Por Victor Ohana, na revista CartaCapital:
Brasil fadado à função rasteira?
Essa leitura é compartilhada pelo doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Leonardo Ramos. O pesquisador aponta que um dos setores prejudicados no Brasil deve ser o automotivo. Com a bruta redução de tarifas sobre a entrada de carros europeus, a expectativa é de que as condições desiguais de concorrência golpeiem não somente a indústria automotiva brasileira, mas também toda a cadeia produtiva ligada a este setor no país.
O especialista também aponta que a indústria naval pode ser atingida. Até hoje, segundo o professor, a logística de mercadorias em determinadas regiões é realizada prioritariamente por navios originários do Mercosul. Com o acordo, este serviço também pode ser oferecido por navios da União Europeia. Ramos considera que, além da eliminação das taxações, o frete do transporte europeu é mais barato, devido a uma série de investimentos a este setor. Isto tornaria a nossa indústria muito menos competitiva.
O pesquisador adiciona a esta lista os critérios flexíveis com relação a origem de insumos que venham de terceiros países, como os da Ásia, nos setores têxtil, químico e siderúrgico, por exemplo. Em termos práticos, a União Europeia importaria um insumo da China, faria algum processo simples para terminar o produto e o exportaria para os países do Mercosul sem nenhuma tarifa. Então, um produto chinês chegaria ao Mercosul sem tarifas, só por passar por um processo mínimo na Europa. Nesses termos, empresas brasileiras destes campos de atuação podem ser alvejadas.
Ramos também rebate a celebração do governo em torno do ganho de mercado pelos exportadores brasileiros. O que ele percebe é que, a princípio, poderemos exportar mais, no entanto, não se trata de uma inserção de qualidade nas cadeias globais de valor. Em suma, o Brasil descarta qualquer possibilidade de atuação internacional, e se enraíza em seu papel mais rasteiro, o de fornecimento de bens primários.
“A demora de 20 anos foi influenciada por essa preocupação. Negociar era interessante, em um primeiro momento, mas a grande questão era os critérios disso. O que foi aceito agora é uma excrescência para o setor industrial. Para qualquer governo minimamente progressista, com algum interesse desenvolvimentista, esse acordo, nestes termos, não faz o menor sentido”, critica. “A gente ainda tentava formas alternativas de inserção internacional, mesmo sem êxito. E com a UE, ainda não havíamos assumido este papel”.
Por fim, um ponto que serve de propaganda para o pacto está ligado às prerrogativas ambientais. Com o desmonte do Ministério do Meio Ambiente, a insana liberação de agrotóxicos e o avanço do desmatamento na Amazônia, obras do governo de Jair Bolsonaro, há alguma expectativa otimista em que este acordo obrigue o país a entrar nos eixos, já que os países europeus estabelecem exigências neste quesito. Contudo, diante do revés econômico, Ramos minimiza a importância deste item. O especialista enxerga, ao menos, a possibilidade de que este critério impeça a ratificação de um acordo nefasto ao Brasil.
“Talvez [a questão ambiental] seja a única coisa positiva nesse sentido. Concordo que este governo é uma atrocidade ao meio ambiente e que algo deve ser feito. Mas o impacto econômico para o Brasil e para a Argentina é tão deletério, que a questão ambiental acaba sendo residual. Inclusive, dependendo das negociações, este pode ser um critério importante que dificulte a ratificação deste acordo com a União Europeia”, analisa.
Foi manchete geral. Após 20 anos de negociações, União Europeia e Mercosul anunciaram um acordo comercial em Bruxelas, em 28 de junho. Um momento histórico. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi ao Twitter comemorar: “Esse será um dos acordos mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia”. Entretanto, o pacto entre dois blocos tão desiguais deixa dúvidas, muitas dúvidas, a especialistas sobre quem realmente pode sair ganhando.
Para o Ministério das Relações Exteriores, a perspectiva é otimista. O governo estima um incremento no PIB entre 87,5 e 125 bilhões de dólares. Isso porque tarifas sobre produtos agrícolas brasileiros, como suco de laranja, frutas e café solúvel, serão eliminadas. Produtos industriais também terão barreiras tarifárias destituídas. Exportadores brasileiros, portanto, têm expectativas de ganhar mercado na Europa, já que seus produtos estarão mais baratos.
Os itens europeus também terão redução de preço, diz o Ministério, já que as taxas para a importação serão levadas a zero. A instituição celebra que o acordo vai garantir acesso, por exemplo, a insumos tecnológicos por preços menores. Em resumo, a parceria cobre temas tarifários e regulatórios, como serviços, compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual. O acordo reunirá os 27 países da União Europeia e os quatro do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). O governo diz que haverá aumento de investimentos no Brasil na ordem de 113 bilhões de dólares.
As conversas começaram quando o tucano Fernando Henrique Cardoso era presidente, estagnaram quando entraram as gestões petistas e foram retomadas no governo de Michel Temer. O avanço galopante das negociações nos tempos recentes não é um mérito do atual governo: é, na verdade, mais um passo de uma estratégia econômica que põe o Brasil de joelhos à cadeia internacional.
O contexto é desfavorável
À primeira vista, pesquisadores consideram que o momento político para a aprovação do acordo é desfavorável para o Mercosul, principalmente se postas em foco as situações na Argentina e no Brasil.
A começar pelo país vizinho, que sofre uma grave crise econômica após ajustes fiscais do presidente Maurício Macri. Segundo dados divulgados em março pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), a pobreza no país já atinge 32% da população urbana. Em junho, a Universidade Católica Argentina divulgou que a pobreza entre menores de idade chegou à cifra mais alta da década no ano passado: 51,7%. Em 2019, Macri tenta sua reeleição na corrida presidencial. Para quem precisa fazer campanha ao sabor eleitoreiro, medidas apressadas que ofereçam esperanças econômicas são muito bem-vindas.
O contexto no Brasil também não é dos mais seguros para um acordo deste porte. Estamos cercados por altos índices de desemprego e por expectativas cada vez mais pessimistas para a economia – pela 18ª vez, o mercado reduziu, esta semana, a previsão de crescimento do PIB para este ano. Além disso, a equipe econômica também não parece experiente, nem mesmo para articular seus próprios projetos dentro de casa, tendo em vista o isolamento do Palácio do Planalto diante da reforma da Previdência.
Vale lembrar que, na batuta das Relações Exteriores, temos um controverso ministro, Ernesto Araújo, que falsifica a história internacional ao dizer que nazismo e fascismo eram de esquerda. Sob Araújo e Bolsonaro, o Brasil estreita seus laços com o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, na espera de que a submissão aos americanos se converta em benesses. É este o governo que considera o acordo com a União Europeia uma certeza de sucesso.
Do lado de lá, os países europeus enxergam um bom momento para negociar conosco, já que os principais países do Mercosul se encontram fragilizados e, ao mesmo tempo, convergentes em suas orientações neoliberais. Para a doutora em Economia e pesquisadora na Universidade de Berlim, Cristina Fróes de Borja Reis, o contexto não parece auspicioso para os países sulamericanos. O peso dos dois blocos é muito distinto, com desiguais condições competitivas para suas empresas e Estados, o que sugere que a UE tenha mais a ganhar que o Mercosul, em termos econômicos e políticos.
“As informações ainda são superficiais, mas, sem sombra de dúvidas, é espantosa a circunstância em se que firma um acordo que estava há 20 anos em negociação. O tratado se faz em um momento bastante sensível para ambas as partes, de profunda crise no Brasil e na Argentina, e de instabilidade geopolítica mundial, com a ascensão do protecionismo e do nacionalismo, em prejuízo do multilateralismo e da cooperação internacional”, opina. “Atenta sobre o alinhamento de Bolsonaro com Trump, e aproveitando-se do enfraquecimento dos BRICS, a UE se adianta na negociação para obter vantagens ‘do primeiro a se mover’.”
Para o Ministério das Relações Exteriores, a perspectiva é otimista. O governo estima um incremento no PIB entre 87,5 e 125 bilhões de dólares. Isso porque tarifas sobre produtos agrícolas brasileiros, como suco de laranja, frutas e café solúvel, serão eliminadas. Produtos industriais também terão barreiras tarifárias destituídas. Exportadores brasileiros, portanto, têm expectativas de ganhar mercado na Europa, já que seus produtos estarão mais baratos.
Os itens europeus também terão redução de preço, diz o Ministério, já que as taxas para a importação serão levadas a zero. A instituição celebra que o acordo vai garantir acesso, por exemplo, a insumos tecnológicos por preços menores. Em resumo, a parceria cobre temas tarifários e regulatórios, como serviços, compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual. O acordo reunirá os 27 países da União Europeia e os quatro do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). O governo diz que haverá aumento de investimentos no Brasil na ordem de 113 bilhões de dólares.
As conversas começaram quando o tucano Fernando Henrique Cardoso era presidente, estagnaram quando entraram as gestões petistas e foram retomadas no governo de Michel Temer. O avanço galopante das negociações nos tempos recentes não é um mérito do atual governo: é, na verdade, mais um passo de uma estratégia econômica que põe o Brasil de joelhos à cadeia internacional.
O contexto é desfavorável
À primeira vista, pesquisadores consideram que o momento político para a aprovação do acordo é desfavorável para o Mercosul, principalmente se postas em foco as situações na Argentina e no Brasil.
A começar pelo país vizinho, que sofre uma grave crise econômica após ajustes fiscais do presidente Maurício Macri. Segundo dados divulgados em março pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), a pobreza no país já atinge 32% da população urbana. Em junho, a Universidade Católica Argentina divulgou que a pobreza entre menores de idade chegou à cifra mais alta da década no ano passado: 51,7%. Em 2019, Macri tenta sua reeleição na corrida presidencial. Para quem precisa fazer campanha ao sabor eleitoreiro, medidas apressadas que ofereçam esperanças econômicas são muito bem-vindas.
O contexto no Brasil também não é dos mais seguros para um acordo deste porte. Estamos cercados por altos índices de desemprego e por expectativas cada vez mais pessimistas para a economia – pela 18ª vez, o mercado reduziu, esta semana, a previsão de crescimento do PIB para este ano. Além disso, a equipe econômica também não parece experiente, nem mesmo para articular seus próprios projetos dentro de casa, tendo em vista o isolamento do Palácio do Planalto diante da reforma da Previdência.
Vale lembrar que, na batuta das Relações Exteriores, temos um controverso ministro, Ernesto Araújo, que falsifica a história internacional ao dizer que nazismo e fascismo eram de esquerda. Sob Araújo e Bolsonaro, o Brasil estreita seus laços com o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, na espera de que a submissão aos americanos se converta em benesses. É este o governo que considera o acordo com a União Europeia uma certeza de sucesso.
Do lado de lá, os países europeus enxergam um bom momento para negociar conosco, já que os principais países do Mercosul se encontram fragilizados e, ao mesmo tempo, convergentes em suas orientações neoliberais. Para a doutora em Economia e pesquisadora na Universidade de Berlim, Cristina Fróes de Borja Reis, o contexto não parece auspicioso para os países sulamericanos. O peso dos dois blocos é muito distinto, com desiguais condições competitivas para suas empresas e Estados, o que sugere que a UE tenha mais a ganhar que o Mercosul, em termos econômicos e políticos.
“As informações ainda são superficiais, mas, sem sombra de dúvidas, é espantosa a circunstância em se que firma um acordo que estava há 20 anos em negociação. O tratado se faz em um momento bastante sensível para ambas as partes, de profunda crise no Brasil e na Argentina, e de instabilidade geopolítica mundial, com a ascensão do protecionismo e do nacionalismo, em prejuízo do multilateralismo e da cooperação internacional”, opina. “Atenta sobre o alinhamento de Bolsonaro com Trump, e aproveitando-se do enfraquecimento dos BRICS, a UE se adianta na negociação para obter vantagens ‘do primeiro a se mover’.”
Um tiro de misericórdia na indústria?
Após o anúncio em Bruxelas, o passo seguinte é submeter os termos do pacto a votações nos congressos de cada país, dos dois blocos. Por isso, ainda não há informações na íntegra para análises sobre suas consequências objetivas. Mas especialistas concordam que o Mercosul se encontra em uma situação de desvantagem na negociação, já que o peso do bloco é menor e os governos enfrentam crises institucionais.
O temor é de que, do ponto de vista estratégico, o Brasil se consolide na posição de fornecedor de bens primários e desestimule, principalmente, o setor industrial brasileiro, comprometendo o desenvolvimento econômico e a autonomia no decorrer dos anos. Segundo o economista aposentado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professor de Economia Internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), André Nassif, é possível cogitar benefícios imediatos, porém, as dúvidas estão nos impactos a longo prazo.
Nassif chama os benefícios imediatos de “ganhos estáticos” e cita que, entre eles, estaria o aumento da possibilidade de consumo dos dois blocos, já que a entrada de produtos seria facilitada nos países que assinam o acordo. O Brasil pode por exemplo, estender o acesso a produtos mais sofisticados da Europa, a menor preço. Outro ponto possivelmente benéfico, e instantâneo, seria o comércio intraindustrial, ou seja, a ampliação de variedades de produtos de um mesmo setor. Significa que, enquanto o Brasil exporta um modelo automotivo, recebe outros modelos oriundos da Europa. Esta perspectiva é limitada, ele considera, já que as especialidades produtivas e as condições econômicas são díspares entre os dois blocos.
Entretanto, a preocupação do economista está justamente nos impactos a longo prazo, que ele chama de “ganhos dinâmicos”. Com a entrada de bens duráveis e tecnológicos de um mercado forte como o europeu, empresas brasileiras de médio e grande porte que atuam nestes setores podem ser diretamente afetadas. As tentativas de industrialização no país, já combalidas, sofreriam maior desestímulo, em função da concorrência. Abdicar de um projeto de desenvolvimento industrial no país, para ele, provocaria efeitos negativos profundos nas condições de crescimento do Brasil.
“Do ponto de vista dos impactos dinâmicos, o acordo de livre comércio pode ser um tiro de misericórdia na possibilidade de o Brasil reconstruir um parque industrial, já afetado por um processo de desindustrialização prematura muito acelerado”, explica. “Na medida em que esse parque passa a ser contestado pela entrada maciça de bens industrializados, de países de alta renda média da União Europeia, a possibilidade de os produtores locais no Brasil competirem com essas companhias vai ser muito menor. A tendência é que muitas empresas aqui quebrem, sem condições de concorrer.”
Após o anúncio em Bruxelas, o passo seguinte é submeter os termos do pacto a votações nos congressos de cada país, dos dois blocos. Por isso, ainda não há informações na íntegra para análises sobre suas consequências objetivas. Mas especialistas concordam que o Mercosul se encontra em uma situação de desvantagem na negociação, já que o peso do bloco é menor e os governos enfrentam crises institucionais.
O temor é de que, do ponto de vista estratégico, o Brasil se consolide na posição de fornecedor de bens primários e desestimule, principalmente, o setor industrial brasileiro, comprometendo o desenvolvimento econômico e a autonomia no decorrer dos anos. Segundo o economista aposentado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professor de Economia Internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), André Nassif, é possível cogitar benefícios imediatos, porém, as dúvidas estão nos impactos a longo prazo.
Nassif chama os benefícios imediatos de “ganhos estáticos” e cita que, entre eles, estaria o aumento da possibilidade de consumo dos dois blocos, já que a entrada de produtos seria facilitada nos países que assinam o acordo. O Brasil pode por exemplo, estender o acesso a produtos mais sofisticados da Europa, a menor preço. Outro ponto possivelmente benéfico, e instantâneo, seria o comércio intraindustrial, ou seja, a ampliação de variedades de produtos de um mesmo setor. Significa que, enquanto o Brasil exporta um modelo automotivo, recebe outros modelos oriundos da Europa. Esta perspectiva é limitada, ele considera, já que as especialidades produtivas e as condições econômicas são díspares entre os dois blocos.
Entretanto, a preocupação do economista está justamente nos impactos a longo prazo, que ele chama de “ganhos dinâmicos”. Com a entrada de bens duráveis e tecnológicos de um mercado forte como o europeu, empresas brasileiras de médio e grande porte que atuam nestes setores podem ser diretamente afetadas. As tentativas de industrialização no país, já combalidas, sofreriam maior desestímulo, em função da concorrência. Abdicar de um projeto de desenvolvimento industrial no país, para ele, provocaria efeitos negativos profundos nas condições de crescimento do Brasil.
“Do ponto de vista dos impactos dinâmicos, o acordo de livre comércio pode ser um tiro de misericórdia na possibilidade de o Brasil reconstruir um parque industrial, já afetado por um processo de desindustrialização prematura muito acelerado”, explica. “Na medida em que esse parque passa a ser contestado pela entrada maciça de bens industrializados, de países de alta renda média da União Europeia, a possibilidade de os produtores locais no Brasil competirem com essas companhias vai ser muito menor. A tendência é que muitas empresas aqui quebrem, sem condições de concorrer.”
Brasil fadado à função rasteira?
Essa leitura é compartilhada pelo doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Leonardo Ramos. O pesquisador aponta que um dos setores prejudicados no Brasil deve ser o automotivo. Com a bruta redução de tarifas sobre a entrada de carros europeus, a expectativa é de que as condições desiguais de concorrência golpeiem não somente a indústria automotiva brasileira, mas também toda a cadeia produtiva ligada a este setor no país.
O especialista também aponta que a indústria naval pode ser atingida. Até hoje, segundo o professor, a logística de mercadorias em determinadas regiões é realizada prioritariamente por navios originários do Mercosul. Com o acordo, este serviço também pode ser oferecido por navios da União Europeia. Ramos considera que, além da eliminação das taxações, o frete do transporte europeu é mais barato, devido a uma série de investimentos a este setor. Isto tornaria a nossa indústria muito menos competitiva.
O pesquisador adiciona a esta lista os critérios flexíveis com relação a origem de insumos que venham de terceiros países, como os da Ásia, nos setores têxtil, químico e siderúrgico, por exemplo. Em termos práticos, a União Europeia importaria um insumo da China, faria algum processo simples para terminar o produto e o exportaria para os países do Mercosul sem nenhuma tarifa. Então, um produto chinês chegaria ao Mercosul sem tarifas, só por passar por um processo mínimo na Europa. Nesses termos, empresas brasileiras destes campos de atuação podem ser alvejadas.
Ramos também rebate a celebração do governo em torno do ganho de mercado pelos exportadores brasileiros. O que ele percebe é que, a princípio, poderemos exportar mais, no entanto, não se trata de uma inserção de qualidade nas cadeias globais de valor. Em suma, o Brasil descarta qualquer possibilidade de atuação internacional, e se enraíza em seu papel mais rasteiro, o de fornecimento de bens primários.
“A demora de 20 anos foi influenciada por essa preocupação. Negociar era interessante, em um primeiro momento, mas a grande questão era os critérios disso. O que foi aceito agora é uma excrescência para o setor industrial. Para qualquer governo minimamente progressista, com algum interesse desenvolvimentista, esse acordo, nestes termos, não faz o menor sentido”, critica. “A gente ainda tentava formas alternativas de inserção internacional, mesmo sem êxito. E com a UE, ainda não havíamos assumido este papel”.
Por fim, um ponto que serve de propaganda para o pacto está ligado às prerrogativas ambientais. Com o desmonte do Ministério do Meio Ambiente, a insana liberação de agrotóxicos e o avanço do desmatamento na Amazônia, obras do governo de Jair Bolsonaro, há alguma expectativa otimista em que este acordo obrigue o país a entrar nos eixos, já que os países europeus estabelecem exigências neste quesito. Contudo, diante do revés econômico, Ramos minimiza a importância deste item. O especialista enxerga, ao menos, a possibilidade de que este critério impeça a ratificação de um acordo nefasto ao Brasil.
“Talvez [a questão ambiental] seja a única coisa positiva nesse sentido. Concordo que este governo é uma atrocidade ao meio ambiente e que algo deve ser feito. Mas o impacto econômico para o Brasil e para a Argentina é tão deletério, que a questão ambiental acaba sendo residual. Inclusive, dependendo das negociações, este pode ser um critério importante que dificulte a ratificação deste acordo com a União Europeia”, analisa.
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