Por Renata Mielli, no site Mídia Ninja:
Nesta quarta-feira de cinzas, o CEO da Facebook Inc., Mark Zuckerberg, publicou artigo para apresentar suas preocupações com a privacidade e suas iniciativas neste terreno. Sob o título ‘A Privacy-Focused Vision for Social Networking‘ (Uma visão focada em privacidade para redes sociais) Zuckerberg mostra, mais uma vez, uma visão superficial e bem inadequada de privacidade.
Desde o escândalo Cambridge Analytica, o Facebook tem sido alvo de uma enxurrada de denúncias e processos em função do vazamento de dados de seus usuários. As cobranças públicas e governamentais sobre mecanismos mais seguros de proteção de dados têm se intensificado. Legislações e diretrizes sobre o tema têm sido aprovadas em muitos países, com destaque para a entrada em vigor do Regulamento Geral para a Proteção de Dados da União Europeia (RGPD) e para a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil.
Mas não é apenas neste campo que o Facebook enfrenta desafios. A empresa tem sido questionada pelo seu caráter monopolista e por adquirir outros serviços e ampliar cada vez mais sua posição dominante de mercado. Debates sobre regulação e mecanismos de desconcentração tem ganhado força, inclusive com recomendações expressas sobre o tema tanto do parlamento norte-americano quanto do europeu.
Portanto, não é de se admirar que Zuckerberg esteja pressionado por todos os lados, inclusive por seus acionistas e pelo board da empresa para tomar medidas que minimizem as fragilidades e reduzam as críticas aos produtos da família Facebook.
Às voltas com encontrar respostas para as pressões externas, o CEO do Facebook tem dado declarações, anunciou a criação de um conselho de especialistas e agora publicou este artigo tentando mostrar ao mundo o quão preocupada sua companhia está com o tema da privacidade.
No entanto, ao tratar do assunto, Zuckerberg se limita à uma visão bem restrita e inadequada de privacidade, que ele explica através de uma analogia com a sala de visitas de nossas casas. Ele afirma que a missão do Facebook é conectar as pessoas, e que ele funciona como uma praça pública. No entanto, afirma, aumenta o interesse das pessoas por se conectarem de forma privada, num espaço digital equivalente à uma sala de estar.
A partir desta divisão entre praça pública e sala de estar, Zuckerberg sustenta toda a sua análise para identificar os problemas e apontar soluções. Mas, como a conceituação esquemática de Zuckerberg é restrita e inadequada, toda a sua análise dos problemas está desfocada e as medidas propostas, consequentemente, ineficientes e superficiais. Mas, como na era da pós-verdade vale mais a narrativa do que o fato, todo o conjunto de argumentos serve ao propósito de fazer as pessoas acreditarem que Zuckerberg está empenhado em proteger a nossa privacidade.
Privacidade não é só na sala de estar, é também nas praças e ruas
Para Zuckerberg, a questão da privacidade está concentrada principalmente nos serviços de mensagem, na necessidade de o usuário ter a confiança de que a sua mensagem não será interceptada e utilizada de forma indevida contra si mesmo. Por isso, em seu ensaio, concentra as análises e as medidas para ampliar a privacidade no Whatsapp, Messenger e Direct do Instagram.
Sem dúvida nenhuma que essa é uma dimensão fundamental do problema, mas está muito longe de ser a única, e arriscaria dizer: de ser a principal.
Numa sociedade hiperconectada, onde cada ação — digital ou física (cada click, reação, comentário, busca, interação, cada upload ou download de filme, música, podcast, cada compra com cartão de crédito, cada ida à uma loja física com reconhecimento facial, cada viagem de ônibus ou metrô, cada consulta médica, cada entrada na academia) — gera uma informação, a proteção à privacidade está muito além de ficar restrita à sala de estar. Aliás, diga-se de passagem, já hoje muitas pessoas não possuem sequer esta privacidade se possuirem dispositivos conectados como televisores, câmeras de seguranças, celulares em suas salas, quartos, cozinhas, banheiros …
Portanto, restringir o debate da privacidade às medidas de segurança em espaços privados (online ou offline) é inadequado e nos distancia do problema que precisa ser enfrentado: como o monitoramento em massa das nossas atividades públicas afeta a privacidade. Como o fluxo das nossas informações e dos nossos dados afeta a nossa vida, a nossa personalidade. Como esse fluxo, inclusive, nos molda e muda, não apenas como indivíduos, como como sociedade. Essas implicações nem sequer aparecem no rol de preocupações apontados por Zuckerberg.
Essa é a questão que precisa ser debatida e que o CEO do Facebook praticamente ignora, provavelmente de forma proposital. Afinal, todo o modelo de negócios do Facebook está baseado no monitoramento das ações de seus usuários para monetizar a plataforma através da venda de anúncios direcionados.
Desta forma, ao focar o debate sobre privacidade nos serviços de comunicação ponta a ponta ou com poucos amigos, ele tenta reposicionar a discussão e tirar as atenções do Facebook.
Nesta quarta-feira de cinzas, o CEO da Facebook Inc., Mark Zuckerberg, publicou artigo para apresentar suas preocupações com a privacidade e suas iniciativas neste terreno. Sob o título ‘A Privacy-Focused Vision for Social Networking‘ (Uma visão focada em privacidade para redes sociais) Zuckerberg mostra, mais uma vez, uma visão superficial e bem inadequada de privacidade.
Desde o escândalo Cambridge Analytica, o Facebook tem sido alvo de uma enxurrada de denúncias e processos em função do vazamento de dados de seus usuários. As cobranças públicas e governamentais sobre mecanismos mais seguros de proteção de dados têm se intensificado. Legislações e diretrizes sobre o tema têm sido aprovadas em muitos países, com destaque para a entrada em vigor do Regulamento Geral para a Proteção de Dados da União Europeia (RGPD) e para a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil.
Mas não é apenas neste campo que o Facebook enfrenta desafios. A empresa tem sido questionada pelo seu caráter monopolista e por adquirir outros serviços e ampliar cada vez mais sua posição dominante de mercado. Debates sobre regulação e mecanismos de desconcentração tem ganhado força, inclusive com recomendações expressas sobre o tema tanto do parlamento norte-americano quanto do europeu.
Portanto, não é de se admirar que Zuckerberg esteja pressionado por todos os lados, inclusive por seus acionistas e pelo board da empresa para tomar medidas que minimizem as fragilidades e reduzam as críticas aos produtos da família Facebook.
Às voltas com encontrar respostas para as pressões externas, o CEO do Facebook tem dado declarações, anunciou a criação de um conselho de especialistas e agora publicou este artigo tentando mostrar ao mundo o quão preocupada sua companhia está com o tema da privacidade.
No entanto, ao tratar do assunto, Zuckerberg se limita à uma visão bem restrita e inadequada de privacidade, que ele explica através de uma analogia com a sala de visitas de nossas casas. Ele afirma que a missão do Facebook é conectar as pessoas, e que ele funciona como uma praça pública. No entanto, afirma, aumenta o interesse das pessoas por se conectarem de forma privada, num espaço digital equivalente à uma sala de estar.
A partir desta divisão entre praça pública e sala de estar, Zuckerberg sustenta toda a sua análise para identificar os problemas e apontar soluções. Mas, como a conceituação esquemática de Zuckerberg é restrita e inadequada, toda a sua análise dos problemas está desfocada e as medidas propostas, consequentemente, ineficientes e superficiais. Mas, como na era da pós-verdade vale mais a narrativa do que o fato, todo o conjunto de argumentos serve ao propósito de fazer as pessoas acreditarem que Zuckerberg está empenhado em proteger a nossa privacidade.
Privacidade não é só na sala de estar, é também nas praças e ruas
Para Zuckerberg, a questão da privacidade está concentrada principalmente nos serviços de mensagem, na necessidade de o usuário ter a confiança de que a sua mensagem não será interceptada e utilizada de forma indevida contra si mesmo. Por isso, em seu ensaio, concentra as análises e as medidas para ampliar a privacidade no Whatsapp, Messenger e Direct do Instagram.
Sem dúvida nenhuma que essa é uma dimensão fundamental do problema, mas está muito longe de ser a única, e arriscaria dizer: de ser a principal.
Numa sociedade hiperconectada, onde cada ação — digital ou física (cada click, reação, comentário, busca, interação, cada upload ou download de filme, música, podcast, cada compra com cartão de crédito, cada ida à uma loja física com reconhecimento facial, cada viagem de ônibus ou metrô, cada consulta médica, cada entrada na academia) — gera uma informação, a proteção à privacidade está muito além de ficar restrita à sala de estar. Aliás, diga-se de passagem, já hoje muitas pessoas não possuem sequer esta privacidade se possuirem dispositivos conectados como televisores, câmeras de seguranças, celulares em suas salas, quartos, cozinhas, banheiros …
Portanto, restringir o debate da privacidade às medidas de segurança em espaços privados (online ou offline) é inadequado e nos distancia do problema que precisa ser enfrentado: como o monitoramento em massa das nossas atividades públicas afeta a privacidade. Como o fluxo das nossas informações e dos nossos dados afeta a nossa vida, a nossa personalidade. Como esse fluxo, inclusive, nos molda e muda, não apenas como indivíduos, como como sociedade. Essas implicações nem sequer aparecem no rol de preocupações apontados por Zuckerberg.
Essa é a questão que precisa ser debatida e que o CEO do Facebook praticamente ignora, provavelmente de forma proposital. Afinal, todo o modelo de negócios do Facebook está baseado no monitoramento das ações de seus usuários para monetizar a plataforma através da venda de anúncios direcionados.
Desta forma, ao focar o debate sobre privacidade nos serviços de comunicação ponta a ponta ou com poucos amigos, ele tenta reposicionar a discussão e tirar as atenções do Facebook.
O que vem por ai
Zuckerberg diz estar convencido de que o futuro das comunicações pela internet vai crescentemente se deslocar para as comunicações privadas, “serviços criptografados onde as pessoas poderão estar confiantes de que o que elas dizem umas para as outras permanecerá seguro e que suas mensagens e conteúdos não vão ficar para sempre. Este é o futuro que eu espero que nós possamos ajudar a construir”, disse.
Para isso, ele planeja desenvolver o WhatsApp, o mantendo como uma ferramenta privada de mensagens seguras e “construir mais caminhos para que as pessoas possam interagir nela, incluindo chamadas, chats em vídeo, grupos, stories, negócios, pagamentos, comércio e em última análise uma plataforma para muitos outros serviços privados”.
Ao que tudo indica, sem afirmar em nenhum momento que o Facebook como plataforma aberta está perdendo relevância, Zuckerberg aponta que já estuda a construção de uma nova plataforma de serviços, que integrará as anteriores, mas com foco na privacidade.
Sua visão megalômana de um mundo centrado pelas suas plataformas persiste e se aprofunda, uma vez que a solução para os problemas de privacidade serão dados pelos serviços oferecidos pela sua empresa, numa integração que aprofunda o seu caráter monopolista. Todos em um e um em todos será a possibilidade de escolha dos usuários. “Nós queremos dar às pessoas mais chances de usar seus serviços preferidos para de forma segura alcançar quem elas querem”, afirmou.
Segundo aponta, os princípios que guiarão a sua nova plataforma focada na privacidade serão: interações privadas, criptografia, permanência reduzida para os conteúdos, segurança, interoperabilidade (vista aqui apenas entre os serviços da família Facebook), armazenamento seguro de dados.
Alguns deles podem trazer benefícios para a privacidade, sem dúvida, no entanto, a questão que permanece aberta é: como essa plataforma será monetizada? A questão da publicidade e do seu direcionamento permanece sem resposta.
E mais: se no Facebook - considerado por Zuckerberg como a “praça da cidade”, numa analogia bem infeliz uma vez que a rede social não é aberta nem pública, muito pelo contrário - já não há transparência e mecanismos de controle de seus usuários e da sociedade sobre o funcionamento de seus algoritmos, qual será a possibilidade de haver mais e não menos transparência sobre essa nova plataforma?
Sem dúvida que a tema da privacidade e proteção de dados pessoais é um dos mais relevantes da atualidade, no entanto, essa é uma discussão que cabe à sociedade. Por mais que Zuckerberg afirme estar aberto para discutir o tema com especialistas de todas as áreas, em nenhuma hipótese, esse debate e muito menos as propostas dele decorrente devem ser “terceirizadas” para um dos maiores monopólios da atualidade. É urgente que a sociedade e os estados assumam a dianteira dessa discussão.
Zuckerberg diz estar convencido de que o futuro das comunicações pela internet vai crescentemente se deslocar para as comunicações privadas, “serviços criptografados onde as pessoas poderão estar confiantes de que o que elas dizem umas para as outras permanecerá seguro e que suas mensagens e conteúdos não vão ficar para sempre. Este é o futuro que eu espero que nós possamos ajudar a construir”, disse.
Para isso, ele planeja desenvolver o WhatsApp, o mantendo como uma ferramenta privada de mensagens seguras e “construir mais caminhos para que as pessoas possam interagir nela, incluindo chamadas, chats em vídeo, grupos, stories, negócios, pagamentos, comércio e em última análise uma plataforma para muitos outros serviços privados”.
Ao que tudo indica, sem afirmar em nenhum momento que o Facebook como plataforma aberta está perdendo relevância, Zuckerberg aponta que já estuda a construção de uma nova plataforma de serviços, que integrará as anteriores, mas com foco na privacidade.
Sua visão megalômana de um mundo centrado pelas suas plataformas persiste e se aprofunda, uma vez que a solução para os problemas de privacidade serão dados pelos serviços oferecidos pela sua empresa, numa integração que aprofunda o seu caráter monopolista. Todos em um e um em todos será a possibilidade de escolha dos usuários. “Nós queremos dar às pessoas mais chances de usar seus serviços preferidos para de forma segura alcançar quem elas querem”, afirmou.
Segundo aponta, os princípios que guiarão a sua nova plataforma focada na privacidade serão: interações privadas, criptografia, permanência reduzida para os conteúdos, segurança, interoperabilidade (vista aqui apenas entre os serviços da família Facebook), armazenamento seguro de dados.
Alguns deles podem trazer benefícios para a privacidade, sem dúvida, no entanto, a questão que permanece aberta é: como essa plataforma será monetizada? A questão da publicidade e do seu direcionamento permanece sem resposta.
E mais: se no Facebook - considerado por Zuckerberg como a “praça da cidade”, numa analogia bem infeliz uma vez que a rede social não é aberta nem pública, muito pelo contrário - já não há transparência e mecanismos de controle de seus usuários e da sociedade sobre o funcionamento de seus algoritmos, qual será a possibilidade de haver mais e não menos transparência sobre essa nova plataforma?
Sem dúvida que a tema da privacidade e proteção de dados pessoais é um dos mais relevantes da atualidade, no entanto, essa é uma discussão que cabe à sociedade. Por mais que Zuckerberg afirme estar aberto para discutir o tema com especialistas de todas as áreas, em nenhuma hipótese, esse debate e muito menos as propostas dele decorrente devem ser “terceirizadas” para um dos maiores monopólios da atualidade. É urgente que a sociedade e os estados assumam a dianteira dessa discussão.
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