Por Tereza Cruvinel
Algumas universidades federais já pensam seriamente em cancelar o vestibular do verão. Com a asfixia financeira que lhes vem sendo imposta pelo governo Bolsonaro, não terão condições de receber novos alunos. Se isso acontecer, vai mexer com a classe média, que pagou escolas particulares caras para que seus filhos pudessem chegar às melhores universidades. O corte de 11 mil bolsas de pós-graduação e pesquisa certamente bateu mais na classe média que nos pobres. E mais cortes virão. Os caminhoneiros estão aí, chamando Bolsonaro de traidor e pregando seu impeachment. Hoje a categoria está dividida mas uma greve como a do ano passado também dará nos nervos da classe média, que continua sendo, como sempre foi, o pêndulo do sistema. Até aqui, os arreganhos autoritários e as vulgaridades de Bolsonaro não bastaram para tirá-la de sua zona de conforto mas a conta começará a chegar.
Caras-pintadas e camisas pretas vão disputar a cena visual neste 7 de Setembro com os de verde-amarelo que atenderem ao chamado de Bolsonaro. Não devem formar, ainda, uma onda forte como a que tomou as ruas, na mesma data, em 1992, em resposta ao chamado de Fernando Collor para que o defendessem vestindo as cores da bandeira. Éramos então um país unido a favor do impeachment. Agora, somos um país dividido. Mas é certo que, após o início deste inverno democrático e civilizatório, em primeiro de janeiro, este é o momento mais propício à ampliação e união de forças para conter o Bolsonaro, antes que seu governo descambe para uma ditadura escancarada.
Quando ele louva Pinochet e sua turma que torturou e matou o pai da ex-presidente Michele Bachelet, está dizendo que se for preciso fará o mesmo contra “esquerdistas e comunistas”, categoria que para ele inclui qualquer democrata, progressista ou humanista. É espantoso seu desejo de chocar o mundo confessando sua pulsão por tortura e morte. Quando diz que veio para destruir, devemos entender que ele não tem agenda nem programa, mas que também não terá limites na desconstrução do Brasil produzido pela Constituição de 1988.
No auge de sua autossuficiência, após vencer a insegurança do início, em que se amparava em Moro, Guedes e nos militares, desfrutando agora da sensação de mandar sozinho – daí a disposição para chutar Moro do governo - , em agosto Bolsonaro soltou completamente as regras de seu autocratismo e perdeu o que poderia ter de pudor no exercício do cargo. Decidiu fazer do filho embaixador em Washington e brigou com a Alemanha e a Noruega, recusando os recursos do Fundo Amazônia. Demitiu o diretor do INPE por discordar dos dados do órgão sobre o desmatamento e abriu fogo contra as ONGs. Irritado com o chanceler francês por ter recebido os governadores nordestinos (logo depois de tê-los chamado de paraíbas), foi cortar o cabelo e cancelou o encontro que teriam. Em seguida a floresta ardeu e o mundo levantou-se em defesa da Amazônia. O presidente francês Macron, que não engolira a desfeita a seu ministro, liderou a insurgência, abrindo uma crise diplomática que terminou com Bolsonaro ofendendo a primeira dama francesa Brigitte Macron, ao endossar a comparação negativa entre ela e sua mulher Michelle. Não bastasse a baixaria presidencial, nesta quinta-feira o ministro Guedes resolveu bajular o chefe, dizendo que ele disse a verdade, que ela “é muito feia mesmo”.
Na sequência, uma pesquisa Datafolha mostrou uma acentuada queda em sua popularidade, ocorrida em alta velocidade durante o agosto da radicalização. Isso não o conteve. Sua convicção é de que ainda tem uma base muito larga que se manifesta no mundo digital.
Na quarta-feira ele voltou a chocar o mundo com a vileza de sua ofensa à ex-presidente chilena Michele Bachelet, que apontara redução do espaço democrático no Brasil. Louvou Pinochet por ter liquidado com a esquerda, da qual fazia parte o pai dela, um general leal ao presidente deposto e assassinado Salvador Allende. Os golpistas o prenderam e torturaram até matá-lo em 1974. A própria Bachelet seria presa e torturada no ano seguinte. Mais uma vez, Bolsonaro atacou a vítima de uma ditadura em seu ponto de dor e trauma, como fez antes com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ao mentir sobre a forma como seu pai, Fernando Santa Cruz, foi morto pela ditadura brasileira.
E para encerrar a semana comprando mais briga, ignorou a lista tríplice dos procuradores federais e fez a escolha do procurador-geral da República por critério ideológico: Augusto Aras comunga de suas posições em questões comportamentais e ambientais, defende o agronegócio e o excludente de ilicitude para proprietários que matem invasores de terra, é contra as cotas raciais. Parte do bolsonarismo não gostou porque ele já fez críticas à Lava Jato. Mas quem disse que Bolsonaro tem compromisso com o combate à corrupção? Ele se ancorou em Moro e na operação quando isso lhe foi eleitoralmente conveniente. Agora, pode chutar o ex-juiz e preterir o procurador Dallagnol. Desmoralizado pela Vaza Jato/Intercept, ele ansiava pela PGR como um náufrago por um bote salva-vidas.
Enquanto isso, o ministro da Educação sufoca as universidades. E para aumentar a humilhação de Moro, testando seu limite de tolerância, Bolsonaro resolveu também trocar o diretor-geral da Polícia Federal, descontentando a corporação. É preciso desconhecer completamente as pregas do sistema de poder no Brasil para pensar que tanta briga não terá consequências. Ou então, estar disposto a recrudescer ao máximo.
Ontem, ao desculpar-se com seus apoiadores por não ter escolhido um procurador-geral lavajatista, Bolsonaro disse algo sintomático. “Pessoal, desculpa aí. Vamos ter paciência. O Brasil tem muita, mas muita coisa errada. Não vamos ter outra chance a não ser essa que Deus me deu". Vamos ao significado: Bolsonaro já disse que não veio para construir, mas para destruir tudo o que, a seu ver, há de errado no Brasil. E ele diz que tem pressa, pois sabe que nem outro mandato terá para concluir sua destruição. “Não vamos ter outra chance a não ser essa que Deus me deu”. Deus, não sei, mas as fake news foram decisivas.
A hora, então, é de tentar unir forças para contê-lo, antes que ele faça do Brasil uma terra arrasada: economia desnacionalizada e estagnada; sistema de educação e cultura destroçado; direitos civis e sociais, esbulhados; relações internacionais reduzidas, do pluralismo tradicional, ao servilismo aos Estados Unidos. Antes, é preciso dizer, que ele nos precipite numa completa ditadura.
Pedir ao povo que vista verde-amarelo neste 7 de Setembro em defesa da Amazônia foi mais uma mistificação dele, uma apresentação da verdade pelo avesso, como se por defender a Amazônia contra a cobiça estrangeira, e não por ter estimulado o desmatamento e as queimadas com seu discurso antiambientalista, é que ele tornou-se um judas para a comunidade internacional.
Não sei em que proporção ele será atendido mas desconfio de que a manifestação que está sendo chamada pela UNE, professores e outras entidades também encontrará eco numa classe média que começa a despertar; que começa a entender que não só os pretos, índios, pobres e gays serão sacrificados pelo bolsonarismo.
Algumas universidades federais já pensam seriamente em cancelar o vestibular do verão. Com a asfixia financeira que lhes vem sendo imposta pelo governo Bolsonaro, não terão condições de receber novos alunos. Se isso acontecer, vai mexer com a classe média, que pagou escolas particulares caras para que seus filhos pudessem chegar às melhores universidades. O corte de 11 mil bolsas de pós-graduação e pesquisa certamente bateu mais na classe média que nos pobres. E mais cortes virão. Os caminhoneiros estão aí, chamando Bolsonaro de traidor e pregando seu impeachment. Hoje a categoria está dividida mas uma greve como a do ano passado também dará nos nervos da classe média, que continua sendo, como sempre foi, o pêndulo do sistema. Até aqui, os arreganhos autoritários e as vulgaridades de Bolsonaro não bastaram para tirá-la de sua zona de conforto mas a conta começará a chegar.
Caras-pintadas e camisas pretas vão disputar a cena visual neste 7 de Setembro com os de verde-amarelo que atenderem ao chamado de Bolsonaro. Não devem formar, ainda, uma onda forte como a que tomou as ruas, na mesma data, em 1992, em resposta ao chamado de Fernando Collor para que o defendessem vestindo as cores da bandeira. Éramos então um país unido a favor do impeachment. Agora, somos um país dividido. Mas é certo que, após o início deste inverno democrático e civilizatório, em primeiro de janeiro, este é o momento mais propício à ampliação e união de forças para conter o Bolsonaro, antes que seu governo descambe para uma ditadura escancarada.
Quando ele louva Pinochet e sua turma que torturou e matou o pai da ex-presidente Michele Bachelet, está dizendo que se for preciso fará o mesmo contra “esquerdistas e comunistas”, categoria que para ele inclui qualquer democrata, progressista ou humanista. É espantoso seu desejo de chocar o mundo confessando sua pulsão por tortura e morte. Quando diz que veio para destruir, devemos entender que ele não tem agenda nem programa, mas que também não terá limites na desconstrução do Brasil produzido pela Constituição de 1988.
No auge de sua autossuficiência, após vencer a insegurança do início, em que se amparava em Moro, Guedes e nos militares, desfrutando agora da sensação de mandar sozinho – daí a disposição para chutar Moro do governo - , em agosto Bolsonaro soltou completamente as regras de seu autocratismo e perdeu o que poderia ter de pudor no exercício do cargo. Decidiu fazer do filho embaixador em Washington e brigou com a Alemanha e a Noruega, recusando os recursos do Fundo Amazônia. Demitiu o diretor do INPE por discordar dos dados do órgão sobre o desmatamento e abriu fogo contra as ONGs. Irritado com o chanceler francês por ter recebido os governadores nordestinos (logo depois de tê-los chamado de paraíbas), foi cortar o cabelo e cancelou o encontro que teriam. Em seguida a floresta ardeu e o mundo levantou-se em defesa da Amazônia. O presidente francês Macron, que não engolira a desfeita a seu ministro, liderou a insurgência, abrindo uma crise diplomática que terminou com Bolsonaro ofendendo a primeira dama francesa Brigitte Macron, ao endossar a comparação negativa entre ela e sua mulher Michelle. Não bastasse a baixaria presidencial, nesta quinta-feira o ministro Guedes resolveu bajular o chefe, dizendo que ele disse a verdade, que ela “é muito feia mesmo”.
Na sequência, uma pesquisa Datafolha mostrou uma acentuada queda em sua popularidade, ocorrida em alta velocidade durante o agosto da radicalização. Isso não o conteve. Sua convicção é de que ainda tem uma base muito larga que se manifesta no mundo digital.
Na quarta-feira ele voltou a chocar o mundo com a vileza de sua ofensa à ex-presidente chilena Michele Bachelet, que apontara redução do espaço democrático no Brasil. Louvou Pinochet por ter liquidado com a esquerda, da qual fazia parte o pai dela, um general leal ao presidente deposto e assassinado Salvador Allende. Os golpistas o prenderam e torturaram até matá-lo em 1974. A própria Bachelet seria presa e torturada no ano seguinte. Mais uma vez, Bolsonaro atacou a vítima de uma ditadura em seu ponto de dor e trauma, como fez antes com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ao mentir sobre a forma como seu pai, Fernando Santa Cruz, foi morto pela ditadura brasileira.
E para encerrar a semana comprando mais briga, ignorou a lista tríplice dos procuradores federais e fez a escolha do procurador-geral da República por critério ideológico: Augusto Aras comunga de suas posições em questões comportamentais e ambientais, defende o agronegócio e o excludente de ilicitude para proprietários que matem invasores de terra, é contra as cotas raciais. Parte do bolsonarismo não gostou porque ele já fez críticas à Lava Jato. Mas quem disse que Bolsonaro tem compromisso com o combate à corrupção? Ele se ancorou em Moro e na operação quando isso lhe foi eleitoralmente conveniente. Agora, pode chutar o ex-juiz e preterir o procurador Dallagnol. Desmoralizado pela Vaza Jato/Intercept, ele ansiava pela PGR como um náufrago por um bote salva-vidas.
Enquanto isso, o ministro da Educação sufoca as universidades. E para aumentar a humilhação de Moro, testando seu limite de tolerância, Bolsonaro resolveu também trocar o diretor-geral da Polícia Federal, descontentando a corporação. É preciso desconhecer completamente as pregas do sistema de poder no Brasil para pensar que tanta briga não terá consequências. Ou então, estar disposto a recrudescer ao máximo.
Ontem, ao desculpar-se com seus apoiadores por não ter escolhido um procurador-geral lavajatista, Bolsonaro disse algo sintomático. “Pessoal, desculpa aí. Vamos ter paciência. O Brasil tem muita, mas muita coisa errada. Não vamos ter outra chance a não ser essa que Deus me deu". Vamos ao significado: Bolsonaro já disse que não veio para construir, mas para destruir tudo o que, a seu ver, há de errado no Brasil. E ele diz que tem pressa, pois sabe que nem outro mandato terá para concluir sua destruição. “Não vamos ter outra chance a não ser essa que Deus me deu”. Deus, não sei, mas as fake news foram decisivas.
A hora, então, é de tentar unir forças para contê-lo, antes que ele faça do Brasil uma terra arrasada: economia desnacionalizada e estagnada; sistema de educação e cultura destroçado; direitos civis e sociais, esbulhados; relações internacionais reduzidas, do pluralismo tradicional, ao servilismo aos Estados Unidos. Antes, é preciso dizer, que ele nos precipite numa completa ditadura.
Pedir ao povo que vista verde-amarelo neste 7 de Setembro em defesa da Amazônia foi mais uma mistificação dele, uma apresentação da verdade pelo avesso, como se por defender a Amazônia contra a cobiça estrangeira, e não por ter estimulado o desmatamento e as queimadas com seu discurso antiambientalista, é que ele tornou-se um judas para a comunidade internacional.
Não sei em que proporção ele será atendido mas desconfio de que a manifestação que está sendo chamada pela UNE, professores e outras entidades também encontrará eco numa classe média que começa a despertar; que começa a entender que não só os pretos, índios, pobres e gays serão sacrificados pelo bolsonarismo.
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