quarta-feira, 10 de abril de 2019

TV Globo impõe o silenciamento de Lula

Por Ângela Carrato e Eliara Santana, no blog Viomundo:

“Não adianta tentar acabar com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não tem como prendê-las. Não adianta parar o meu sonho, porque quando eu parar de sonhar, eu sonharei pela cabeça de vocês e pelos sonhos de vocês.Não adianta achar que tudo vai parar o dia que o Lula tiver um infarto, é bobagem, porque o meu coração baterá pelos corações de vocês, e são milhões de corações”.

Sete de abril de 2018, do caminhão de som na frente do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP), última vez em que se ouvia a voz de Luiz Inácio, calado pelos desmandos e abusos da Lava Jato.

Naquele dia, Lula era finalmente detido, preso. E a partir da prisão, o que se viu foi uma verdadeira operação de silenciamento colocada em ação pela mídia corporativa.

Era preciso calar a voz, que se transformava em ideia, e perigosamente configurava-se como lugar de desarticulação e subversão política. Era preciso, para garantir a ordem, que Lula fosse sentenciado ao silenciamento.

Mas como a voz não é apenas a forma sonora - ela é discurso, ela é ideia -, aquela voz aprisionada em Curitiba se consolida como ideia e se espalha…

Sete de abril de 2019, neste domingo, um ano depois, manifestações, atos públicos e festivais Lula Livre nas principais cidades brasileiras e em 36 países do mundo, realizados a partir da última sexta-feira (5).

Eles mostram que a ideia Lula está mais viva que nunca, apesar de o dono da voz e inspirador da ideia estar trancafiado, mesmo sem provas e após julgamento marcado por flagrantes ilegalidades, na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

Além das manifestações, o retorno das Caravanas de Lula pelo Brasil, agora comandadas por Fernando Haddad e Manuela D´Ávila, fazem parte das novas ações em defesa da libertação do ex-presidente.

Mesmo com toda essa movimentação, o telespectador do Jornal Nacional, principal informativo da Rede Globo de Televisão, não sabe muito sobre isso.

Aliás, o telespectador do JN não sabe praticamente nada sobre as injustiças cometidas contra Lula e muito menos sobre o crescente apoio no Brasil e no exterior à sua libertação imediata.

Dessa forma, dando sequência à pesquisa que realizamos sobre o Jornal Nacional (ver, ao final, os Atos já publicados pelo Viomundo) desde janeiro de 2018, foi possível constatar que, após um ano, ainda vigora plenamente a outra “pena” a que Lula foi condenado — desta vez pelo principal informativo da emissora da família Marinho - o silenciamento.

O objetivo é apagar da memória nacional a presença do melhor e mais querido presidente que o Brasil já teve, deixando-o na prisão e afastando de uma vez por todas a possibilidade de emergência de um governo popular.

Pôr em silêncio

O silenciamento é uma técnica utilizada pela mídia para omitir um fato ou assunto que teria relevância para a opinião pública.

Seu estudo tem origem na corrente francesa da Análise do Discurso (AD), teoria que busca identificar e entender um dos aspectos mais difíceis de qualquer enunciação discursiva, aí incluídos os textos divulgados ou excluídos pela mídia.

A professora e pesquisadora Eli Puccinelli Orlandi é a principal referência brasileira nesses estudos. Em 1993, venceu o prêmio Jabuti em Ciências Humanas, com o livro As Formas do Silêncio.

Segundo ela, “o significado de silenciamento não é o silêncio, mas ‘o pôr em silêncio’.

Esse movimento, essa ação, mostra o funcionamento do interdiscurso, lugar dos modos de construção da produção de sentidos, pré-requisito indispensável para pensarmos os processos discursivos e a materialidade da linguagem na construção de uma realidade”.

Há um ano o JN não divulga praticamente nada sobre Lula, sejam os questionamentos que surgem entre integrantes da própria Justiça à pena que lhe foi imposta, as visitas ilustres que recebe, os permanentes constrangimentos impostos à sua família ou o carinho que os brasileiros e estrangeiros lhe dedicam.

O silenciamento de Lula, por parte do JN, teve início no mesmo dia de sua prisão, a partir da metáfora do “desparecimento” no céu escuro do pequeno e obsoleto avião Cessna Caravan da Polícia Federal, que o conduziu a Curitiba (ver ato 1, publicado pelo Viomundo) e prossegue até hoje.

Nenhum dos inúmeros recursos ou pedidos de habeas corpus impetrados por sua defesa e apoiados por alguns dos mais destacados juristas brasileiros e estrangeiros foram notícia no JN.

Igualmente não foi notícia no JN que 400 juristas lançaram, em 26 de março desse ano, manifesto dirigido aos integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que pedem a libertação imediata de Lula.

Aliás, o JN notabilizou-se por divulgar apenas a decisão da Justiça de manter a prisão de Lula, mesmo que os motivos alegados pelo então juiz Sérgio Moro, à frente da Operação Lava Jato, e confirmados por instâncias superiores, não se sustentem e impliquem abuso de autoridade e flagrante ilegalidade.

Basta lembrar as denúncias feitas, há quatro semanas, por um ex-funcionário do empresário Leo Pinheiro, dono da construtora OAS, o principal delator de Lula, de que ele pagou aos executivos de sua empresa para ajustar as delações aos interesses dele, após ter negociado delação premiada contra Lula no âmbito da Operação Lava Jato.

Some-se a isso que não há qualquer prova de que Lula seja dono oculto do apartamento triplex no Guarujá, da construtora OAS, e de que tenha feito uma reforma milionária no dito apartamento.

Contrariando determinação de Moro, que vedou acesso ao local até aos advogados de Lula, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo conseguiram entrar no apartamento em 28 de abril de 2018 e lá permanecer por três horas.

Através de vídeo, que não foi contestado por nenhum integrante da Lava Jato, mostraram que nunca houve qualquer reforma no local. Ficava, assim, desmontada a farsa das fotos e maquetes divulgadas pela mídia brasileira. Nada disso foi notícia no JN.

Fora da pauta

Outro assunto igualmente fundamental para que os telespectadores do JN entendessem a perseguição contra Lula foi a retirada de pauta, sem qualquer justificativa, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Tóffoli, na semana passada, da análise da constitucionalidade de prisões antes de esgotados todos os recursos previstos pela Constituição Brasileira.

O julgamento estava marcado para a próxima quarta-feira (10) e não tem nova data para acontecer.

Tudo indica que o resultado desse julgamento seria pela inconstitucionalidade dessas prisões, impondo uma grande derrota à Operação Lava Jato e abrindo caminho para que a defesa do ex-presidente Lula entrasse com recurso para ele aguardar o julgamento final de seu processo em liberdade.

Como o JN não divulgou nada, seus telespectadores continuam acreditando que Lula foi sentenciado a 12 anos e 11 meses de prisão por “corrupção passiva e lavagem de dinheiro”, quando ele, na realidade, é um preso político.

Por outro lado, o JN tem procurado de todas as maneiras enobrecer e exaltar o papel desempenhado pela Operação Lava Jato e por seu ex-dirigente, Sérgio Moro, agora ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro.

Se no caso de Lula, o silenciamento a ele imposto pelo JN funciona contra, no caso da Operação Lava Jato tem objetivo oposto: busca esconder os problemas e as ilegalidades nas quais se meteram Moro e seus homens em Curitiba.

Basta verificar que o JN não divulgou nada sobre as denúncias comprovadas sobre o funcionamento do esquema milionário envolvendo a obtenção de delações premiadas, como já foi mostrado.

O telejornal também fingiu que não viu as gravíssimas denúncias de que a Lava Jato criou uma fundação cujo objetivo era gerir parte dos recursos desviados da Petrobras pela corrupção, que se encontram no exterior e que, por direito, pertencem ao governo brasileiro.

Dito de outra forma, o JN deixou de mostrar para o seu respeitável público, que a Operação Lava Jato está tentando se constituir em uma espécie de quarto poder no Brasil ou em um poder paralelo dentro do Estado brasileiro.

Lula, principal preso político no mundo

Para o consagrado filósofo e linguista estadunidense, Noam Chomsky, Lula é o hoje “o principal preso político no mundo”.

Chomsky esteve no Brasil em setembro de 2018, defendendo o direito de Lula ser candidato à presidência da República e denunciando que a democracia no Brasil tinha problemas.

Nada disso foi mostrado pelo JN que, ao contrário, procurou de todas as maneiras reforçar a visão de que Lula é um corrupto e que não poderia participar da disputa eleitoral.

Mesmo liderando as pesquisas de intenção de voto, com percentuais entre 37 e 40%, o ex-presidente foi impedido de disputar, abrindo-se o caminho para a vitória do extremista de direita, Jair Bolsonaro, com as consequências sabidas.

Ainda segundo Chomsky, o Brasil, com Lula, tornou-se o país mais respeitado do mundo e contribuiu para mudar o próprio eixo de poder no planeta.

Vale dizer: Estados Unidos, Inglaterra, Israel e mais um reduzidíssimo grupo de países não conseguiriam continuar sozinhos dando as cartas no xadrez mundial. Razão pela qual os “donos do mundo”, na visão de Chomsky, nunca lhe perdoaram.

Por ser um dos autores que mais conhecem e têm escrito sobre esse poder mundial, Chomsky sabe do que está falando.

Até porque, cada dia mais, o establisment dos Estados Unidos, a começar por suas agências de espionagem CIA e NSA, que estiveram por trás de inúmeros golpes de estado na América Latina, parecem estar por trás também da condenação, sem provas, de Lula.

Não por acaso Lula é hoje o nome mais cotado para receber o Prêmio Nobel da Paz de 2019, por sua atuação contra a fome no mundo, com os melhores resultados já obtidos até então: a retirada de 30 milhões de brasileiros da extrema pobreza, através do Programa Bolsa Família.

A formalização da candidatura de Lula e os milhares de apoios que recebeu em todo o mundo não foram sequer mencionados pelo JN. Já a imprensa internacional dedicou páginas e mais páginas ao assunto.

Da mesma forma, o JN não divulgou, até o momento, nada sobre o pedido feito no início do ano passado, pelos advogados do ex-presidente Lula, respaldado por centenas de entidades brasileiras, para que a Comissão de Direitos Humanos da ONU se pronuncie sobre a legalidade da prisão de Lula.

O comitê da ONU deve julgar o assunto ainda esse mês e, pelo que se sabe, deve condenar a Justiça brasileira.

A condenação não tem efeito concreto. Mas, se formalizada, constituirá mais uma grande mácula na imagem já bastante comprometida do Brasil junto à comunidade internacional.

O mundo sabe que Dilma Rousseff foi vítima de golpe em 2016. Sabe da injusta prisão de Lula e está horrorizado com os deprimentes espetáculos proporcionados por Bolsonaro em suas viagens ao exterior.

Por Lula ser preso político, a carceragem da Polícia Federal em Curitiba transformou-se em uma espécie de meca para todos os que combatem injustiças e exigem a sua liberdade imediata.

Nesse um ano, Lula foi visitado por centenas de pessoas entre intelectuais, artistas, políticos, juristas, jornalistas, desportistas, lideranças sindicais e religiosas, sem contar celebridades que, em passagem pelo Brasil, como o ex-Pink Floyd, Roger Water, queriam se encontrar com ele e a Justiça não permitiu.

Lula também está proibido de dar entrevistas.

Quando o silêncio grita

Independente de antipatias ou de simpatias, as visitas a um ex-presidente da República que se encontra preso seriam notícia em qualquer veículo de comunicação.

Mas não foram no JN que, há um ano, igualmente sonega de seus telespectadores toda a intensa mobilização envolvendo a Vigília Lula Livre em Curitiba.

Por sua continuidade e intensidade, essa vigília, que reúne centenas de pessoas, em sistema de mutirão e de rodízio, em um terreno alugado próximo de onde Lula está preso, é comparada ao movimento argentino das Mães da Praça de Maio, que, há décadas, denuncia os abusos cometidos pela ditadura naquele país.

Se essas são situações que justificam o termo “brutalidade” para classificar o que tem sofrido o ex-presidente Lula, nada se comparava ao comportamento da Justiça brasileira nos episódios da morte de seu irmão mais velho, Genival Inácio, e, um mês depois, de seu neto, Artur, de apenas seis anos.

É direito de qualquer preso acompanhar o velório e funeral de familiares, mas a justiça brasileira tentou de todas as formas impedir que Lula fosse a essas cerimônias.

O bate cabeça entre a turma da Lava Jato e as demais instâncias da Justiça foi tamanho que quando finalmente veio a ordem para que pudesse comparecer ao enterro do irmão, não havia mais tempo hábil.

O JN abordou a situação como fato trivial, merecedor de simples registro. Algo como um rodapé de página na edição do dia 29 de janeiro, enquanto a imprensa internacional mostrava-se escandalizada.

Pior ainda foi o que aconteceu quando da morte do neto de Lula.

Novamente teve lugar o bate cabeça entre a Lava Jato e as demais instâncias da Justiça. Como seria outro escândalo mundial impedir a presença de Lula ao velório e enterro do neto, a solução encontrada foi liberá-lo mediante o acompanhamento de um fortíssimo esquema policial e sob a determinação que não poderia fazer qualquer pronunciamento, podendo dirigir a palavra somente aos seus familiares.

Um triplo silenciamento foi imposto à Lula, desta vez pela justiça, ao qual se somam o de uma condenação sem provas e o de não ser notícia.

Lula cumpriu à risca o que lhe foi determinado, mas o simples gesto de abanar a mão para a multidão que se aglomerava na entrada do cemitério em São Bernardo do Campo para vê-lo e consolá-lo transformou-se em das cenas mais carregadas de sentido que se tem notícia.

À luz dos estudos sobre silenciamento, tratou-se de um silêncio pleno de sentido. De um silêncio que gritava.

Outra vez, o JN deu cobertura protocolar ao fato e rapidamente cobriu com o manto do silêncio os estranhíssimos episódios que levaram à morte do pequeno Artur: o colunista Ancelmo Góes, do jornal O Globo, ficou sabendo da morte antes mesmos dos pais e familiares da criança e a causa morte divulgada estava errada.

Em qualquer veículo sério de mídia, isso valeria reportagem, mas, claro, nada foi feito pelo JN e nem pelos demais integrantes da chamada grande mídia brasileira.

Nesses e nos demais episódios envolvendo a prisão do ex-presidente Lula o resto da mídia brasileira segue, com pequenas variações no script, a postura do JN.

O presidente Bolsonaro já disse, com todas as letras, que quer que Lula e os “vermelhos” apodreçam na cadeia.

O STF, que poderia conter os ímpetos de um presidente e de um Judiciário que, sistematicamente, têm ultrapassado a fronteira do estado de direito, mostra-se acovardado. Os vínculos da Operação Lava aos interesses estadunidense tornam-se cada dia mais explícitos.

Daí a pergunta: há chances efetivas de Lula ter sua inocência reconhecida e deixar a prisão?

A resposta é sim. A capacidade dos poderosos de imporem seus interesses sobre a sociedade não é absoluta e menos ainda permanente. A história está cheia de exemplos, a começar por Mandela, o grande líder sul-africano.

Lula sabe disso e, ao contrário de seus algozes, não entra em depressão e nem aceita soluções que não contemplem a verdade. Ao ser visitado pelo jornalista e amigo Juca Kfouri, nessa semana, mandou o seguinte recado: “Prefiro ser um preso digno do que um rato solto”.

É a dignidade de Lula, que não tem como ser silenciada, que faz tremer os poderosos de plantão.

* Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

* Eliara Santana é jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.


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