A crise no laranjal do PSL, além de reforçar as suspeitas sobre as ilegalidades eleitorais de Jair Bolsonaro e ameaçar de implosão o partido de aluguel, serviu para jogar luz sobre uma figura influente nos bastidores do governo. De carreira inexpressiva no mercado publicitário paulista, Fabio Wajngarten, de 43 anos, foi premiado com o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República pelo empenho na campanha do ex-capitão. A maneira entusiasmada e ligeira com que aderiu ao bolsonarismo não só lhe garantiu o controle de uma verba estimada em 450 milhões de reais como o papel de principal negociador com os meios de comunicação e de censor do Palácio do Planalto. Em nove meses, Wajngarten notabilizou-se por reclamar de jornalistas críticos e pedir cabeças nas redações.
Em geral, o publicitário costumava ligar diretamente para os barões da mídia para reclamar. A reportagem da Folha de S.Paulo sobre as denúncias de caixa 2 na campanha presidencial de Bolsonaro o obrigou, no entanto, a sair da sombra. Ao ecoar declarações do chefe, que acusou o jornal paulistano de descer “ao esgoto” e ter se tornado “um panfleto ordinário à causa dos canalhas”, o administrador das verbas publicitárias do governo acusou a mídia de espalhar fake news e sugeriu um boicote do setor privado. Os anunciantes, escreveu Wajngarten em uma rede social, deveriam ter a “consciência de analisar cada um dos veículos de comunicação para não se associarem a eles”.
Em nota conjunta, a Associação Nacional dos Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais lamentaram a “visão distorcida do secretário”. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Daniel Bramatti, o episódio “se insere em um contexto de sistemáticos ataques ao jornalismo vindos do presidente e de seus aliados”. A Associação Brasileira de Imprensa, por sua vez, considera “inaceitável que uma autoridade pública defenda critérios não republicanos para a veiculação de publicidade”.
Não é a primeira vez que Wajngarten demonstra suas aptidões de censor. Em junho, insatisfeito com uma nota publicada pelo colunista Guilherme Amado, da revista Época, o secretário sugeriu aos anunciantes que “revejam investimentos” no Grupo Globo, dono da publicação. No fim de julho, envolveu-se em um bate-boca com Fabio Pannunzio, ex-funcionário da Band. Ao comentar uma publicação de Wajngarten no Twitter, o jornalista fez um alerta aos colegas: “Tenham cuidado com esse cara. Os tuítes críticos ao governo que ele intercepta vão parar no WhatsApp do seu chefe. Ele é quem fica instigando os diretores de redação contra os seus subordinados por conta de posições nas redes sociais. E não apenas eles”. No início de setembro, Pannunzio voltou à carga, chamando o chefe da Secom de “dedo-duro”, “vil” e “covarde”. Dois dias depois, o jornalista anunciou a sua saída da emissora, na qual trabalhou por mais de 20 anos. Negou, porém, que a demissão tivesse relação com a troca de farpas pelas redes sociais. A decisão, diz, havia sido tomada um mês antes.
Wajngarten é apontado ainda como o mentor de uma iniciativa destinada a asfixiar financeiramente publicações em papel. Em agosto, Bolsonaro editou uma Medida Provisória que desobriga empresas de capital aberto a publicar balanços financeiros em jornais. Ao anunciar a mudança, o presidente estimou que as publicações perderiam cerca de 900 mil reais por ano e fez questão de mencionar especificamente um diário que pertence à Globo: “Espero que o Valor Econômico sobreviva”.
Não foi uma citação gratuita. Bolsonaro considera a família Marinho uma adversária, embora a Globo continue a apoiar acriticamente a Lava Jato, o ministro Sérgio Moro e as medidas econômicas de Paulo Guedes. Sob Wajngarten, cresceram os repasses publicitários a dois concorrentes da emissora, o SBT e a Record, porta-vozes do bolsonarismo na tevê aberta. A escolha do secretário de Comunicação, aliás, não poderia ter sido mais eloquente. Wajngarten capitaneou a frustrada experiência da alemã GfK pelo mercado brasileiro. Estimulada justamente pelo SBT e a Record, a chegada da multinacional tinha o objetivo de criar uma concorrência para o Ibope na aferição da audiência, considerado um aliado da Globo (a medição é fundamental para a conquista de anunciantes e o faturamento das emissoras). A GfK atuou no segmento por dois anos, foi incapaz de fazer sombra ao Ibope e acabou processada pelos novos clientes. Apesar do fracasso, Wajngarten sobreviveu à iniciativa e manteve uma empresa de análise da concorrência no setor de mídia.
Advogado de formação, pós-graduado em Marketing de Serviços pela ESPM, o empresário tornou-se também um especialista em ONGs. A Cucumber, agência comandada por sua mulher, Sophie, tirou do papel um projeto ambicioso do bilionário Eli Horn, fundador da construtora Cyrella. O Instituto Liberta combate a exploração sexual de crianças e adolescentes e será abastecido com quase 80% da fortuna de Horn. Administrada por Luciana Temer, filha do ex-presidente Michel Temer, a organização congrega vários e poderosos apoiadores, entre eles diversos meios de comunicação.
As atividades passadas e futuras de Wajngarten não passam despercebidas por Brasília e pelo poder econômico. Há quem desconfie que a arrecadação de dinheiro para “causas nobres” como do Instituto Liberta possam, em alguma medida, ter alimentado a fábrica de mentiras que distorceram as eleições presidenciais. Há dois caminhos de investigação: a CPI das Fake News em curso no Congresso e o inquérito no Supremo Tribunal Federal que persegue os mesmos objetivos dos parlamentares.
Então diretor da filial brasileira da Hadassah, rede judaica de assistência à saúde com presença em mais de 25 países, Wajngarten convenceu Bolsonaro a se operar da facada em Juiz Fora no Hospital Albert Einstein, e não no Sírio Libanês. Também providenciou uma UTI aérea para transportar o então candidato de Minas Gerais a São Paulo. Especialista em redes sociais, o publicitário estreitou os laços com o presidente em 2016. Desde então, trabalha para aproximar o ex-capitão de empresários, sobretudo os milionários da comunidade judaica. Em agosto de 2018, organizou um café da manhã do então candidato com cerca de 60 endinheirados na capital paulista. Entre os convivas, figurava Meyer Nigri, da construtora Tecnisa.
Como CartaCapital revelou na edição 1052, a origem judaica de Wajngarten pode ter facilitado a montagem de redes de robôs na internet e no WhatsApp para influenciar as eleições. Ao repórter André Barrocal, uma ex-autoridade do governo Temer na seara internacional jura que o atual chefe da Secom e o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, têm relações com empresas de tecnologia e espionagem de Israel, e elas teriam dado suporte à campanha de 2018.
Os israelenses têm know-how na área. Em outubro do ano passado, The New York Times noticiou que um integrante do alto escalão da campanha de Donald Trump em 2016 solicitou uma proposta comercial à Psy Group, formada por espiões israelenses aposentados. Em troca de 3 milhões de dólares, a empresa se dispôs a criar identidades online falsas, manipular o engajamento nas redes sociais e a reunir informações contra adversários. O serviço não foi contratado, mas a negociação foi descoberta pelo procurador especial Robert Mueller, episódio que reforça as suspeitas contra o presidente dos EUA, ídolo de Bolsonaro e alvo de um processo de impeachment.
Uma revelação feita por Ben Supple, gerente de políticas públicas do WhatsApp, deve dar novo fôlego à CPI das Fake News. “Na eleição brasileira do ano passado houve a atuação de empresas fornecedoras de envios massivos de mensagens que violaram nossos termos de uso para atingir um grande número de usuários”, admitiu o executivo em recente palestra. No ano passado, uma série de reportagens da Folha revelou que empresários bolsonaristas financiaram o disparo em massa pelo aplicativo de notícias falsas contra Fernando Haddad, do PT. Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral estão sentados sobre o inquérito.
O laranjal permanece, no entanto, como uma espada sobre a cabeça de Bolsonaro. À Polícia Federal o ex-assessor parlamentar Haissander Souza de Paula disse que parte dos recursos para candidaturas femininas do PSL em Minas Gerais foi desviada para custear material da campanha presidencial e do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado pelo Ministério Público por falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa na sexta-feira 4. O depoimento cita a existência de uma planilha, “MarceloAlvaro.xlsx”, com gastos atribuídos à campanha de Bolsonaro e identificados pela expressão “out”, o popular “por fora”, também conhecido como “caixa 2”.
Quando era juiz, Sérgio Moro teria se escandalizado com a revelação. Os tempos mudaram. O ministro Moro foi um dos primeiros a saírem em defesa do chefe. “O presidente Jair Bolsonaro fez a campanha presidencial mais barata da história. Manchete da Folha de hoje não reflete a realidade. Nem o delegado nem o Ministério Público, que atuam com independência, viram algo contra o presidente da República neste inquérito de Minas. Estes são os fatos”, escreveu no Twitter, em mais uma demonstração de que tem acesso privilegiado e inapropriado à investigação da Polícia Federal. Apesar de subordinada ao ministério, a corporação tem o dever de exercitar autonomia funcional.
A legislação exige que ao menos 30% dos candidatos lançados em cada partido sejam mulheres, mas o PSL de Minas lançou “candidaturas laranja”, fictícias, além de desviar recursos reservados a elas. Em setembro, o TSE decidiu que a trapaça é motivo para cassação de toda a chapa. O tribunal chegou ao entendimento ao analisar o caso de cinco candidatas que concorreram à Câmara Municipal de Valença do Piauí, mas tiveram votação inexpressiva e não praticaram atos de campanha. Teria coragem de manter a posição se restar comprovado o benefício a Bolsonaro?
Não por acaso, o ex-capitão busca descolar-se do PSL e atua para deixar a legenda que o abrigou durante a campanha. Na terça-feira 8, ao cumprimentar um apoiador na porta do Palácio do Planalto, passou por uma constrangedora situação. O homem iniciou a gravação de um vídeo e anunciou com pompa: “Eu, Bolsonaro e Bivar, juntos por um novo Recife”. O presidente não escondeu a contrariedade. “Oh, cara, não divulga isso não. O cara está queimado pra caramba lá. Vai queimar meu filme também. Esquece esse cara, esquece o partido”.
A ingratidão pode custar caro. As declarações causaram revolta no partido, dono de uma das maiores bancadas do Congresso. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, não poupou Bolsonaro: “Como você fala do quintal alheio se o seu quintal está sujo? As candidaturas em Minas Gerais e Pernambuco estão sendo investigadas. Mas o filho do presidente também”. Outros filiados lembraram das transações suspeitas do motorista Fabrício Queiroz. A provável saída do presidente tende a provocar uma debandada da sigla, que receberia a maior parte do fundo partidário nas eleições de 2020. A mágoa é péssima conselheira. Aí mora o perigo para quem está habituado a abandonar antigos aliados pelo caminho.
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