Por Manuel Domingos Neto
Exércitos custam caro. Precisam de argumentos sólidos para justificar dispêndios públicos. Sem percepção coletiva de perigo, é difícil manter gastos militares. Assim ocorre em toda parte, qualquer que seja o porte das economias nacionais e suas inserções geopolíticas.
Nas últimas décadas, a cobiça sobre a Amazônia foi uma justificativa para investimentos em Defesa. Surgiram longas e enfadonhas listas de personalidades e instituições estrangeiras com afirmações ameaçadoras de nossa soberania sobre a floresta. Generais dizem que milhares de ONGs atuam no preparo ideológico da invasão estrangeira. Tribos indígenas já estariam falando inglês...
A propaganda dos militares na televisão tem destacado o preparo para lutar na densa mata e o atendimento aos pobres. A defesa da Amazônia tornou-se bandeira tão eloquente que a Marinha passou a designar nossas águas oceânicas como “Amazônia Azul”.
A floresta sempre despertou atenção. No século XIX, impérios europeus enviaram expedições para inventariar suas riquezas. Muito do que se sabe sobre esse espaço deve-se a esses expedicionários. O alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, ganhou, em 1840, um concurso organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com o tema: “Como escrever a História do Brasil”. Uma de suas teses continua atual: cabe reconhecer a humanidade de índios e negros.
A crescente escassez de matérias primas, a carência de água doce e os anunciados desastres climáticos acentuaram o interesse mundial sobre a Amazônia. Pactos multilaterais longamente negociados refletiram preocupações reais com o futuro do planeta.
Eis que uma especulação de pouco valor intelectual, com título provocativo, ”Quem invadirá o Brasil para salvar a Amazônia?”, publicada na revista “Foreign Policy” por Stephen Waltz acende apreensões sobre a soberania territorial. O autor raciocina a partir de “jogos de guerra”, que admitem hipóteses não necessariamente verossímeis.
A pretensa ameaça enseja discurso patriótico ao governo desgastado pela subordinação incondicional à Washington. É oportuna também para militares que admitiram a fragilização de nossa segurança energética, a venda da EMBRAER, a cessão de Alcântara, a perda do controle da foz do Amazonas, o desrespeito às opções políticas de vizinhos e o desmonte do sistema nacional de produção do conhecimento científico e tecnológico, sem o qual não há o que dizer acerca de defesa autônoma.
A presença militar na Amazônia ganhou destaque desde que Rondon abriu estradas, estendeu fios telegráficos, desenhou mapas, “descobriu” povos originários postulando que deviam ser “protegidos” e “integrados à civilização” e convidou Theodore Roosevelt , ex-presidente dos Estados Unidos, para uma de suas expedições. O homem tinha fama de naturalista, mas se destacara, sobretudo, por ter projetado mundialmente a força dos Estados Unidos. Tinha agudo senso estratégico. Pondo a mão forte no Panamá, iniciou a construção do Canal. O Exército custeou sua viagem pela floresta. Roosevelt se tornou até nome de rio brasileiro!
Rondon teria dito: “morrer se preciso for, matar nunca!”. Criou e dirigiu o Serviço de Proteção ao Índio. Desde então, a mortandade acelerou, seja pelas doenças contagiosas do “civilizado” ou pela redução das terras das tribos. O decréscimo da população indígena foi contido ultimamente, tendência que será invertida caso prevaleça a vontade presidencial de não demarcar “um centímetro” de terra indígena e tirar qualquer controle da monocultura de exportação.
Durante a primeira metade do século XX, o militar brasileiro evitou a Amazônia. No Rio de Janeiro e nas grandes cidades estavam as oportunidades de lograr promoção hierárquica e conspirar para livrar o Brasil da corrupção; na fronteira sul, estariam as ameaças à soberania. Para vender armas e equipamentos, os franceses que orientaram a modernização do Exército estimularam tensões com a Argentina.
O serviço em áreas distantes como a Amazônia equivalia ao exílio punitivo. A iniciativa mais impactante do Estado Novo foi a do fatídico envio dos “soldados da borracha”, trabalhadores rurais nordestinos, para atender a demanda industrial de leite da seringueira.
A presença do Exército na Amazônia tomou impulso apenas na segunda metade do século passado. Foi necessária a autoridade do general Lott para criar o Comando Militar da Amazônia.
Preocupações com movimentos insurrecionais impulsionaram a presença do Exército na floresta, aliás, designada como “selva”, conforme o jeito anglo-saxão de falar. Tratava-se de atuar como polícia, não de enfrentar estrangeiro cobiçoso. Nesta época, a United States Steel já havia localizado em Carajás a maior província mineralógica do mundo. Foram então desenhados projetos de expansão das atividades econômicas.
A ditadura adotou o lema “integrar para não entregar”, abriu a Transamazônica e cedeu ao bilionário estadunidense Daniel Ludwig uma propriedade de dimensões próximas ao estado de Sergipe. Com a redemocratização, o governo concebeu o Programa Calha Norte, conduzido por militares. Continuava em pauta a ampliação da fronteira agrícola.
Em termos de defesa efetiva da Amazônia contra o estrangeiro cobiçoso o militar brasileiro muito falou, mas pouco fez. Guerreiros preparados para lutar na floresta são indispensáveis, mas não bastam. O aparato existente intimida brasileiros insatisfeitos, mas é incapaz de resistir a uma imaginável invasão dos Estados Unidos. Imaginável, sim.
A defesa efetiva desta imensidão territorial passa pelo bom domínio da língua espanhola, pelo estreitamento contínuo da amizade com os vizinhos até o ponto em que não admitam instalações militares estadunidenses em seus territórios. E ainda pela ampliação dos investimentos comuns na proteção ambiental e no atendimento de demandas sociais, tarefas eminentemente civis. Comunidades fragilizadas, sem perspectivas promissoras, são expostas ao estrangeiro insinuante.
A verdadeira defesa militar da Amazônia exige autonomia em produção de material de guerra. Força armada que depende de fornecedor estrangeiro não tem desígnio próprio nem resiste ao invasor poderoso.
A invasão da Amazônia é questão de tempo e oportunidade. Mas isso não passa pela cabeça do capitão que preside e dos generais sob seu comando. Fica como registro para quando chegar o tempo de reconstruir o Brasil.
Exércitos custam caro. Evitemos argumentos enganosos para manter o nosso.
Soldados, parem de atuar como partido fardado! E sepultem definitivamente a ideia de voltar a agir como polícia política! Preparem-se de verdade para defender a Amazônia e o Brasil!
Exércitos custam caro. Precisam de argumentos sólidos para justificar dispêndios públicos. Sem percepção coletiva de perigo, é difícil manter gastos militares. Assim ocorre em toda parte, qualquer que seja o porte das economias nacionais e suas inserções geopolíticas.
Nas últimas décadas, a cobiça sobre a Amazônia foi uma justificativa para investimentos em Defesa. Surgiram longas e enfadonhas listas de personalidades e instituições estrangeiras com afirmações ameaçadoras de nossa soberania sobre a floresta. Generais dizem que milhares de ONGs atuam no preparo ideológico da invasão estrangeira. Tribos indígenas já estariam falando inglês...
A propaganda dos militares na televisão tem destacado o preparo para lutar na densa mata e o atendimento aos pobres. A defesa da Amazônia tornou-se bandeira tão eloquente que a Marinha passou a designar nossas águas oceânicas como “Amazônia Azul”.
A floresta sempre despertou atenção. No século XIX, impérios europeus enviaram expedições para inventariar suas riquezas. Muito do que se sabe sobre esse espaço deve-se a esses expedicionários. O alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, ganhou, em 1840, um concurso organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com o tema: “Como escrever a História do Brasil”. Uma de suas teses continua atual: cabe reconhecer a humanidade de índios e negros.
A crescente escassez de matérias primas, a carência de água doce e os anunciados desastres climáticos acentuaram o interesse mundial sobre a Amazônia. Pactos multilaterais longamente negociados refletiram preocupações reais com o futuro do planeta.
Eis que uma especulação de pouco valor intelectual, com título provocativo, ”Quem invadirá o Brasil para salvar a Amazônia?”, publicada na revista “Foreign Policy” por Stephen Waltz acende apreensões sobre a soberania territorial. O autor raciocina a partir de “jogos de guerra”, que admitem hipóteses não necessariamente verossímeis.
A pretensa ameaça enseja discurso patriótico ao governo desgastado pela subordinação incondicional à Washington. É oportuna também para militares que admitiram a fragilização de nossa segurança energética, a venda da EMBRAER, a cessão de Alcântara, a perda do controle da foz do Amazonas, o desrespeito às opções políticas de vizinhos e o desmonte do sistema nacional de produção do conhecimento científico e tecnológico, sem o qual não há o que dizer acerca de defesa autônoma.
A presença militar na Amazônia ganhou destaque desde que Rondon abriu estradas, estendeu fios telegráficos, desenhou mapas, “descobriu” povos originários postulando que deviam ser “protegidos” e “integrados à civilização” e convidou Theodore Roosevelt , ex-presidente dos Estados Unidos, para uma de suas expedições. O homem tinha fama de naturalista, mas se destacara, sobretudo, por ter projetado mundialmente a força dos Estados Unidos. Tinha agudo senso estratégico. Pondo a mão forte no Panamá, iniciou a construção do Canal. O Exército custeou sua viagem pela floresta. Roosevelt se tornou até nome de rio brasileiro!
Rondon teria dito: “morrer se preciso for, matar nunca!”. Criou e dirigiu o Serviço de Proteção ao Índio. Desde então, a mortandade acelerou, seja pelas doenças contagiosas do “civilizado” ou pela redução das terras das tribos. O decréscimo da população indígena foi contido ultimamente, tendência que será invertida caso prevaleça a vontade presidencial de não demarcar “um centímetro” de terra indígena e tirar qualquer controle da monocultura de exportação.
Durante a primeira metade do século XX, o militar brasileiro evitou a Amazônia. No Rio de Janeiro e nas grandes cidades estavam as oportunidades de lograr promoção hierárquica e conspirar para livrar o Brasil da corrupção; na fronteira sul, estariam as ameaças à soberania. Para vender armas e equipamentos, os franceses que orientaram a modernização do Exército estimularam tensões com a Argentina.
O serviço em áreas distantes como a Amazônia equivalia ao exílio punitivo. A iniciativa mais impactante do Estado Novo foi a do fatídico envio dos “soldados da borracha”, trabalhadores rurais nordestinos, para atender a demanda industrial de leite da seringueira.
A presença do Exército na Amazônia tomou impulso apenas na segunda metade do século passado. Foi necessária a autoridade do general Lott para criar o Comando Militar da Amazônia.
Preocupações com movimentos insurrecionais impulsionaram a presença do Exército na floresta, aliás, designada como “selva”, conforme o jeito anglo-saxão de falar. Tratava-se de atuar como polícia, não de enfrentar estrangeiro cobiçoso. Nesta época, a United States Steel já havia localizado em Carajás a maior província mineralógica do mundo. Foram então desenhados projetos de expansão das atividades econômicas.
A ditadura adotou o lema “integrar para não entregar”, abriu a Transamazônica e cedeu ao bilionário estadunidense Daniel Ludwig uma propriedade de dimensões próximas ao estado de Sergipe. Com a redemocratização, o governo concebeu o Programa Calha Norte, conduzido por militares. Continuava em pauta a ampliação da fronteira agrícola.
Em termos de defesa efetiva da Amazônia contra o estrangeiro cobiçoso o militar brasileiro muito falou, mas pouco fez. Guerreiros preparados para lutar na floresta são indispensáveis, mas não bastam. O aparato existente intimida brasileiros insatisfeitos, mas é incapaz de resistir a uma imaginável invasão dos Estados Unidos. Imaginável, sim.
A defesa efetiva desta imensidão territorial passa pelo bom domínio da língua espanhola, pelo estreitamento contínuo da amizade com os vizinhos até o ponto em que não admitam instalações militares estadunidenses em seus territórios. E ainda pela ampliação dos investimentos comuns na proteção ambiental e no atendimento de demandas sociais, tarefas eminentemente civis. Comunidades fragilizadas, sem perspectivas promissoras, são expostas ao estrangeiro insinuante.
A verdadeira defesa militar da Amazônia exige autonomia em produção de material de guerra. Força armada que depende de fornecedor estrangeiro não tem desígnio próprio nem resiste ao invasor poderoso.
A invasão da Amazônia é questão de tempo e oportunidade. Mas isso não passa pela cabeça do capitão que preside e dos generais sob seu comando. Fica como registro para quando chegar o tempo de reconstruir o Brasil.
Exércitos custam caro. Evitemos argumentos enganosos para manter o nosso.
Soldados, parem de atuar como partido fardado! E sepultem definitivamente a ideia de voltar a agir como polícia política! Preparem-se de verdade para defender a Amazônia e o Brasil!
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