Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O reconhecimento da atuação de Sergio Moro como juiz da Lava Jato vai ficar para história como o eclipse do Sol registrado ao sul do continente: vai durar dois minutos. Com a luz jogada pelas reportagens do Intercept Brasil, que revelou o conluio espúrio, antiético e criminoso entre julgador e acusação, a bruma da mentira logo se dissolveu. Muitos, no entanto, vão continuar afirmando a realidade das sombras. São mentes formadas nas masmorras da mentira, acostumadas ao mofo dos interesses e dos conchavos antipopulares.
A enumeração dos ilícitos de Moro no julgamento de Lula é vasta e variada: oferta de testemunhas de acusação, antecipação de julgamentos, conselhos sobre a oportunidade de operações, censura ao desempenho de procuradores e consequente sugestão de afastamento, indicação de alinhamento com setores da imprensa para moldar a opinião pública. E segue com a preservação de investigação de suspeitos aliados ou simpatizantes, adiamento de concessão de entrevistas de modo a interferir na eleição pela desinformação proposital do eleitor, beligerância e sarcasmo em relação ao trabalho da defesa.
O ex-juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública (e ministro exatamente porque ex-juiz) mentiu, prevaricou, feriu a ética, descumpriu o devido processo legal, foi parcial e politicamente orientado. Não se pode pedir mais de um corrupto. As comprovações acerca do comportamento condenável do então magistrado foram apresentadas ao público, em trabalho jornalístico de qualidade reconhecida em todo o mundo, garantido pela liberdade de informação e direito de preservação da fonte. De um lado a fratura da lei, de outro o exercício responsável da função da imprensa.
Moro tem nas mãos a mais direta e incontestável das defesas: basta negar assertivamente as informações das reportagens. Dizer: é tudo mentira. Não precisa provar ainda, por ora é suficiente dizer que são informações falsas. O fato de não fazê-lo é mais que suficiente para atestar que são verdadeiras ou no mínimo verossímeis. Por isso a defesa do ex-magistrado se volta para dois argumentos capengas: o de que podem não ser totalmente verdadeiras (risco de manipulação) e de que foram obtidas ilegalmente. Em vez de tratar do conteúdo, apela para a forma e o modo de obtenção.
A terceira linha de defesa é ainda menos responsável e perigosa: a acusação do mensageiro pelo teor da mensagem. Moro resolveu atacar o Intercept Brasil e seu fundador, o jornalista Glenn Greenwald. No primeiro caso, usou de subterfúgios para desqualificar o site, duvidando que se tratasse de imprensa (misto de má fé e ignorância sobre o ecossistema informativo contemporâneo), que fosse confiável (desconhecendo o alto conceito profissional de seu principal editor) e afirmando que dissemina mensagens “sensacionalistas”, procurando em seguida o altamente respeitado Programa do Ratinho para se comunicar com a sociedade e deixar claro o que considera imprensa séria.
Sobre o jornalista americano radicado no Brasil há 14 anos, detentor de um Pulitzer, um Esso e um Oscar, assacou de forma cabotina contra a honra pessoal, profissionalismo e até mesmo obediência às normas legais. Informações divulgadas por sites governistas e de direita dão conta de que o ministro teria solicitado ao Coaf que investigasse movimentações financeiras do jornalista, colocando sob suspeição a lisura da posse como deputado federal do marido de Glenn, David Miranda. Nem o órgão de controle, nem a PF, nem o ministro confirmaram ou negaram a informação, na mesma reiterada tática de fugir da mentira com comportamentos moralmente evasivos. O repúdio internacional à eventual perseguição do jornalista foi geral e vergonhosa para a nossa já combalida liberdade de imprensa, sempre na rabeira dos rankings mais respeitados, como o dos Repórteres sem Fronteiras.
É importante, nesse momento, resgatar outras iniciativas de jornalistas brasileiros críticos à ação de Moro durante a Lava Jato. Não foi surpresa para ninguém que o titular do julgamento estivesse em acordo tácito com a acusação. Mais do que isso, que dirigisse o rumo de todo o processo, da investigação à instrução, chegando à sentença já esperada, com estações intermediárias de abuso de autoridade e demonstração de força e arrogância até mesmo em direção ao STF. Por que, então, foi preciso que um jornalista estrangeiro entrasse na cena do crime judicial? Porque Moro, como os próprios registros judiciais comprovam, sempre perseguiu jornalistas brasileiros com ameaças, detenções e processos.
Com o conforto do alinhamento automático com a imprensa burguesa, contou sempre com a defesa, contribuição ativa e estímulo à mitomania em torno de seu nome e atuação. Os jornalistas e blogueiros que ousaram romper o cordão da mentira e manipulação foram alvos de conduções coercitivas, processos, retirada de sites do ar, ameaça de seus empregos, entre outras formas de pressão. Acostumado a mandar prender e soltar (mais prender que soltar), Moro precisou de um contendor independente de sua alça de mira. Sua sobranceria com os profissionais brasileiros mancou frente ao jornalista americano e, principalmente, com a repercussão internacional de seus desvios éticos como julgador. Como se sabe, a vaidade é seu sobrenome, depois do nome de batismo, ambição.
A coragem dos colegas brasileiros, que arriscaram a pele, abriram caminho para Glenn Greenwald e já está registrada na história do jornalismo brasileiro. É um capítulo talvez de menor repercussão, mas exemplo de que vale a pena apostar na força da verdade e no julgamento do tempo. Como certamente ocorrerá com a capitã alemã e ativista Carola Rackete, que resgatou 40 náufragos e impediu que morressem, atracando em Lampedusa, desobedecendo ordens de um primeiro-ministro tão fascista quando desumano.
Às vezes o desacato destemido é a única saída capaz de preservar laços mínimos de honra e dignidade. Na vida como no jornalismo. Ou então, só nos restaria aceitar que a escuridão do eclipse das liberdades é nosso destino inevitável e que a vida não vale mais do que dois minutos.
A enumeração dos ilícitos de Moro no julgamento de Lula é vasta e variada: oferta de testemunhas de acusação, antecipação de julgamentos, conselhos sobre a oportunidade de operações, censura ao desempenho de procuradores e consequente sugestão de afastamento, indicação de alinhamento com setores da imprensa para moldar a opinião pública. E segue com a preservação de investigação de suspeitos aliados ou simpatizantes, adiamento de concessão de entrevistas de modo a interferir na eleição pela desinformação proposital do eleitor, beligerância e sarcasmo em relação ao trabalho da defesa.
O ex-juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública (e ministro exatamente porque ex-juiz) mentiu, prevaricou, feriu a ética, descumpriu o devido processo legal, foi parcial e politicamente orientado. Não se pode pedir mais de um corrupto. As comprovações acerca do comportamento condenável do então magistrado foram apresentadas ao público, em trabalho jornalístico de qualidade reconhecida em todo o mundo, garantido pela liberdade de informação e direito de preservação da fonte. De um lado a fratura da lei, de outro o exercício responsável da função da imprensa.
Moro tem nas mãos a mais direta e incontestável das defesas: basta negar assertivamente as informações das reportagens. Dizer: é tudo mentira. Não precisa provar ainda, por ora é suficiente dizer que são informações falsas. O fato de não fazê-lo é mais que suficiente para atestar que são verdadeiras ou no mínimo verossímeis. Por isso a defesa do ex-magistrado se volta para dois argumentos capengas: o de que podem não ser totalmente verdadeiras (risco de manipulação) e de que foram obtidas ilegalmente. Em vez de tratar do conteúdo, apela para a forma e o modo de obtenção.
A terceira linha de defesa é ainda menos responsável e perigosa: a acusação do mensageiro pelo teor da mensagem. Moro resolveu atacar o Intercept Brasil e seu fundador, o jornalista Glenn Greenwald. No primeiro caso, usou de subterfúgios para desqualificar o site, duvidando que se tratasse de imprensa (misto de má fé e ignorância sobre o ecossistema informativo contemporâneo), que fosse confiável (desconhecendo o alto conceito profissional de seu principal editor) e afirmando que dissemina mensagens “sensacionalistas”, procurando em seguida o altamente respeitado Programa do Ratinho para se comunicar com a sociedade e deixar claro o que considera imprensa séria.
Sobre o jornalista americano radicado no Brasil há 14 anos, detentor de um Pulitzer, um Esso e um Oscar, assacou de forma cabotina contra a honra pessoal, profissionalismo e até mesmo obediência às normas legais. Informações divulgadas por sites governistas e de direita dão conta de que o ministro teria solicitado ao Coaf que investigasse movimentações financeiras do jornalista, colocando sob suspeição a lisura da posse como deputado federal do marido de Glenn, David Miranda. Nem o órgão de controle, nem a PF, nem o ministro confirmaram ou negaram a informação, na mesma reiterada tática de fugir da mentira com comportamentos moralmente evasivos. O repúdio internacional à eventual perseguição do jornalista foi geral e vergonhosa para a nossa já combalida liberdade de imprensa, sempre na rabeira dos rankings mais respeitados, como o dos Repórteres sem Fronteiras.
É importante, nesse momento, resgatar outras iniciativas de jornalistas brasileiros críticos à ação de Moro durante a Lava Jato. Não foi surpresa para ninguém que o titular do julgamento estivesse em acordo tácito com a acusação. Mais do que isso, que dirigisse o rumo de todo o processo, da investigação à instrução, chegando à sentença já esperada, com estações intermediárias de abuso de autoridade e demonstração de força e arrogância até mesmo em direção ao STF. Por que, então, foi preciso que um jornalista estrangeiro entrasse na cena do crime judicial? Porque Moro, como os próprios registros judiciais comprovam, sempre perseguiu jornalistas brasileiros com ameaças, detenções e processos.
Com o conforto do alinhamento automático com a imprensa burguesa, contou sempre com a defesa, contribuição ativa e estímulo à mitomania em torno de seu nome e atuação. Os jornalistas e blogueiros que ousaram romper o cordão da mentira e manipulação foram alvos de conduções coercitivas, processos, retirada de sites do ar, ameaça de seus empregos, entre outras formas de pressão. Acostumado a mandar prender e soltar (mais prender que soltar), Moro precisou de um contendor independente de sua alça de mira. Sua sobranceria com os profissionais brasileiros mancou frente ao jornalista americano e, principalmente, com a repercussão internacional de seus desvios éticos como julgador. Como se sabe, a vaidade é seu sobrenome, depois do nome de batismo, ambição.
A coragem dos colegas brasileiros, que arriscaram a pele, abriram caminho para Glenn Greenwald e já está registrada na história do jornalismo brasileiro. É um capítulo talvez de menor repercussão, mas exemplo de que vale a pena apostar na força da verdade e no julgamento do tempo. Como certamente ocorrerá com a capitã alemã e ativista Carola Rackete, que resgatou 40 náufragos e impediu que morressem, atracando em Lampedusa, desobedecendo ordens de um primeiro-ministro tão fascista quando desumano.
Às vezes o desacato destemido é a única saída capaz de preservar laços mínimos de honra e dignidade. Na vida como no jornalismo. Ou então, só nos restaria aceitar que a escuridão do eclipse das liberdades é nosso destino inevitável e que a vida não vale mais do que dois minutos.
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