% dos casos aconteceram no interior da própria casa.
Especialistas afirmam que a letalidade dessas agressões aumentará com mais armas dentro de casa. O movimento de mulheres acusa o governo de sobrepor a defesa da propriedade privada – justificativa para a medida – à vida das mulheres.
Enquanto os olhos estão virados para as loucas aventuras de Jair Bolsonaro (atualizadas semana após semana, dia após dia), sem fazer barulho deputados conservadores têm feito avançar suas convicções no Congresso Nacional, engrossando o caldo do que próprio governo chama de “pauta dos costumes”.
Os direitos reprodutivos das mulheres podem entrar no jogo como moeda de troca no processo de votação de reformas impopulares, como o caso da Previdência, e será feito por uma bancada fundamentalista, cuja agenda prioritária é a criminalização irrestrita do aborto.
O poder de barganha é alto. Os homens ocupam a esmagadora maioria dos cargos no Congresso Nacional, 85% das cadeiras, embora as mulheres representem mais da metade de todo o eleitorado brasileiro (52%).
A bancada religiosa, responsável historicamente por liderar as pautas conservadoras, cresce a cada eleição, com avanço notável dos neopentecostais. O fosso entre as necessidades reais delas e a falta de representatividade tem seus efeitos. A lista de projetos que afrontam diretamente a cidadania e a emancipação feminina é longa, mas alguns, em particular, estão prontos para serem servidos à mesa.
Os direitos reprodutivos das mulheres podem entrar no jogo como moeda de troca no processo de votação de reformas impopulares, como o caso da Previdência, e será feito por uma bancada fundamentalista, cuja agenda prioritária é a criminalização irrestrita do aborto.
O poder de barganha é alto. Os homens ocupam a esmagadora maioria dos cargos no Congresso Nacional, 85% das cadeiras, embora as mulheres representem mais da metade de todo o eleitorado brasileiro (52%).
A bancada religiosa, responsável historicamente por liderar as pautas conservadoras, cresce a cada eleição, com avanço notável dos neopentecostais. O fosso entre as necessidades reais delas e a falta de representatividade tem seus efeitos. A lista de projetos que afrontam diretamente a cidadania e a emancipação feminina é longa, mas alguns, em particular, estão prontos para serem servidos à mesa.
“Desde a concepção”
O Senado desarquivou no início de fevereiro uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende acrescentar ao documento um dispositivo que classifica o direito à vida como inviolável “desde a concepção”. Com o desarquivamento, a proposta volta a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O texto, de autoria do ex-senador Magno Malta (PR-ES), tem por objetivo alterar o artigo 5º da Constituição. Se aprovado, o artigo passaria a ter a seguinte redação: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
A inclusão do termo “desde a concepção” é alvo em diversos projetos que já passaram pelo Congresso, volta e meia reciclados pelos conservadores. A estratégia é encarada como uma maneira de proibir definitivamente o aborto no país, inclusive, nos casos já previstos no Código Penal, como estupro, risco à vida da mulher, e fetos anencefálicos.
Fim da cota de gênero
Hoje, 30% das candidaturas de cada partido devem ser preenchidas por um dos gêneros. Como historicamente os homens prevalecem nas disputas, a cota é o que garante maior participação das mulheres no processo eleitoral. A regra também estabelece uma reserva mínima do fundo eleitoral (financiamento público de campanha) para essas candidaturas, o que garante que elas irão adiante.
O deputado Ângelo Coronel (PSD-BA) quer acabar com essas reservas. Isso porque, segundo ele mesmo, a obrigatoriedade acabou “criando candidaturas laranjas”, em alusão ao escândalo protagonizado pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Aborto legal
Eduardo Cunha (MDB) não está mais em Brasília, mas a sombra de seus projetos paira sobre a Câmara dos Deputados. O mais polêmico deles, o PL 5069, tem por objetivo dificultar o acesso legal ao aborto previsto na lei, especialmente das vítimas de abuso sexual. O texto adiciona condicionantes ao atendimento da vítima, que terá obrigatoriamente que fazer boletim de ocorrência, algo que muitas evitam por medo, pudor ou temor de sofrer constrangimentos.
O projeto também quer dificultar o acesso à pílula do dia seguinte no SUS. Caberá ao médico decidir se o medicamento é ou não é abortivo. A proposta foi aprovada em todas as comissões e está pronta para votação em plenário, bastando ser pautada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM).
Em 2015 o projeto foi alvo de intensas manifestações contra o então deputado, que culminou no movimento “Mulheres Contra Cunha.”
Estatuto do Nascituro
O projeto, em tramitação na Câmara desde 2007, prevê proteção jurídica à criança ainda não nascida. Mais uma vez, na prática, o projeto restringe as possibilidades de avanço das questões relacionadas ao aborto, uma vez que dá ao feto status de indivíduo. Apesar de manter a possibilidade de aborto no caso de estupro, a proposta estabelece obrigações ao Estado e ao pai (o estuprador, caso seja identificado), em uma tentativa de estimular as mulheres a não abortarem.
O texto diz ainda que “se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia”, criando vínculos entre a mulher e o criminoso que praticou o estupro. O projeto está parado nas comissões e é encarado pela ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, como prioridade da pasta.
Reforma da Previdência
A proposta de Reforma de Previdência, se aprovada, irá retirar direitos e aprofundar a desigualdade entre homens e mulheres. A ideia do governo é elevar a idade mínima da aposentadoria das mulheres para 62 anos, além de estipular 20 anos como tempo mínimo de contribuição, igual para homens e mulheres.
A ideia ignora o fato delas ainda fazerem tripla jornada de trabalho, acumulando o serviço doméstico e de cuidados. A transição para um sistema de capitalização privada, onde o cálculo da aposentadoria é feito com base nos salários recebidos, e não em valores fixos, também afetará especialmente as mulheres, levando em conta que elas ainda recebem os menores salários, em especial as mulheres negras.
Posse de armas
A flexibilização no Estatuto do Desarmamento, que estabelece as regras da posse de armas, já sancionada e que pode avançar ainda mais, segundo o próprio ministro da Justiça, Sérgio Moro, é como um agravante às já altas taxas de feminicídio.
Segundo recente levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 80% das agressões contra mulheres são praticadas por alguém próximo, como marido, namorado, pai, ex-companheiro ou até vizinho. E 40% dos casos aconteceram no interior da própria casa.
Especialistas afirmam que a letalidade dessas agressões aumentará com mais armas dentro de casa. O movimento de mulheres acusa o governo de sobrepor a defesa da propriedade privada – justificativa para a medida – à vida das mulheres.
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