Charge: Darcy/Cleveland, EUA |
Não podemos dizer que fomos tomados de surpresa. Todos sabíamos que Jair Bolsonaro (PSL), se eleito, buscaria alterações nas leis ambientais e a flexibilização do setor, facilitando os processos de licenciamentos.
A briga pela permanência do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na estrutura de um governo que desejava extingui-lo desde o primeiro momento foi concebida como parte de um pensamento ingênuo de que faria alguma diferença.
Não é a estrutura, mas a política que importa!
E a política do governo Bolsonaro é antiambiental, defensora do agronegócio predatório, de um pensamento que elimina fisicamente líderes rurais e das florestas, de Chico Mendes e Dorothy Stang a Dilma Silva.
Essa política, “com MMA com tudo”, precisava limpar a estrutura, eliminando quem se preocupasse com “questiúnculas” como preservação de biomas e povos originários, ribeirinhos e quilombolas. É preciso garantir o lucro, e o lucro vem com pasto, soja e mineração.
A política de higienização começou a todo vapor. Já em fevereiro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou 21 dos 27 superintendentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – algo inédito nos 30 anos de existência do órgão – e anunciou um “núcleo de conciliação ambiental”, que foi criado formalmente em agosto pela Portaria do MMA/ICMBio nº 01, para revisar as multas aplicadas pelo órgão que, a propósito, caíram 29% entre janeiro e agosto de 2019.
O contingenciamento feito pelo governo em março atingiu diretamente os programas de fiscalização e combate a incêndios florestais que perderam respectivamente 38% e 24% de seu orçamento com o corte de R$ 187 milhões no MMA, que foi posteriormente ampliado em maio para R$ 244 milhões.
A guilhotina foi se impondo nos estados. A Superintendência do Ibama no Rio de Janeiro exonerou o chefe de operações aéreas do órgão, José Olímpio Augusto Morelli, que havia aplicado a multa em Bolsonaro por pesca ilegal em Angra dos Reis (RJ).
E, finalmente, no dia 15 de abril, o então presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Adalberto Eberhard, pediu demissão após o ministro ter ameaçado os agentes do órgão publicamente, em evento no Rio Grande do Sul com ruralistas, em que ambos estavam presentes. Em seguida, todo o comando do ICMBio foi substituído por militares.
Em paralelo, Ricardo Salles passou a investir contra o Fundo Amazônia, a quem acusava de ser usado por ONGs e de irregularidades sem quaisquer provas. Chegou a afirmar na imprensa que o fundo, criado em 2008 para receber doações destinadas a ações de conservação e combate ao desmatamento na floresta, deveria ser utilizado para indenizar produtores rurais.
Em consequência, Noruega e Alemanha, países financiadores do fundo, cortaram os repasses de verbas e ameaçaram cessar a iniciativa, caso a governança, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não seja continuada neste governo.
A composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) foi alterada, diminuindo a participação de organizações que não compõem o governo federal.
Um servidor do Parque Nacional de Fernando de Noronha foi arbitrariamente transferido, ato sustado temporariamente por uma liminar na Justiça. Por derradeiro, a exoneração do então diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, no começo do mês de agosto, justamente em decorrência da divulgação do aumento do desmatamento, coroou a sequência de perseguições para implantar a política antiambiental.
Os dados são inevitavelmente alarmantes. O aumento do desmatamento é assustador. O Deter – sistema do Inpe de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia – registrou em junho aumento de 90% no desmatamento, na comparação com o mesmo mês de 2018. Em julho, a mesma comparação revelou disparada de 278%.
A eleição do “mito”, em outubro de 2018, já simbolizou que as motosserras podiam ser ligadas e as armas carregadas. Desde janeiro com sua posse, as tochas foram acesas.
O bolsonarismo botou fogo na Amazônia, literalmente falando. Fazendeiros, grileiros e comerciantes do entorno da BR-163 elegeram o 10 de agosto como o “dia do fogo” e queimaram áreas de pasto e em processo de desmatamento.
Segundo afirmaram em jornal de circulação local, sentem-se respaldados e desejavam mostrar ao presidente do Brasil “que querem trabalhar e o único jeito é derrubando, e para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”.
A disputa verbal completamente desprovida de razão que Jair Bolsonaro trava com o presidente francês, Emmanuel Macron, um comportamento disparatado e birrento, chegando a condicionar a aceitação de verbas para ajudar a Amazônia a um “pedido de desculpas”, mostra que se o fogo do bolsonarismo é capaz de destruir a maior floresta tropical do mundo, Bolsonaro está perfeitamente habilitado para aniquilar também as relações internacionais do Brasil.
* Tania de Olveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB - GCcrim/Unb e da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
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